Avalanche Tricolor: memórias e emoções de um guri, em Curitiba

Grêmio 0x1 Inter

Brasileiro – Couto Pereira, Curitiba/PR

A fumaça recepciona o time no Couto Pereira em foto Lucas Uebel/GrêmioFBPA

Passavam das 11 da noite e um guri descia a escada rolante do hotel em que fiquei hospedado, neste fim de semana, em Curitiba. Por coincidência, o mesmo que a delegação gremista havia usado como concentração para o clássico de sábado. Chamou-me a atenção o fato dele ostentar a camiseta branca, de dimensões muito maiores do que seu corpo, que faz parte do segundo uniforme do Grêmio Parecia orgulhoso pelo troféu que, provavelmente, havia conquistado minutos antes das mãos de um dos nossos jogadores. Desconfio que tenha sido Rodrigo Ely quem fez a alegria daquele menino. Ao menos, era esse o nome estampado nas costas.

Vi o guri e lembrei dos muitos outros que havia encontrado mais cedo no trajeto que fiz até o estádio Couto Pereira, na capital paranaense. Nem todos vestiam tricolor. Alguns poucos estavam de encarnado. A maioria andava de mãos dadas ou ao lado de seus pais e mães, talvez tios e tias,  avôs e avós. Estavam prestes a vivenciar um dos maiores clássicos do futebol brasileiro.

Diante do acontecido, que a essa altura já é de conhecimento do caro e cada vez mais raro leitor desta Avalanche, nem todos tiveram a satisfação do grito de gol. Tenho certeza, porém, que experimentaram momentos que poucas atrações na vida proporcionam. A atmosfera do estádio, com a vibração das torcidas, os cantos e gritos de incentivo, a fumaça que toma conta do campo para recepcionar a entrada dos times, cria um ambiente contagiante e mágico.

Guris e gurias que presenciam essa energia coletiva sentem-se parte de algo grandioso, criando um senso de pertencimento e companheirismo. A observação dos jogadores em campo com suas habilidades (nem todos, né), estratégias (dos times que as têm) e trabalho em equipe (às vezes em falta), serve como uma aula prática de esportividade, determinação e cooperação.

A experiência vai além do jogo em si. A emoção de torcer para um time, a tensão das jogadas decisivas e a celebração dos gols (quando ocorrem) proporcionam uma montanha-russa de sentimentos que ensina a lidar com vitórias e derrotas. Assistir a um jogo ao vivo também promove momentos inesquecíveis de conexão entre pais e filhos, amigos e familiares, fortalecendo laços e criando memórias que serão guardadas para a vida toda.

Muitas dessas lembranças, emoções e sentimentos vivenciei ao lado do meu pai. E, por graça e obra do Grêmio, os compartilhei com os meus filhos. No sábado, o mais velho estava ao meu lado. Foi ele quem, sabendo de minhas memórias afetivas, me alertou para um dos rostos estampados em um dos muros do estádio do Coritiba: era uma homenagem a Ênio Andrade, campeão brasileiro pelo time paranaense em 1985. 

Seu Ênio foi de suma importância para minha formação. Ajudou-me na relação com meu pai. Deu-me lições de vida, a partir das perguntas que me fazia e do carinho com que me tratava. Adotei-o como padrinho, mesmo que ele nunca tenha sabido disso em vida. Tinha consciência, porém, de seu papel educador diante daquele guri que frequentava o Olímpico quase sempre ao lado do pai.

Foi aquele menino, alertado pelo filho mais velho, que correu até o muro verde em que estava a imagem do Seu Ênio, deu-lhe um abraço, registrado em foto, e se emocionou como uma criança diante de seu ídolo. Instantes que usufruí com a mesma alegria que conduzia o guri na escada rolante vestindo a camisa de um jogador de futebol e de todos os outros que estiveram no estádio Couto Pereira, neste sábado. E o fiz porque só o futebol tem a capacidade de me levar de volta a um tempo de inocência e alegria genuína.

Avalanche Tricolor: obrigado, Senhor Suàrez!

Inter 3×2 Grêmio

Brasileiro – Beira Rio, Porto Alegre/RS

Suárez comemora segundo gol em Gre-Nal. foto: Lucas Uebel/GrêmioFBPA

Padre José Bertolini é gremista de Bento. Vive em São Paulo há muitos anos. E, por essas felizes coincidências que a vida proporciona, reza missa na capela próxima de casa. O caro e cada vez mais raro leitor desta Avalanche o conhece de crônicas passadas. Esteve por aqui no emblemático Gre-Nal do 5 x 0, em agosto de 2015, e em outras tantas passagens que o futebol nos proporcionou. 

Hoje cedo, era Padre José quem estava escalado para rezar a missa, na Capela da Imaculada. Antes de encerrar a homilia, inspirada na parábola da Vinha do Senhor (se estiver interessado leia aqui), entrelaçou suas reflexões com memórias do seminário. Lembrou-se de um colega gremista que, enquanto ouvia os jogos em um pequeno rádio colado no ouvido, segurava um santo rosário na outra mão, avançando na reza do terço à medida que a partida progredia. Bertolini questionou: “Acredita realmente que o Senhor vai interferir?”

Antes que o considerem descrente, esclareço que Padre José foi preciso em sua fala pois sabe, a partir de seus estudos aprofundados da religião, que não é neste campo que a intervenção divina se realiza. Já escrevi vez passada que lá onde a bola rola, nossos deuses são profanos e nossas atitudes nem sempre são santas. 

No futebol, quem intercede por nós é o goleiro realizando milagres; são os zagueiros, nossos guardiões inabaláveis, que precisam contar com a ajuda dos santos protetores que atuam na frente da área; os meio-campistas, que manejam a bola com a devoção com que um fiel avança nas contas do terço até completar a reza; são os atacantes e seus gols salvadores. Se nada disso funciona, pouco adianta pedir aos céus.

Mesmo diante do resultado negativo desta tarde de domingo, há razões para o Grêmio expressar gratidão. Graças ao esforço sobre-humano de Luís Suaréz que voltou a marcar gol no clássico, desta vez de falta — coisa rara na história recente do Grêmio — os torcedores deixaram o Gre-Nal com um sabor menos amargo, lembrando-nos das uvas verdes e azedas da parábola evocada por Padre José.

Avalanche Tricolor: vivi para ver Suárez marcar no Gre-nal!

Grêmio 3×1 Internacional

Brasileiro – Arena Grêmio, Porto Alegre/RS

Suárez comemoara gol no clássico em foto de Lucas Uebel/GrêmioFBPA

Toda vez que o  Grêmio entra no gramado minha incredulidade é posta à prova. Ver a passagem de jogador por jogador pela câmera da TV e encontrar Luis Suárez perfilado e vestindo a camisa tricolor era inimaginável até pouco tempo. A despeito das ilusões que me dei o direito de ter com meu time, nunca fui dos torcedores que se entusiasmaram com as notícias de bastidor sobre a contratação de um craque mundial. Muitas vezes passamos por isso e na maioria delas era apenas um manjar de cartolas para adocicar a boca da “gente do Grêmio” entristecida por resultados mal alcançados.

Quando o nome dele foi confirmado evidentemente que comemorei e sonhei com seus gols e jogadas. Era o quinto maior goleador do mundo chegando à Arena. Vínhamos de uma temporada difícil apesar do título gaúcho e da ascensão à primeira divisão, em 2022. Merecíamos a alegria de uma jogada audaciosa por parte da diretoria e seus apoiadores. Ter Suárez no elenco era muito mais do que poderia querer naquelas circunstâncias.

Na primeira partida marcou três gols — o adversário não era de se levar a sério, disseram alguns, apesar de o jogo valer troféu. Seguiu fazendo dos seus, mas era Campeonato Gaúcho comentavam os despeitados. Vencemos o primeiro clássico gaúcho que ele disputou, porém nosso atacante não marcou e logo correram para lembrar a promessa que havia feito assim que chegou ao clube. Na oportunidade, com o sorriso largo e marcado pelos dentes que lhe são peculiares, Suárez lembrou ao torcedor que sempre deixou sua marca nos clássicos que disputou pelo mundo da bola. E não foram poucos.

Vieram as competições nacionais. Um jogo sem gol de Suárez abria a estatística da “seca” que o uruguaio iniciava, mesmo que seguisse sendo ele o goleador do tricolor. Mais do que isso: mesmo sendo ele o jogador que abria caminho para os companheiros marcarem, que chamava atenção dos zagueiros liberando a chegada do nosso meio de campo e que buscava tabelas improváveis — às vezes não completadas porque alguns de seus colegas de time, assim como eu, parecem incrédulos frente a possibilidade de tê-lo como parceiro.

Diante da escassez de talento e da baixa performance da equipe nas últimas partidas, Suárez seguia seu esforço em mostrar ao torcedor os motivos que o levam a ser um dos maiores jogadores do mundo. No meio da semana, foi dele o gol (de trivela) que nos manteve vivo na disputa por uma vaga às quartas de final da Copa do Brasil, quando muitos não viam alternativas para o empate. Hoje, foi dele o gol que deu início a história do Gre-nal 439 — o clássico que será lembrado para todo e sempre como o Gre-nal de Suárez.

O gol aos seis minutos foi lindo. Começou com a bravura de Kannemann que, na linha do meio do campo, antecipou-se, venceu a disputa da bola e a entregou para Suárez. Havia três marcadores no entorno dele. Colocou todos no bolso, os fez correrem atrás de uma bola imaginária ao ameaçar um passe de calcanhar, seguiu livre para o outro lado e de fora da área meteu no ângulo. Um golaço! Um golaço de Suárez!

No segundo tempo, quando já estávamos com um a menos em campo —- Kannemann foi expulso aos oito minutos —, escapamos em um contra-ataque puxado pelo próprio atacante que depois de tabelar com Galdino lançou no pé de Bitello, que completou no ângulo. Àquela altura, aos 19 do segundo tempo, o clássico já tinha um nome para chamar de seu: Luis Suárez!

Nosso atacante completou 23 partidas pelo Grêmio, marcou 14 gols e deu sua quinta assistência. Fez até aqui um gol a cada 137 minutos jogados (obrigado pelos dados Marcos Bertoncello). E um desses gols foi o golaço no clássico gaúcho neste fim de domingo – é o décimo clássico mundial no qual ele deixa sua marca.

Acho que já dá para começar a acreditar que vivi para ver Luis Suárez com a camisa do Grêmio! Obrigado pela graça alcançada!

Avalanche Tricolor: valia um Gre-Nal e nós vencemos!

Grêmio 2×1 Inter

Gaúcho – Arena Grêmio, Porto Alegre/RS

Vina comemora o primeiro gol em foto de Lucas Uebel/GrêmioFBPA

Quiseram saber o que eu fazia domingo à noite. Neste domingo à noite. Respondi que assistia ao Gre-Nal. Tá valendo título? Foi a pergunta seguinte. Tá valendo Gre-Nal, meu amigo! E se você não sabe o que isso significa, talvez nunca saberá, porque você nunca viveu as emoções que me marcaram desde o começo da vida — ao menos desde que me conheço por gente na vida, que se iniciou lá no Rio Grande do Sul, na vizinhança do velho Olímpico Monumental.

O Grêmio entrou em campo com seis pontos à frente do seu adversário, e o primeiro lugar e a classificação à semifinal garantidos. Houve até quem acreditasse na escalação de um time reserva. Jamais me passou pela cabeça essa possibilidade. Esse seria o primeiro Gre-Nal desde a volta à primeira divisão, disputado com a Arena praticamente lotada, tendo Luis Suárez no comando do ataque e jogado praticamente um ano após o último clássico. Ninguém queria perder! Porque estava em jogo um Gre-Nal.

Vencer o clássico arruma a casa, salva emprego de técnico e dá novos rumos à temporada — não que o Grêmio estivesse precisando disso, após a excelente campanha invicta que faz até aqui no Campeonato Gaúcho. Mas seu efeito no destino de um time e de seus jogadores pode ser devastador. Você já pensou o que aconteceria com Thiago Santos e Thaciano que mal tinham entrado em campo quando o Grêmio levou o gol de empate? Tem ideia do que será a semana para Mano Menezes e seus comandados?

Mais do que os efeitos sobre o time, a vitória no Gre-Nal tem um poder extraordinário no ânimo do torcedor. Só você, amigo que queria saber o que estava em jogo na partida deste domingo à noite, não tem ideia do que significará a segunda-feira na vida dos gremistas. E o terror que será sair da cama para os colorados. A gente acorda feliz e, obrigatoriamente, veste a Tricolor. Amanhã seremos muitos também vestindo a Celeste que ganhou destaque na nossa coleção desde a chegada de Luisito. 

A camiseta do time é roupa de gala no dia seguinte à vitória no Gre-Nal. Desfila-se pelas ruas de Porto Alegre com o peito cheio. Olhar confiante. Passada firme. E aquele sorrisinho maroto de quem espera o amigo que torce para o adversário chegar na padaria. O amigo costuma não aparecer nesses dias. Inventa uma desculpa. Diz que vai chegar atrasado. Se estiver a seu alcance providencia um atestado. Diagnóstico: Gre-Nal 438 – sim o clássico gaúcho é tão importante que nós numeramos um por um desde o primeiro, aquele que ganhamos por 10 a 0. Vai dizer que você não sabe disso, amigo?!?

O Gre-Nal deste domingo começou com o Grêmio jogando um bolão. Tava bonito de ver a troca de passes. A movimentação de seus jogadores. Nem mesmo a saída de Villasanti por lesão ainda no primeiro tempo, impediu o bom futebol que nos colocou na cara do gol ao menos duas vezes. Ambas desperdiçadas por Bitello. Logo ele que tem se consagrado em gols neste campeonato.

Foi em uma dessas trocas de passes com qualidade que Vina — já nos acréscimos do primeiro tempo — bateu firme e bateu forte para às redes fazendo justiça a quem era superior em campo. O empate veio no pior momento da partida, pois acabávamos de fazer aquelas substituições para deixar o time mais consistente — o que no nosso caso era sinal de um time menos talentoso. 

Foi novamente nos acréscimos, do segundo tempo, que o Grêmio arrancou a vitória, após boa jogada de João Pedro, que entrara no lugar de Fabio, na lateral direita, que passou para Carballo completar nas redes.  O uruguaio — ainda jovem — havia substituído Villasanti lá no primeiro tempo e fez uma excelente partida que culminou com o gol no Gre-Nal.

Luisito ao fim do jogo foi perguntado pela jornalista sobre o fato dele não ter marcado gol no clássico. Nosso atacante respondeu quase do mesmo jeito que respondi ao meu amigo que conversava comigo assim que a partida tinha começado: ‘importante era ganhar. Não importa quem fez os gols. Clássico se vence, não importa como’. Luis Suárez está há pouco tempo no Rio Grande do Sul mas sabe muito bem o que vale vencer um clássico. Vale muito! Nesse caso, vale um Gre-Nal! E nós vencemos.

Avalanche Tricolor:  Scolari e Chapecó garantem invencibilidade gremista em Gre-Nais, na Arena

Grêmio 0X0 Inter

Brasileiro — Arena Grêmio, Porto Alegre/RS

Foto de Lucas Uebel/Grêmio FBPA

Felipão voltou! Felipão voltou!

Ouviríamos este grito da torcida se torcida houvesse na Arena, nessa tarde de sábado. E a volta não era apenas física, era comportamental. O time cabisbaixo das últimas rodadas, não teve vergonha de dar bico para fora quando necessário nem de trocar o domínio da bola sem sentido por um chutão para o ataque, se preciso fosse. Perder divididas seria crime de lesa pátria, e cada um, ao seu jeito, assumiu esse compromisso do início ao fim da partida.

Scolari, como prefiro chamar nosso treinador, se fez notar na forma do Grêmio se comportar, mesmo que os analistas insistissem em dizer que com apenas um treino nada teria a fazer de diferente. Fez, sim. No vestiário. Na conversa. No incentivo. No sotaque marcado e no conhecimento de quem foi campeão do mundo.

Se é verdade o que diz o ditado que “o diabo está nos detalhes” foi neles que percebi Scolari atuar: nos palavrões repetidos à beira do gramado em toda bola de ataque desperdiçada; na conversa de pai para filho encerrada com um tapa de carinho na cabeça de Ferreirinha; e na ordem para que Geromel voltasse para a defesa a qualquer custo, quando nosso capitão se lançou ao ataque para receber o cruzamento de um falta a ser cobrada a dois minutos do fim da partida. 

Scolari não estava apenas no vestiário ou dando ordens ao lado do campo. Estava redivivo na postura de Kannemann que fez, sem dúvida, sua melhor partida de todos os últimos tempos.

A força mística de nosso técnico e a influência que ele, aos 72 anos, é capaz de impor a seus comandados foram fundamentais para que o Grêmio mantivesse a escrita de não perder um Gre-Nal há 17 partidas em sua casa — é a maior invencibilidade já escrita na história desse confronto que chegou ao número de 433. Pra que ninguém esqueça, também: nos últimos 15 clássicos perdemos apenas um e, se sua memória é boa, você deve lembrar como o VAR e o árbitro nos impuseram aquele único revés.

Em um jogo de pouco brilho e muito esforço, de lado a lado, Gabriel Chapecó merece também os méritos pela invencibilidade mantida. Foi dele os lances mais incríveis, no primeiro e segundo tempos do clássico. Com 21 anos e 1,92 de altura, Gabriel Hamester Grando foi gigante ao defender com os pés a primeira estocada perigosa do adversário. Já havia desviado para escanteio um chute que se encaminhava para o gol. Mais à frente, voltou a salvar nossa cidadela. Uma delas com a mão trocada em um chute forte e com endereço certo —- que considerou ser a mais bonita do jogo, em declaração marcada por um largo sorriso, ao fim da partida, enquanto segurava nas mãos o troféu de melhor jogador do clássico.

vamos para mais de sete anos sem derrota em clássico Gre-Nal na Arena. E a dupla Geromel e Kannemann jogando junta até hoje não sabe o que é perder para o arquirrival. 

Sei que nada disso elimina o sufoco de estarmos onde estamos no campeonato, mas nos dá a esperança de que o futebol aguerrido e a alma tricolor que forjou nossa história serão redescobertos com a volta de Luiz Felipe Scolari. 

Felipão voltou! Felipão voltou!

Avalanche Tricolor: Deus me livre!

Inter 2×1 Grêmio

Brasileiro – Beira Rio, Porto Alegre/RS

A bola está no alto e a frente de Ferreirinha, do Grêmio, enquanto Nonato, do Inter, empurra o gremista pelas costas dentro da área
Será que o VAR viu esta foto do LUCAS UEBEL ?

 

Nem omelete comi neste domingo para não arriscar que o ovo caísse fora do prato, o que —- como o caro e raro leitor desta Avalanche sabe —- é determinante no resultado do futebol dominical. Já falamos disso aqui. Caso seja necessário posso me estender no assunto … ok, deixemos para outra oportunidade. O que interessa é que o meu cuidado neste domingo era não permitir que nenhum fator externo interferisse no resultado do jogo. Preferi até ir à missa mais cedo em vez de deixar para o fim da tarde quando a partida já tivesse se encerrado. Não me perdoaria. Não que ao me ajoelhar, eu reze pela vitória gremista, porque —- também já disse a você — é melhor não preocupar Deus com essas coisas comezinhas. Mas sabe como é que é … vai que o Homem resolvesse me puxar a orelha. 

Pode parecer exagero, mas cresci sabendo que Domingo de Gre-Nal não é um dia qualquer na vida dos gaúchos. Lá nas bandas da Saldanha, onde morei, em Porto Alegre, no meio do caminho do Olímpico Monumental e do Beira Rio, fosse onde fosse a partida, era dia de torcedor desfilar camisa nova do seu clube e bandeira ainda com vinco de tanto tempo dobrada. Pais passavam em direção aos estádios levando seus filhos pela mão, com peito em riste e contando histórias experimentadas em clássicos passados —- sempre daqueles em que saímos vitoriosos, é claro. Reveses? Deixemos que os outros contem. 

Ao longo da minha carreira de vida tricolor assisti a todo tipo de clássico e nas mais diversas situações. Posso até colocar nesta lista um que joguei: foi quando fazia parte do elenco do time de basquete do Grêmio e fomos ao Gigantinho fazer a espera do show dos Globetrotters, aqueles malabaristas americanos que encantavam crianças e adultos fazendo estripolias nas quadras pelo mundo. Ganhei (e ai de quem me desminta).

Fui a Gre-Nal no Olímpico, no Beira-Rio e em estádio pelo interior gaúcho. Fui com o pai, com amigos, sozinho, com cartolas e com a delegação de futebol. Fui torcer nas cadeiras, nas sociais, nos vestiários e nas arquibancadas. Acompanhei jogos das cabines de rádio, como repórter dentro de campo e até como gandula.  

Hoje mesmo, no início da tarde, por obra e arte do Edu Cesar, que mantém canal no Youtube, no qual preserva a memória do rádio esportivo, deparei com uma transmissão que há muito vinha procurando sem sucesso. A do único Gre-Nal em que trabalhei com meu pai, na rádio Guaíba de Porto Alegre. Era final do Campeonato Gaúcho de 1986, no Olímpico. Ele narrava e eu era um dos repórteres de campo, em uma época em que eu ainda atendia por Mílton Júnior. 

Assim que Osvaldo marcou o gol, no início do segundo tempo, ele correu em direção ao pavilhão da social do Grêmio, diante do qual eu estava com o microfone da rádio. Com os dois braços erguidos para o céu, o meio-campista gritava: “obrigado, meu Deus!”. Ao registrar seus gritos e ser chamado pelo pai para descrever o lance do gol, iniciei minha participação repetindo o agradecimento do jogador. Até hoje, há quem jure que Osvaldo nunca disse aquilo. Eu teria sido flagrado comemorando com o céu o gol que nos daria o bicampeonato gaúcho. Pura maldade (como você pode conferir no vídeo que reproduzo a seguir). Mesmo que seja justo imaginar que por dentro era o que fazia com meu coração tricolor saltando pela boca. 

Se já vivenciei todo tipo de Gre-Nal, evidentemente também sofri muito, chorei mais um tanto e sorri como nunca. Vencer o clássico é muito especial. Por isso, neste domingo em que mesmo com todos os cuidados que eu tomei aqui em casa e o time no campo, mesmo que estivéssemos melhor quando sofremos a virada e mesmo que o VAR estivesse de folga, assim que o árbitro deu o apito final —- sem direito a acréscimos depois de toda a parada do pênalti —, pensei cá com minhas camisas tricolores: não deve ter sido fácil a vida dos colorados que ficaram tantos anos e jogos sem vencer uma só vez o Grêmio. Deus me livre ter de passar por isso um dia (ops, desculpe, sei que o Senhor não tem nada a vera com isso: é só força de expressão)

Avalanche Tricolor: a vitória do Gre-Nal

 

Inter 0x0 Grêmio
Gaúcho — Beira-Rio, Porto Alegre/RS

Pai

 

Cada um tem o seu Gre-Nal. E neste domingo, eu ganhei o meu em particular. Foi fora dos gramados e bem distante do campo de jogo. Não foi necessário marcar gols, dar carrinho para impedir o avanço do adversário e menos ainda peitar o árbitro para que ele mudasse de decisão. Foi uma vitória pessoal. Mais do que isso, emocional.

 

Em meio ao jogo corrido que se desenrolava no Beira Rio, fui agraciado com uma foto de um torcedor gremista —- enviada pelo meu irmão, o Christian. Não era um torcedor qualquer. Era o pai. Sim, o meu pai, Milton Ferretti Jung. Aquele que me forjou gremista. Que usou de estratégias pouco ortodoxas —- acho que já falei delas por aqui — e outras mais corriqueiras para me fazer torcer pelo time que ele sempre torceu.

 

O pai, poucos devem saber, segue sua saga pela vida, mesmo que na maior parte do tempo não tenha consciência do mundo que gira em torno dele. Em seu apartamento, onde recebe todos os cuidados e os carinhos que sua história merece e onde é abraçado pelos filhos e filha, por noras e netos, por toda a família, além de um grupo incrível de pessoas generosas, voltou a vestir a camisa do Grêmio, neste domingo.

 

Sentado na poltrona da sala, diante da televisão e com com seu corpo franzino e resiliente, fixou o olhar na tela e assistiu ao Gre-Nal. Foi como se tivesse reencontrado-se naquela realidade da qual foi um dos protagonistas através da crônica esportiva.

 

O pai vivenciou o futebol gaúcho com intensidade. Sempre esteve muito próximo do Grêmio, é lógico. Frequentava os corredores e bastidores do estádio Olímpico. Visitava o gramado durante os treinos. Era confidente de alguns treinadores e respeitado por todos os outros que passaram pelo clube. Diretoria e jogadores também o reverenciavam. Nos dias de jogos, recebia aplauso de torcedores a caminho do Olímpico, para onde seguia a pé, pois morou na vizinhança a maior parte da vida.

 

Nas muitas vezes em que fiz essa caminhada ao lado dele, ouvia gritos de “gol-gol-gol”, que ecoavam no Largo dos Campeões —- portão principal de acesso ao Olímpico. Eram admiradores que o saudavam repetindo o grito de gol que marcou sua carreira. Você deve imaginar como aquelas cenas me enchiam de orgulho.

 

Apesar de sua relação íntima com o Grêmio, tratava o adversário com muito respeito e em suas narrações fazia a voz vibrar e o torcedor se emocionar independentemente de quem fosse o gol. Foi dele um texto produzido pela rádio Guaíba de Porto Alegre e lido pelo narrador Pedro Carneiro Pereira, em homenagem a inauguração do Beira-Rio, em 1969. De tão belo e nobre ficou gravado em placa de bronze no estádio. Um texto escrito por um gremista que sabia reconhecer os méritos do adversário.

 

O pai sempre viveu neste mundo, como radialista, como cronista e como torcedor. E, na tarde deste domingo, deu sinais de que se reconectava à vida diante daquele espetáculo proporcionado pelas duas equipes.

 

Ao vê-lo em fotografia, tive a impressão de que havia voltado no tempo, quando ele descrevia com precisão cada lance de uma partida. Ou quando comemorava os gols gremistas ao meu lado nas cadeiras cativas, do Olímpico.

 

Mais do que isso: o pai estava com cara de moleque —- como a do guri que escapava das salas de aula do internato, que subia no telhado para ler os gibis proibidos, que fazia brilhar os metais da bicicleta que o acompanhava nas corridas pela 16 de Julho, no bairro São João.

 

O Gre-Nal aproximou o pai da realidade. E o clássico me proporcionou, mesmo sem gols, a alegria de uma vitória conquistada. Vitória que compartilho com o Christian e a Jacque, meus irmãos. E com você, caro e raro leitor desta Avalanche. Porque essa é uma vitória de vida. Daquelas de dar lágrimas nos olhos.

Avalanche Tricolor: clássico de muita disputa e pouco futebol

 

 

Grêmio 0x0 Inter
Brasileiro – Arena Grêmio

 

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Torcedores a espera do Gre-Nal em foto de LUCASUEBEL/GRÊMIOFBPA

 

Se você não é da terra, dificilmente será capaz de entender o sentimento que move os gaúchos em um domingo de Gre-nal. Esse clássico extrapola os interesses do futebol, vale mais do que três pontos na tabela e talvez um título não seja capaz de superar o desejo da vitória.

 

Já assisti ao meu time vencer uma partida final por 3 a 1, na casa do adversário, e apesar de o resultado não ser suficiente para o título, comemorarmos como se a conquista do jogo fosse maior do que a do campeonato. Do outro lado, a festa foi constrangida, sem graça. O contrário também deve ter ocorrido, mas prefiro não lembrar coisa ruim.

 

O resultado do Gre-nal define a segunda-feira, a semana, às vezes a temporada que se segue. Pergunte a eles se já esqueceram do 5 a 0?

 

Quando era guri, fingia uma dor qualquer para não ir a aula no dia seguinte em caso de derrota. E quando não havia a conivência da mãe, vestia a camisa tricolor e tomava um copo de leite quente misturado a uma dose extra de coragem para encarar os colegas encarnados. Aí deles, porém, se a vitória fosse minha. O dia começaria cedo com direito a homenagem já na porta da escola. E seria longo, capaz de durar até o próximo clássico.

 

Estou mais velho e vivido do que naqueles tempos de guri em Porto Alegre; e a distância do Rio Grande reduz o impacto do resultado. Mas, acredite, o Gre-nal ainda importa muito.

 

Hoje cedo, como sempre faço aos domingos, fui à Igreja perto de casa, onde a missa das 9 da manhã é rezada por um padre gremista – e isso, como já expliquei nesta Avalanche, é apenas uma feliz coincidência.

 

Padre José sabe que temos coisas mais importantes durante o ato religioso, mas é incapaz de se despedir sem uma palavra de graça: “é hoje”, disse-me de forma simpática. E imagino que a expressão foi ouvida em todo o Rio Grande, a cada troca de cumprimento na padaria, no passeio na Redenção ou a caminho da Arena.

 

“É hoje” significa muita coisa. É quando vamos vencer ou vamos derrotar. É quando, com certeza, vamos sofrer. É quando vamos viver emoção que não se encontra igual em nenhuma outra partida de futebol pelo mundo – e deixemos que os torcedores de outros clássicos pensem igual de suas disputas. Mas este é o nosso clássico a disputar.

 

“É hoje” tem a capacidade de resumir tudo que pensamos sobre o Gre-nal. E dá o clima deste jogo de características singulares no futebol brasileiro.

 

Mexe a tal ponto com os ânimos que o torcedor comemora até recorde de público, como na festa feita pelos gremistas diante da informação de que havia 53.287 pessoas assistindo ao jogo, o maior número já registrado na curta história da Arena.

 

É este ambiente que fez o gringo Kannemann se transformar em jogador de rugby ao se atirar na grama para disputar com as mãos a bola que sequer estava em jogo, e provocar a agressão do adversário. Mesmo motivo que o levou a se jogar como pode para impedir o contra-ataque que poderia ter sido fatal, quase ao fim da partida.

 

É esta sensação que nos faz vibrar (sem que isso signifique comemorar) ao assistir a cena de pugilismo travada no campo e provocada por Edílson. Soca-se o ar e depois bate uma baita vergonha, pois se percebe que nada daquilo é justificável. É uma sensação animal que toma conta da pessoa e tem de ser contida.

 

O “É hoje” de hoje só não foi capaz de levar as equipes a fazerem um jogo mais bem jogado. Apesar de a bola ter rolado muito e por boa parte do tempo, foi mal rolada e isso deixou os times muito parecidos em campo, um prejuízo para nós que estamos mais bem arrumados e ainda disputando vaga para a Libertadores.

 

PS: diante do pouco futebol jogado, o melhor do clássico foi o pedido de casamento de um torcedor gremista para a colorada que estava ao seu lado na área destina à torcida mista. É a prova de que apesar de todas as provocações e indignações, a convivência é possível e muito bem-vinda. Imagino que o casal ao sair de casa se olhou e disse um ao outro:”é hoje” – cada um com o seu significado!

Avalanche Tricolor: #GrêmioÉClassico

 

Grêmio 3×1 Aimoré
Gaúcho – Estádio do Vale/Novo Hamburgo

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Luan e Everton, craques do Grêmio. Foto de Lucas Lebel/GrêmioFBPA

 

“Estadual é clássico” diz a hashtag do Canal Premiere, que transmite as partidas do Campeonato Gaúcho, no sistema “pagou-para-ver”. Parece-me que a intenção é valorizar as competições estaduais, há algum tempo enfraquecidas pelo número excessivo de times inscritos, muitos sem qualquer qualificação, fórmulas mirabolantes para encaixar as datas no apertado calendário do futebol brasileiro, e estrutura acanhada de estádios e cidades que recebem os jogos.

 

A campanha publicitária do canal também faz questão de mostrar que os estaduais costumam ser decididos por lances e jogadores inusitados, que fazem a diferença. O Grêmio é representado pelo atacante Pedro Junior e o gol de cabeça que garantiu o título de 2006, em um time que tinha como principal estrela o meio campista Tcheco e era treinado por Mano Menezes.

 

No Grêmio atual de Roger, porém, os protagonistas são mesmo os craques do time. Jovens talentos que têm desempenhado futebol acima da média e oferecido ao torcedor lances de excelência. Na noite desta quinta-feira, assistimos mais uma vez à movimentação incrível dos garotos Everton, Luan, Pedro Rocha e, no segundo tempo, Lincoln – uma turma que não tem medo de jogar futebol refinado, assim como não foge à luta, quando necessário (às vezes até exagera, não é Luan?).

 

Seria injusto creditar apenas aos meninos a segunda vitória seguida na competição, pois se são capazes de tocar a bola com precisão e se deslocar com velocidade para recebê-la de volta, isto se deve ao trabalho de uma equipe muito bem treinada que consegue equilibrar a juventude e a experiência nos diversos setores do time: Maicon e Wallace como volantes e os laterais Oliveiras, mostram isso com clareza. Sem contar Douglas, o veterano do time, que encaixa passes como poucos no futebol brasileiro.

 

Mesmo saindo atrás no placar, o que sempre pode causar desajustes na equipe, o Grêmio tem conseguido “voltar para o jogo”, como dizem os entendidos em futebol, colocado a bola no chão e oferecido ao torcedor (ao menos para mim) a certeza de que, em pouco tempo, retomará o domínio da partida, passará à frente e consagrará mais uma vitória.

 

Mesmo considerando que é apenas o início da temporada e temos coisa bem mais importante a fazer neste ano, arrisco a dizer que o Grêmio já está jogando um futebol de muita classe. O Estadual, não sei, mas o Grêmio 2016, este sim, tem tudo para ser um clássico.

Avalanche Tricolor: uma paixão que não se apaga

 

Inter 2 x 2 Grêmio
Brasileiro – Centenário/Caxias (RS)

 

 

O clássico Gre-Nal, como é conhecida a disputa entre Grêmio e Internacional, no Rio Grande do Sul, sempre foi apaixonante. Não por acaso, pesquisa recente que mediu o fanatismo dos torcedores, citada na última Avalanche deste blog, colocou o Grêmio em primeiro lugar, seguido de seu rival mais direto. As torcidas dos dois clubes gaúchos superaram até mesmo a paixão daquelas que são consideradas as maiores do Brasil. A vitória no Gre-Nal é capaz de se sobrepor a qualquer campanha sofrível na temporada. Ao fim e ao cabo, mesmo com resultados capengas, o torcedor vitorioso olha para o adversário e tasca: “da gente vocês não ganharam”.

 

Estes 22 anos vividos em São Paulo, me distanciaram dessa que é a maior rivalidade no futebol brasileiro. Cheguei a ensaiar a tese de que, para mim, muito pior é enfrentar o Corinthians, pois moro na cidade em que o rival predomina. Um revés que seja é suficiente para ter de suportar a flauta do adversário. Onde você pisa por aqui vai encontrar um corintiano devidamente paramentado com camisa, bandeira ou seja lá qual for o adereço fazendo alusão ao seu time. É dose para mamute. Claro que uma vitória como aquela da semana passada e a que espero que aconteça na próxima quarta-feira, pela Copa do Brasil, oferecem um sabor especial a este gaúcho refugiado em São Paulo.

 

Acreditei na ideia de que estava imune às pressões de um Gre-Nal até a bola começar a rolar neste domingo. Diante de um estádio acanhado para a dimensão da partida e indevidamente tomado pela torcida adversária, já que a pequenez de nossos dirigentes (e me refiro a todos eles) impediu que se colocasse número maior de ingressos à disposição dos gremistas, logo percebi que as mais de duas décadas de distância do Rio Grande do Sul não seriam suficientes para amainar essa paixão. O gol tomado logo no início do jogo, o gol contra que serviu para empatar ainda no primeiro tempo, a belíssima troca de passes que levou a virada no placar no início do segundo tempo e o pênalti convertido pelo adversário serviram para mostrar a emoção que esse clássico ainda exerce sobre mim. As disputas de bola, leais ou não, a marcação do árbitro, equivocada ou não, a reação dos técnicos ao lado do campo e dos jogadores no gramado, fiéis aos fatos ou não, me fizeram explodir de desejo. Gritei e esbravejei como não fazia há muito tempo. Como sempre fiz diante do clássico Gre-Nal nos tempos em que vivi em Porto Alegre.

 

A qualidade da partida, acima da média desse campeonato, e o fato de o empate ter nos mantido isolados na vice-liderança do Brasileiro talvez fossem suficientes para me deixar satisfeito neste fim de domingo. Sem dúvida, porém, minha maior felicidade está em saber que a paixão que alimentei pelo clássico Gre-Nal segue muito viva neste coração que bate gremista dentro do peito.

 

Em tempo: independentemente do sabor de um Gre-Nal, a vitória contra o Corinthians na próxima quarta-feira vai me deixar bem feliz, tenha certeza.