Coluna publicada na revista Épocas São Paulo, edição de março, que está nas bancas:
Um amontoado de casebres, construído de forma irregular com puxadinhos para os lados e para o alto, sempre me chamava atenção quando passava pela Avenida Roberto Marinho, no Brooklin. Até 2009, ali existia a favela do Jardim Edith, vizinha às obras estaiada – novidade que, mesmo suntuosa, não atraía meu olhar como as cons- truções populares. Eu ficava impressionado com a arquitetura local, feita de improvisação e audácia, adaptada à fal- ta de espaço para se expandir pelo terreno (já cercado de prédios e interesses imobiliários). Algumas casas ganhavam um ou dois andares com uma rapidez incrível. Quando menos esperava, mais um cômodo havia sido concluído. Como se mantinham em pé aquelas habitações mambembes? Tanto me intrigava que procurei engenheiros da prefeitura e, com surpresa, descobri que haviam sido realizados ensaios que com- provavam a segurança das obras. Problema, mesmo, era a ausência de área de escape. Em caso de incêndio ou desmoronamento, não havia para onde correr.
Lembrei-me dos “prédios” do Jardim Edith ao acompanhar, em fevereiro, a sequência de que- das de edifícios no Rio de Janeiro e em São Bernardo do Campo, ambos construções antigas e consolidadas, nas quais morreram 20 pessoas (18 no Rio e duas no ABC). Especialistas especularam sobre o que teria causado as tragédias. Nos jornais, reformas malfeitas são apontadas como as principais suspeitas, o que só poderá ser comprovado após a conclusão da perícia téc- nica. Seja como for, a probabilidade de barracos despencarem sempre foi muito maior do que a de qualquer prédio construído com alvará. Mesmo assim, nunca tive notícia de que uma das 400 famílias que viviam no Jardim Edith tenha perdido um parente devido a um desmoronamento.
A política de conveniência que pauta a administração de Gilberto Kassab (PSD) o levou a defender, agora, uma lei que obriga a vistoria, a cada cinco anos, em edifícios com mais de 500 metros quadrados. Em 2009, ele mesmo vetara projeto do vereador Do- mingos Dissei (PSD), alegando que interferiria no trabalho do Departamento de Controle e Uso de Imóveis (Contru). Após as quedas de fevereiro, Kassab pede para que os vereadores derrubem seu veto e mandem a conta de mais uma burocracia para os cidadãos – sem qualquer garantia de que isso impedirá, em São Paulo, acidentes como os do Rio e São Bernardo.
“Kassab tem de se preocupar com a estrutura das escolas, e não dos prédios”, ouvi de Seu Venceslau, companheiro de pastel no sacolão perto de casa. “É lá que a casa está caindo”, disse, sem notar o tro- cadilho. Tens razão, amigo Venceslau! De cada 10 alunos da rede pública paulistana, apenas três sabem razoavelmente mate- mática, diz relatório do Movimento Todos Pela Educação. Talvez por não saber fazer contas, mais de 60% dos estudantes que entram em engenharia na USP desistem do curso. Resultado: no Brasil, apenas 10% dos formandos são engenheiros, enquanto esse índice chega a 40% em países mais avançados. Como faltam engenheiros, contratamos mestres de obra para reformar nossas casas; e, no lugar do mestre de obras, pedreiros – que sabem mais por hábito do que pela técnica. Na falta de conhecimento, partimos para o improviso, o jeitinho brasilei- ro, que funcionou enquanto éramos só Terceiro Mundo. À medida que o Brasil cresce, como os puxadinhos, tem se tornado um desastre.


