
“O preconceito é quebrado através do encontro da experiência do diálogo. Então, o diálogo acaba sendo uma das partes mais importantes do assunto”
Luiz Calina
“Contrato e depois não posso demitir?”. Eis aí uma preocupação se não legítima, bastante comum entre empregadores desafiados a contratarem pessoas com deficiência. A pergunta é apenas um dos muitos mitos que tornam a presença de cegos — e não apenas cegos — bastante limitada em ambiente de trabalho. Para começar bem essa conversa, então, vamos logo a resposta que Luiz Calina, entrevistado do Mundo Corporativo, me deu:
“Você contratando a pessoa certa para o lugar certo, ela tem que ter performance. Ah, e se não tiver, como é que eu vou fazer para demitir? Como você demite qualquer um. Suporte que a pessoa não tá performando, não tá entregando o resultado, e troque por outra pessoa, talvez outra pessoa com deficiência, mas que tenha interesse em trabalhar”
Tirada essa “barreira” da frente desse seu caminho de descrença, vamos às demais informações: Luiz Calina é sócio diretor da Calina Projetos. Ela comanda a produtora que está à frente do projeto “Diálogo no escuro” que tem se destacado como uma iniciativa pioneira que visa promover a inclusão dessas pessoas com deficiência visual no mercado de trabalho. Esse tem sido um tema cada vez mais relevante e atual.
Criado na década de 80, na Alemanha, o projeto já percorreu mais de 170 cidades em 47 países, proporcionando uma experiência única aos participantes. No Brasil, chegou em 2015 e desde então tem se estabelecido como uma referência no combate ao preconceito e na promoção da diversidade.
O “Diálogo no escuro” consiste em uma exposição e um workshop, ambos realizados em ambientes totalmente escuros. Na exposição, os visitantes são guiados por pessoas com deficiência visual, simulando diferentes espaços urbanos. Através da audição e do tato, os participantes são desafiados a reconhecer e interagir com o ambiente. Já no workshop, os participantes realizam atividades no escuro, promovendo a reflexão e a superação de desafios.
O objetivo do projeto é proporcionar uma experiência imersiva que quebre preconceitos e estigmas em relação às pessoas cegas. Ao se depararem com a vulnerabilidade do escuro, os participantes são levados a repensar suas percepções e a desenvolver empatia em relação às pessoas com deficiência visual.
De acordo com Luiz Calina, os resultados do projeto têm sido positivos, com feedbacks que demonstram uma maior sensibilização e consciência por parte dos colaboradores das empresas envolvidas. A experiência no “Diálogo no escuro” proporciona descobertas surpreendentes e estimula a busca por recursos e soluções, mostrando o potencial das pessoas em enfrentar desafios.
Aos empregadores que se preocupam com o fato de ter um cego na sua equipe de trabalho e a necessidade de ter despender mais tempo do que o normal para que ele realize suas funções ou tenha de escalar um colega para ajudá-lo, Calina lembra a história que inspirou o projeto, lá na Alemanha, nos anos de 1980. O filósofo Andreas Heinecke recebeu a incumbência de orientar um estagiário cego que integraria sua equipe. Logo pensou que haveria a necessidade de colocar alguém em apoio para que o novo funcionário exercesse suas atividades. Surpreendeu-se ao descobrir que, apresentado ao espaço físico e explicadas suas funções, o colega tinha total autonomia.
“Eu estou aqui no estúdio da CBN. Não sei onde é o banheiro. Alguém vai ter que me mostrar a primeira vez e depois eu vou saber. A única diferença é que talvez a gente chegue ali na porta e alguém me aponte: “Ó, ali é o banheiro!”, e eu já vou saber. A pessoa cega você tem que levar e de preferência até você abre a porta do banheiro e fala “aqui está a cabine, tem a parte do mictório, tá bem em frente, a pia tá pra direita e o papel toalha tá à esquerda”. Se você fizer isso você vai ajudar bastante a ele, porque ele não não tem condição de ver. Só que isso é a primeira vez. Depois, tá tudo resolvido A única diferença é da primeira vez não indicar com a mão, é preciso levá-lo até o local. Depois, tá tudo resolvido”
Apesar dos avanços, ainda há muito desconhecimento e falta de educação sobre a realidade das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. A lei de cotas estabelece a obrigatoriedade de empresas terem um percentual de colaboradores com deficiência, mas muitas vezes o cumprimento dessa lei é feito com pessoas com deficiências menores, que requerem poucas adaptações.
No entanto, empresas comprometidas com a diversidade e inclusão estão no caminho certo, promovendo a inclusão efetiva de pessoas com deficiência visual. Além de ser uma ação socialmente responsável, a inclusão traz benefícios para a empresa, como o reconhecimento da marca, o engajamento dos colaboradores e a ampliação do público consumidor.
“Então, se você tem um time bastante diverso para buscar novos produtos, você vai atender um número maior de possíveis consumidores, que eventualmente se você estiver em uma bolha; vamos dizer todo mundo igual ou na direção ou na área de marketing, talvez você não pense nesses outros consumidores que também vão fazer diferença no seu mercado consumidor”.
Portanto, a inclusão de pessoas com deficiência visual no mercado de trabalho é uma questão que vai além da obrigação legal, é uma oportunidade de promover a diversidade, quebrar preconceitos e construir um ambiente mais inclusivo e igualitário. O projeto “Diálogo no escuro” está com duas exposições, em São Paulo e Rio de Janeiro. Na capital paulista, está na Unibes Cultural, da Oscar Freire, 2.500, e no Rio, está no Museu Histórico Natural, na praça Marechal Âncora, no Centro.
Para conhecer mais sobre como funcionam as exposições e o workshop Diálogos no escuro”, assista à entrevista completa no Mundo Corporativo, que tem as participações de Renato Barcellos, Bruno Teixeira, Priscila Gubiotti e Guilherme Muniz.


