De censo e bom-senso

 


Por Maria Lucia Solla

Ouça de Censo e bom-senso na voz e sonorizado pela autora

Toda vez que há boa vontade na jogada, o trabalho sai, e sai bem-feito. É batata!mesmo que o trabalho escape do âmbito da roça e da cozinha; mesmo que aconteça na rua, na chuva, na fazenda; ou numa casinha de sapé.

Quando a gente se une em volta de um propósito, mesmo que seja a gente com a gente mesmo, a gente com um amigo, com uma porção-de-outra-gente, ou com uma população inteira, a gente vai em frente, executa, realiza; e a coisa sai. A coisa vai.

Agora, quando não, quando não sai do blá blá blá costumeiro, morre no gogó.

Quando a gente mora na esquizofrenia e delira em vez de se engajar; quando a gente reverbera o nada, que é eco de coisa nenhuma, em vez de as mangas arregaçar; quando se põe apalermado em vez de dar conta do recado; não tem jeito, acaba todo mundo insatisfeito.

Como agora, durante o Censo 2010.

Sábado passado fui entrevistada pelo recenseador Claiton Costa Vieira. Fui avisada logo cedo de que ele ficaria à disposição dos moradores do prédio, até às três da tarde. Eu já conhecia seu rosto e sabia seu nome porque, num trabalho bem-feito pelo IBGE, um folheto tinha sido afixado no elevador, com larga antecedência, contendo informações detalhadas e claras.

Fotografei e publico o folheto, tendo o cuidado de esconder os números de telefone do recenseador, declaradamente, porque não confio mais no outro, como costumava confiar.

Tem por aí muito engraçadinho-de-plantão; muito bandidinho-de-meia-tigela, disfarçado de cidadão.

Este é o censo que espera mapear a população e suas reais necessidades, e este é o país em que vivemos, eu e você que vivemos nos queixando de tudo e de todos. Um país em que o recenseador precisa implorar para que as pessoas respondam simples perguntas. O rapaz chega cheio de respeito e de boa vontade por um bando de gente que quer viver na clandestinidade, quer levar vantagem em tudo e exige ser respeitado como cidadão de bem.

Até agora, hoje é quarta-feira, dia 22 de setembro, na segunda tentativa do jovem, apenas 11, dos 24 apartamentos deste condomínio, deram o ar da sua graça no salão de festas do edifício; e os moradores de dois apartamentos já se re-cu-sa-ram a responder.

Pois é, meu caro leitor, o recenseador não consegue realizar o trabalho a que se propõe porque o povo quer se esconder, e as respostas? se nega a responder.

Triste, muito triste!

Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira, realiza curso de comunicação e expressão, escreve no Blog do Mílton Jung aos domingos e contou tudo isso para o Censo.

Prefeitura mantém sigilo sobre censo de morador de rua

 

Morador de rua em São Paulo

O Ministério Público Estadual quer esclarecimentos da prefeitura sobre tratamento que a Guarda Civil Metropolitana presta a moradores de rua, na cidade de São Paulo. E critica o silêncio do prefeito Gilberto Kassab (DEM) em relação ao censo que identificou o número de pessoas que vivem nesta situação na capital e pelo qual foram gastos cerca de R$ 800 mil. Apesar de concluído, o trabalho é mantido em sigilo.

No ano passado, após ser cobrada pelo fechamento de vagas para atendimento de moradores de rua, a secretária municipal de Assistência Social e vice-prefeita Alda Marco Antônio disse que não havia como falar em falta de vagas se ainda não tinha sido feito um censo para identificar o número de pessoas nesta condição. Comprometeu-se a realizar este trabalho até o fim do ano de 2009.

Em 1º de março de 2010, a Folha de São Paulo informou que havia 13 mil moradores de rua na capital, com base em dados do censo. A prefeitura negou as informações e disse que ainda não tinha o levantamento em mãos. Desde então, a produção do CBN SP tem cobrado da prefeitura o resultado deste trabalho, sem sucesso.

“O prefeito tem obrigação de divulgar estes dados, pois esta é uma informação pública e sua divulgação está prevista em lei”, explicou o promotor de Justiça de Direitos Humanos da Capital Eduardo Valério, em entrevista ao CBN SP que você acompanha aqui. Com isto, ele toca em um ponto fundamental que é a forma como o poder público – inclui-se a prefeitura de São Paulo, e não se exclui nenhuma outra esfera – trata estas informações.

Dados que deveriam estar acessíveis ao cidadão são mantidos na gaveta por conveniência política, como é o caso da quantidade de moradores de rua em São Paulo. Há outros que apesar de publicados não são transparentes pela formato como a informação está disponível – seja pelo tecnicismo do texto, seja pelos códigos de computação usados que impedem a manipulação dos números por programas avançados de computador.

“Um indivíduo só pode exercer plenamente sua liberdade de escolha se tiver a oportunidade de acessar informações completas, verídicas e de qualidade. Além disso, é somente com acesso pleno a informações detidas pelo Estado que as pessoas podem acompanhar a vida política, seja ela nacional ou local, tanto para monitorar a atuação do Estado quanto para participar dos processos decisórios” – diz texto do Artigo 19, grupo que defende leis de acesso à informação pública.

Em São Paulo, projeto recém-chegado à Câmara Municipal, de autoria da vereadora Mara Gabrilli (PSDB), oferece oportunidade de se dar ao menos um passo a mais nesta questão. Determina que os dados sobre os gastos das subprefeituras, do TCM e da Câmara sejam divulgados na internet e nas praças de atendimento e contenham nomes de fornecedores e notas fiscais. E o que considero fundamental: de maneira fácil e simples para que o cidadão comum possa ter acesso a estes dados de “forma autônoma e prática”.

Que fique claro, não é necessário nenhum projeto de lei para que Kassab torne público os dados do censo dos moradores de rua. Basta querer.

*Foto do colaborador Marcos Paulo Dias, na avenida Nove de Julho, em São Paulo