Conte Sua História de SP: Santa Lourdes!

Maria de Lourdes Cocozza

Ouvinte da CBN

Estamos em 1980.


Sou uma universitária que faço a graduação na Unicamp. Vou de manhã de carona para Campinas com amigos que fazem pesquisa — eles têm até carro! — e retorno de ônibus até a rodoviária de São Paulo. De lá, pego um ônibus para o apartamento onde moro.

Estamos em abril. 

Cheguei na Rodoviária e como sempre, sinto-me meio perdida pois a capital é nova para mim. Sou do interior. Ao pegar a carteira para tirar o dinheiro da passagem, não a encontro. Minha bolsa está rasgada e a carteira sumiu. Me desespero e uma pessoa generosa me dá o dinheiro da passagem e me orienta a procurar nos achados e perdidos, meus documentos. 

Acho estranho e a pessoa fala: “sabe garota, muitas vezes o ladrão pega apenas o dinheiro e joga o resto fora”. Fui para casa e no dia seguinte, no mesmo horário, retornando de Campinas, vou até o balcão. 

Várias caixas com embrulhos feito carinhosamente, com elástico de “dinheiro” embalam pertences. As caixas são organizadas pelo alfabeto e há muitas Marias. Eu, uma delas.

Estava lá! O meu nome estava em um embrulho. Entre curiosa e esperançosa, o abri.

O que encontrei? 

Minha carteira de Identidade. Duas imagens de Santo Antônio, o santo de devoção da minha família,  há gerações. E uma imagem de Nossa Senhora de Lourdes que ganhei em 1975, de minha Madrinha de Crisma, a Dona Chica, pois ela achou interessante o fato de eu ter sido batizada Maria de Lourdes e ter nascido em 1958, ano de comemoração do centenário da Santa. Desde então, essa imagem eu guardo com meus documentos.

Fico muito feliz, saio radiante sabendo que meus Santos me protegeram.

Você deve estar pensando: o que tem de especial esta história de São Paulo? Isso acontece com milhares de pessoas, todos os dias. Sim! Acontece mesmo. Aconteceu comigo, de novo, e de novo, e de novo. Quatro vezes em três anos. E em todas as vezes lá estavam a carteira de identidade, Santo Antônio e Nossa Senhora de Lourdes.

Hoje, estou com 63 anos, já tenho carro, e o Conte Sua História de São Paulo me desafia a abrir a carteira e revelar as memórias agencias que acalantam a alma.  Com imensa gratidão a vocês da CBN e enorme respeito a São Paulo e a alguns patrícios habilidosos que socializaram meus recursos, mas respeitaram a minha fé, me despeço!

Maria de Lourdes Patrocínio da Silva Cocozza Simoni, Lou Cocozza, é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva o seu texto para contesuahistoria@cbn.com.br. para conhecer outros capítulos da nossa cidade, visite o meu blog miltonjung.com.br e o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de SP: trabalhei na fábrica de chocolates da Joaquim Floriano

Marta Alves

Ouvinte da CBN

Imagem: divulgação

Tenho 64 anos, nasci em Canaã, zona da Mata Mineira. Com seis anos, mudamos para São Paulo —- o que naquela época correspondia a ir para outro planeta.

Lá em casa, vivíamos muito humildemente. Éramos uma família, com seis irmão, sendo eu a mais velha. Morávamos na zona sul de São Paulo, no bairro de Pedreira, região de Santo Amaro. 

Minha mãe trabalhava de doméstica no Itaim Bibi, na rua Bandeira Paulista, esquina com a Tabapuã, na casa de dona Amélia. Como ela arrumou um outro emprego e pediu demissão, dona Amélia perguntou se não tinha uma filha que pudesse ficar no seu lugar só pra fazer as tarefas mais leves e ajudar com as crianças. Doce ilusão!

Eu estava com 12 anos e havia terminado o primário, então minha mãe, acreditando que fazia um bem para mim, permitiu que eu fosse trabalhar por lá. Como era muito longe de casa,  ficou acertado que eu dormiria no emprego e fosse pra casa só aos sábados, retornando na segunda-feira. As semanas eram infinitamente grandes. Devo dizer que sofri bastante naquela época, sem contar pra minha mãe as humilhações pelas quais eu passava. 

Quase um ano se foi, até que um dia, minha mãe, que continuava trabalhando em outra casa, também no Itaim, viu uma placa em uma imensa fábrica branca, na Joaquim Floriano: “precisa-se de menores” …. sim, naqueles anos era permitido.

Imediatamente, minha mãe foi até a portaria buscar informações. Em uma semana, fiz minha malinha na casa da Bandeira Paulista, dei tchau para a Dona Amélia, voltei para o bairro de Pedreira, onde morava minha família, e comecei no meu primeiro emprego com carteira assinada.

Imagine. A fábrica era da Kopenhagen. Sim, uma fábrica de chocolates. Dá pra imaginar o encanamento de um grupo de jovens e adolescentes adentrando aquele mundo no qual para todo lado que se olhava havia chocolate. 

O curioso é que a empresa tinha como regra que não poderíamos levar nada lá de dentro. Mas lá dentro, não era proibido comer as guloseimas. Claro que eles sabiam que depois de poucos dias convivendo com aquela esbórnia de delícias logo estaríamos saturados.

Foram poucos, mas foram inesquecíveis e doces aqueles meses de 1971.

Marta Alves é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Conte você também mais um capítulo da nossa cidade: escreva para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outras histórias  visite agora o meu blog miltonjung.com.br ou assine o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo: o sino azul tocou no coração da telefonista

Sílvia Pohiani dos Santos

(in memorial)

Aos dezoito anos, minha mãe, Diva Pohiani, deixou a cidade do interior onde morava para trabalhar na Companhia Telefônica Brasileira, em São Paulo. O mundo estava em guerra e ela deixou seus pais trazendo junto de si o salvo conduto — uma autorização especial que permitia que viajasse apesar de ser de origem italiana e, portanto, considerada inimiga por nosso país que apoiava os aliados.

Em São Paulo, na cidade que mais crescia no mundo,  ela se sentiu uma rainha. Com seus saltos altos, cabelos cuidadosamente arrumados trabalhava no setor mais moderno da nossa economia que era o de prestação de serviços. 

Ela era uma telefonista.

Fizera os testes e fora aprovada graças a sua boa dicção, capacidade de atenção e delicadeza no trato com o público. 

O trabalho exigia muita prontidão para realizar as ligações que eram pedidas quando as luzinhas vermelhas se acendiam no painel, além de muita discrição para não ouvir os diálogos que se iniciavam ou também para interromper, gentilmente, qualquer tentativa de conversa com os clientes mais ousados.

Durante o horário de almoço, ela e suas amigas visitavam o Parque do Trianon, já que trabalhavam ao lado do bairro do Paraíso. Lá faziam caminhadas e leituras —- liam, entre outras publicações, a revista Sino Azul, editada pela Companhia Telefônica Brasileira, entre os anos de 1928 e 1973. Leituras e passeios que permitiam que ela e suas amigas descobrissem uma fascinante cidade.

Foi no caminho do trabalho que foi marcado o primeiro encontro entre Dona Diva e Seu Joaquim —- Joaquim Henriques dos Santos, aquele que viria a ser o meu pai. 

Na Praça da Sé, no mais famoso relógio público da cidade, ela desceu do bonde no ponto final onde ele a esperava para acompanhá-la ao Paraíso —- digo, o bairro do Paraíso. Em plena praça, provavelmente pela emoção ou pelo salto muito alto,  ela caiu no chão. Seu Joaquim hesitou entre correr para auxiliá-la ou fingir que não tinha visto para não constrangê-la. Como minha mãe foi rápida em se levantar, ele optou pela segunda ideia.

Beijaram-se assim que se viram. Dona Diva jura ter ouvido sinos azuis. 

Casaram-se e minha mãe deixou o emprego tão querido, porque, por contrato, ela deveria trabalhar em diferentes turnos, com o que meu pai não concordava. Era preciso cuidar da casa e dos filhos que viriam a seguir. 

Apesar de sair da Companhia Telefônica, Dona Diva nunca esqueceu essa experiência profissional, naquele momento efervescente e glamouroso. Época em que ela, uma mulher independente e dinâmica, ajudava a escrever a história das comunicações de São Paulo.

Em sua memória também ficou a imagem e a companhia de uma gerente, chamada Sílvia, de origem alemã. Mulher elegante. Inteligente. Muito fina. Que orientava e tratava as jovens telefonistas de forma humana e com muita competência. 

Uma admiração que justifica meu nome de batismo, Sílvia, filha da Dona Diva — mulher corajosa e moderna que muito me ensinou e a quem lembro no momento em que faço aquilo que mais gosto: contar a história.

Diva Pohiani é personagem do Conte Sua História de São Paulo. O texto foi escrito pela filha da Dona Diva, Silvia Pohiani dos Santos, historiadora, que morreu há oito anos. Seu filho, Renato Santomauro, ouvinte da CBN, compartilhou com a gente um capítulo das histórias escritas por Dona Silvia. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva seu texto também para contesuahistoria@cbn.com.br E ouça outras histórias da cidade no meu blog miltonjung.com.br ou no podcast do Conte Sua História de São Paulo 

Conte Sua História de SP: fui aluna da professora Zelinda, no Liceu

Odila Vitória Rocha da Costa

Ouvinte da CBN

Você encontra alguém na rua, descobre que estudou no Liceu. E a pergunta é inevitável:

— Foi aluno da Zelinda?

Professora Zelinda. É assim que a gente a conheceu. É assim que ela será para sempre. 

Zelinda Casella lecionava história, moral filosófica e filosofia, no Liceu Pasteur, em São Paulo, na Vila Mariana, zona sul. Deu aula para várias gerações. Muita gente famosa aprendeu a pensar com ela. Juizes de direito, prefeitos de São Paulo, doutores … tudo bem, até o Doca Street passou na sala de aula dela. Ela tentou, mas cada um é responsável pelo seu próprio destino. 

Séria, reservada, não se intimidava com nada. Quando alguém conversava durante a aula, ela chamava atenção: “oh, fulano!” e dava batidinhas na lateral da mesa com a caneta. Ninguém mais ousava respirar.  Rita Lee, sua aluna, também a descreveu: ”Mestra-fera que não engolia qualquer deslize dos alunos”

Nunca soubemos dela ter faltado a um dia de trabalho. Sabia tanto que jamais usou um livro em suas aulas. A lousa ficava vazia. Era a professora Zelinda, seu conhecimento e sua fala. E ela falava e a gente anotava. Palavra por palavra. Parecia ter vivido cada uma daquelas histórias que contava.

Impecável e elegante. Ano após ano o mesmo modelito. Cabelo curto, bem ajeitado, sempre preto — mesmo com o passar do tempo. Saia reta: azul marinho, marrom e raríssimas vezes branca. Uma variedade de casos de crochê coloridos. Combinava camisa, sapato e brinco.  Foi motivo de comentário na revista Marie Clarie, claro lá também trabalhava uma ex-aluna dela.

Professora Zelinda era vaidosa e extremamente elegante: no falar, no agir e no pensar. Irônica, a la Voltaire, nos fazia pensar muito antes de perguntar. E nos ajudou no exercício da reflexão.

Tivemos oportunidade de revê-la em alguns reencontros de turma. Sempre pontual. E reclamava que cada um chegava em um horário diferente para o que seria apenas um descontraído almoço. Mantinha-se atualizada e bastante crítica. Seguia nos oferecendo o espaço do pensar

O que falaria do momento atual na sala de aula? Deixa pra lá. Porque, hoje, queremos homenagear nossa professora, que morreu de morte morrida no dia 17 de abril, aos 92 anos. Uma personagem de São Paulo que participou da construção do que pode haver de melhor em uma cidade, ajudou a formar cidadãos.

E antes de me despedir, um aviso aos anjinhos no céu: “acabaram as conversas paralelas” …

Professora Zelinda Casella é personagem do Conte Sua História de São Paulo, em texto escrito por sua ex-aluna Dila Rocha. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva você também o seu texto sobre a nossa cidade e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos de São Paulo visite o meu blog miltonjung.com.br e coloque entre os seus favoritos o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo: uma nova amiga e a rádio como companheira

Amaryllis Schloenbach

Ouvinte da CBN

Foto de Gratisography no Pexels

Meados dos anos 1940, morava com minha família em um sobradinho no bairro de Pinheiros, que defrontava com uma morada coletiva, na época denominada de cortiço. Pela manhã, no pátio do excelente grupo escolar, dividia minha merenda com a coleguinha minha vizinha fronteiriça,  e,  em muitas tardes ou noites de tempestade, precisávamos abrigá-la por conta da inundação que assolava aquele trecho de terra batida.

Havia uma boca-de-lobo onde, da janela, presenciei sumirem cães, galinhas, móveis, objetos vários, e, certa vez quase um bebê ser tragado em seu bercinho flutuante. No último momento este foi resgatado por um herói anônimo da vizinhança, que adentrou aquela forte correnteza barrenta, incentivado pelos gritos desesperados da mãe, nadou entre destroços a tempo de salvá-lo, aplaudido por todos os moradores do quarteirão.

Consternada com aquelas cenas eu me consolava afirmando, com  toda convicção, que quando crescesse não haveria mais episódios parecidos nesta minha desamparada cidade.

Adulta, trabalhando no Serviço Social do HC, voltei a morar na mesma rua, agora asfaltada, córrego canalizado, livre de enchentes. Porém o problema apenas mudou de endereço, e hoje, já idosa, acompanho pela internet as mesmas inundações, as  piores cenas de afogamentos, em vários outros bairros dessa mesma amada cidade que continua desassistida.

Há dois anos, jornalista aposentada, tornei-me só,  e tive problemas de adaptação a essa nova fase, embora continuando a morar no mesmo local, por mais de 40 anos, no encantado bairro do Bixiga.

Mal comecei o meu processo de adaptação,  o mundo foi assolado pela terrível pandemia do vírus mortal que ceifa vidas preciosas e leva o medo a todos os lares.

Precavida, iniciei meu distanciamento social, com o necessário confinamento. Não tendo parentes mais, contudo, sofri por precisar manter a devida distância de amigos, a maioria também da terceira idade, e igualmente confinados.

Acompanhei diariamente, durante quatro meses, a terrível situação de uma querida amiga vítima da infecção, que permanecia em UTI especial, e que até hoje, milagrosamente salva, lúcida, ainda passa, em casa, por sessões diárias de fisioterapia, para recuperar totalmente os movimentos depois de permanecer por tanto tempo imobilizada, em coma induzido. Levada pela fé, confiei em sua cura e ainda adquiri nova amiga na pessoa de uma de suas irmãs, a qual me dava notícias da paciente todos os dias, e com quem trocava mensagens de encorajamento.

Assim, resisto bravamente durante tanto tempo a me deixar abater diante de tantas notícias tristes, tantos lutos, tantas decisões equivocadas, tantas “pavonices”, tantas brigas inúteis, tantas demonstrações de incompetência!

Nisso me foi de grande valia a descoberta da CBN, onde pude contar com uma grande equipe de profissionais dedicados, apaixonados pelo fazer jornalístico, pela exposição da verdade, tão deturpada nesses tempos de pandemia, onde a par de grande número de pessoas com atitudes heroicas, somos obrigados a conviver também com uma grande leva de seres ditos humanos, mas sem um mínimo de empatia para com seus semelhantes!

E la nave va!…

Amaryllis Schloenbach é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. E a narração de Mílton Jung. Conte você mais um capítulo da nossa cidade, envie seu texto para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outras histórias assine o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo: o recado que recebi na garrafa espatifada no chão

Suely Schraner

Ouvinte da CBN

Foto de Markus Spiske no Pexels

Vírus e governo rindo na nossa cara.

Tempo governado por ansiedades. Incertezas. Sufoco do acaso. 

Nem é mais 2020. 2021 nem é. 

Que seja pelo menos de travessia para afetos coletivos sem egoísmo exclusivista. 

Engaiolados estamos. Pandemia infinita. 

Máscaras e Distanciamento. A nossa vacina por ora. 

Calor humano intermediado por fibra ótica. 

Encontros  e abraços apertados,  adiados. 

Pensamentos fragmentados. Afagos sonhados.

A distância mais longa percorrida até então: a calçada do portão de minha casa.

Na manhã ensolarada, uma garrafa de vinho espatifada dentro da garagem.

Algumas formigas ébrias rodopiavam no que restava do líquido. 

Será que jogaram a garrafa no calar da noite e não ouvi? 

Aí o telefone tocou. O amigo presente do outro lado da linha explicou:

Tentou deixar um vinho de presente, na noite anterior. Não quis tocar, respeitando o distanciamento. Pegou uma cordinha no carro e amarrou a garrafa. Cuidadosamente passou-a por cima das grades e foi descendo. O nó se desfez e plaft. Lá se foi o néctar dos deuses. O caminho de Baco definitivamente interrompido.

Ele não se deu por vencido. Comprou outro e retornou no dia seguinte. Dessa vez, tocou a campainha e mantendo o distanciamento entregou o presente. 

Amizades e afetos, um elixir para todas as dores. 

São Paulo cíclica, rogai por nós.

Suely Schraner é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. contesuahistoria@cbn.com.br é o nosso e-mail. Escreva para cá e ouça outros capítulos da nossa cidade no meu blog miltonjung.com.br e no podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo: a casa 147 dos Vedolins

Ieda Vedolin

Ouvinte da CBN

Hospedaria dos Imigrantes, SP, reprodução Wikipedia

Essa história, começa com a mensagem que recebi de Eduardo Vedolin, meu sobrinho, que durante a pandemia pesquisou como foi a imigração da família:

“O Ano de 1886 foi de muito luto nas famílias daquela cidade — Campo de San Martino, região do Veneto. Devido as más condições de vida da época deve ter tido alguma doença que atingiu a todos. — ou causada pela desnutrição ou por uma peste contagiosa. Foi quando houve maior número de mortes registradas na cidade, vitimando pessoas de todas as idades. 

A casa 147, onde moravam os Vedolins, foi testemunha disso. Em menos de um mês, três pessoas morreram: a Elisabetta, então com 20 anos, a pequena Matilde, com apenas dois, e a mãe, Angela, com 55. A casa tinha sete moradores, passou a ter apenas quatro no fim de 1886. E, em breve, teria cinco, pois a Catarina já estava grávida do Emílio, mas ele não chegaria a morar nem por um ano nela.

Provavelmente isso motivou o casal Osvaldo e Catarina a buscar novas condições de vida, fora daquele lugar. E deixaram a casa 147 em fevereiro de 1888, com destino ao porto de Genova. Embarcaram no vapor Ila de Lozana para Santos, chegando em 19 de março do mesmo ano”

No emaranhado de nomes e datas que se seguiram a mensagem de Eduardo, relembramos nossa história. Meus pais, avós de Eduardo, Wilma Thomé e Attilio Vedolin, foram namorados de infância que acabaram por se casar, tendo seus pais e avós partido da Itália em direção ao Brasil no fim do século 19. A primeira parada de todos foi na Hospedaria dos Imigrantes, na Mooca. Nos relato, tivemos passagem pelo Belenzinho, pela Vila Operária Maria Zélia, pelo Brás e seus casarões que serviram de lar aos Schiavo e Thomé. 

Neste inicio de século 21, dentro de nossas casas, voltamos ao passado de nossos ancestrais. Imaginamos os medos diante do desconhecido, fomos tocados pela esperança de uma vida melhor, e encontramos histórias de coragem e esperança. 

Ieda Vedolin é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A narração da carta foi uma gentileza do cônsul da Italia Fillipo La Rosa. A sonorização é do Cláudio Antonio. Para conhecer outras histórias da nossa cidade, visite meu blog miltonjung.com.br e assine o podcast do Conte Sua História de São Paulo

Conte Sua História de São Paulo: passei a vida confinada em uma agência bancária

Por Marlene Bicudo

Ouvinte da CBN

Foto de Anete Lusina from Pexels

Em 1977, fiz concurso público e iniciei minha carreira bancária. Na época, tinha de anotar manualmente, nas fichas individuais de cada cliente, os débitos dos valores dos cheques descontados no caixa. Tudo atualizado diariamente na parte da manhã.

Após poucos anos, chegaram os computadores, os disquetes, os sistemas, as planilhas —— motivos para muitos não tão jovens bancários se aposentarem. Havia medo da máquina, da nossa capacidade de domá-la, sem quebrar nada ou apagar coisas importantes. Naquele tempo, ouvi pela primeira vez de um técnico de informática que um dia trabalharíamos todos de casa. Foi desacreditado por nós.

Em 2020, com a pandemia instalada, trabalhei diretamente de casa atendendo meus clientes em todas as suas necessidades. Vimos que o homem se supera quando é desafiado.

Embora estejamos tendo dias difíceis, de medo pela perda da nossa saúde e dos entes queridos, sinto-me satisfeita por todas as oportunidades que tive dentro de casa, curtindo meus filhos já adultos, aproveitando minha sacada e sua paisagem de flores e pássaros. Ouvindo novos sons do meu bairro. Sons que sempre estiveram ali, mas nunca os havia registrado.

Sinto-me mais solidária com as pessoas. E percebi com a revisão da vida, que passei a maior parte da minha dentro de uma agência bancária. 

A despeito do que este ano tenha feito com a gente, sempre sou grata por aquilo que me acontece.

Marlene Ayres Bicudo é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Conte você também mais um capítulo da nossa cidade. Escreva para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outras capítulos, visite o meu blog miltonjung.com.br e assine o podcast do Conte Sua História de São Paulo

Conte Sua História de SP: formas de se criar vínculos, na pandemia

José Augusto Rocha

Ouvinte da CBN

Foto de Charlotte May no Pexels

Foram 280 dias de uma gestação que teve início em 20 de março de 2020 com o fechamento das escolas e órgãos estaduais, em São Paulo. Foi difícil se adaptar, em especial com o teletrabalho: sou professor da rede pública e mediador judicial voluntário no Cejusc, na Barra Funda —- é o centro judiciário de solução de conflitos e cidadania que ajuda as pessoas a entrarem em consenso.

A frase mais recorrente aqui em casa: “vai sair? Use a máscara!”.  Assim foi em todas as minhas escapadas do isolamento. Até para chegar no portão, estava paramentado. O mais engraçado foi o dia em que tive de ir ao banco, com máscara, luva, álcool gel e tudo mais a que tinha direito. No caixa eletrônico a surpresa: é preciso usar a digital —- e para tal, tirar a luva. Foi quando percebi a paranoia que estávamos entrando; cheguei a rir da situação.

Foi pela tecnologia que conheci outras pessoas e fiz amizades. As redes sociais amenizaram o isolamento. Em paralelo ao teletrabalho, aproveitei para ler, estudar, ouvir música e meditar. Cozinhar também me ajudou no equilíbrio psíquico e em cultivar o bom humor.

O mais triste foi à morte em vida que observo desde quando saí pela primeira vez à rua. Estamos distantes uns dos outros, mal nos cumprimentamos ou nos olhamos. Gestos de amabilidade foram censurados. Passamos bem longe do desconhecido, e ainda mais longe se for um conhecido sem máscara. 

É preciso, sim, muito cuidado, mas há formas de se criar vínculos. Um aceno de mão, um bom dia, um por favor, um muito obrigado —- mesmo que abafado pela máscara. Aos que estão longe, uma mensagem no WhatsApp, no perfil do Instagram …. Pegue o telefone, ligue!  Envie flores, cartões, músicas, poesias e orações. Como diz o mantra Baba Nam Kevalam:

Tudo é expressão do amor. 

José Augusto da Silva Rocha é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva seu texto para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, viste o meu blog miltonjung.com.br e assine o podcast do Conte Sua História de São Paulo

Conte Sua História de São Paulo: joguei pelo Brasil no ginásio do Ibirapuera

Márcia Perecin

Ouvinte da CBN

Foi no 10 de outubro de 1954 que nasci em uma maternidade na Lapa, de um casal apaixonado, unidos pelo destino, —- um do interior do estado e outro de Santa Catarina. Primogênita de seis lembro-me de ouvir falar na Rua Major Sertório, que deve ter sido um lugar importante para meus pais.  Após a segunda filha, meu pai nos levou a todos para Piracicaba.

Voltamos à capital em uma desesperada necessidade. São Paulo acolheu algumas das minhas irmãs, quando minha mãe se viu obrigada a nos deixar sob os cuidados de uma parente, abençoada, da Congregação das Irmãs Paulinas, hoje Santa Paulina, na Av. Nazareth. Uma foi para creche no Jabaquara. Eu fui para Ourinhos, com dois anos e meio; e outra para Avaré. Crescemos todas fortes e voltamos para Piracicaba.

Em 1972, fui convidada a jogar basquete por São Bernardo. Quando então começou minha andança na capital.

Conheci o ginásio na Vila Mariana, fiquei alojada no Baby Barioni, sempre que convocada para as seleções paulista e brasileira. Joguei pelo Brasil no ginásio do Ibirapuera, esse que agora querem destruir. Fiz corrida de revezamento no autódromo de Interlagos. 

Veterana passei por São Paulo jogando e dirigido equipes de várias cidades . A cada vinda para cá, destinos desconhecidos me aguardavam. Por Santo André fui até o SESI A.E.Carvalho, em Artur Alvim; e mesmo não sendo corintiana, me emocionei a primeira vez que vi a Arena de perto.

Nem só de esporte foram feitos os meus caminhos. Na Paulista, linda, visitei a Livraria Cultura, a Casa das Rosas. No Teatro Alfa, assisti a Billy Elliot; no Credicard Hall, Carmina Burana; no Revista, Ópera do Malandro; no Teatro Municipal, deslumbrante, O Cavaleiro da Rosa, nos transportando a outras épocas e nos fazendo sonhar com um mundo melhor, sem medos e com muito amor.

Márcia Perecin é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva o seu texto para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite meu blog miltonjung.com.br e assine o podcast do Conte Sua História de São Paulo.