Mundo Corporativo: para Juliana Rios, da Latam, estratégia digital mudou a jornada do passageiro

Juliana Rios nos bastidores da entrevista online Foto: Prisicila Gubiotti CBN

“É muito importante manter uma missão clara e a gente buscava sempre com objetivos grandes? Então, a gente aspira ao 100%.”

Juliana Rios, Latam

A experiência de voo deixou de ser comparada apenas entre companhias aéreas e passou a disputar atenção com qualquer serviço digital que cabe no celular do passageiro. Foi a partir dessa percepção que a Latam Airlines decidiu redesenhar processos, reorganizar dados e usar inteligência artificial para mudar a relação com o cliente. Este foi o tema do Mundo Corportivo que entrevistou Juliana Rios, CIO da Latam Airlines.

Juliana lidera a área de tecnologia, dados e transformação digital do grupo. Ela conta que o ponto de partida foi reconhecer que o passageiro leva para a experiência aérea o padrão de usabilidade que encontra em outros serviços do dia a dia. “O desafio de trazer a tecnologia, na verdade, tinha que ter uma grande motivação. E a motivação que a gente usou é a experiência do cliente”, afirma. Segundo ela, “o cliente, quando vive a experiência aérea, ele não tem só a comparação com um concorrente ou uma outra aerolínia. Ele tem experiência digital que ele vive no dia a dia”.

A pergunta que passou a orientar a companhia foi direta: “Como é que a gente repensa a tecnologia e usa tecnologia no setor aéreo, na nossa companhia, para entregar uma melhor experiência ao cliente?” A resposta não veio de um novo sistema isolado, e sim de uma mudança de modo de operar.

Cliente no centro, tecnologia ao lado

Na avaliação de Juliana, transformação digital é, antes de tudo, um movimento cultural. “A primeira coisa pra gente falar sobre tecnologia, sobre transformação digital, é que na verdade é um movimento muito mais cultural, muito mais associado à maneira como se opera do que à tecnologia em si”, resume.

A Latam trabalha num setor altamente regulamentado, com processos e sistemas antigos que precisam conviver com novas ferramentas. A tecnologia disponível para empresas nativas digitais é, em essência, a mesma à qual a companhia aérea tem acesso. A diferença está no uso.

A mudança começou quando a empresa revisou passo a passo a jornada do cliente: “desde que você começa a pensar numa viagem, que você vem buscar opções de para onde voar, começa a entender preços, começa a entender o que fazer nessa viagem”; e passou a montar equipes que juntam quem entende de mercado, marketing e comportamento do cliente com quem desenvolve tecnologia.

Um dos objetivos estratégicos foi dar autonomia ao passageiro para resolver tudo pelo celular. “A gente tinha de dar a condição para que 100% do que um passageiro tenha necessidade de interagir ao longo da experiência de viagem, ele pudesse fazer desde o seu bolso – como a geste costuma dizer –, desde o telefone na sua mão.”

O resultado aparece nas métricas. A Latam acompanha o Net Promoter Score (NPS) da experiência digital – indicador de recomendação da marca em escala de 0 a 10. “O score que a gente tinha na época que a gente começou era um score de 20 pontos de NPS, para você ter uma ideia. Hoje em dia, a gente já ultrapassou a barreira do 70”, relata Juliana. Segundo ela, essa evolução está ligada ao fato de a experiência digital estar “cada vez mais completa”, com mais serviços disponíveis e mais autonomia para o cliente administrar a viagem e lidar até com imprevistos.

Do aplicativo à pista: dados em toda a operação

A virada exigiu, primeiro, arrumar a casa dos dados. “O primeiro desafio que a gente teve quando a gente começou em 2019 era um desafio de ter melhor acesso a dados”, conta a executiva. Era preciso organizar informações de códigos de reserva, tarifas, assentos marcados, programas de fidelidade e histórico de viagens para, no futuro, simplificar o acesso a tudo isso e até prever necessidades do cliente.

Com essa base, o uso de inteligência artificial ganhou tração. Um exemplo é o check-in, que passou a ser cada vez mais automatizado. Outro está no contact center. “A gente tinha uma capacidade de identificação de 10% dos passageiros”, lembra Juliana. “Hoje a gente consegue identificar 90% dos passageiros só de receber a chamada.”

Quando o passageiro liga, o atendente passa a ter na tela o histórico recente: se há voo em andamento ou programado, se existe reclamação em aberto ou dúvida não resolvida. “Tudo isso já aparece na frente do agente do contact center e esse agente com isso consegue imediatamente dar um melhor serviço”, explica. O efeito é redução do tempo da chamada e atendimento mais eficiente.

A inteligência artificial também foi aplicada ao monitoramento de filas e da operação em solo, em parceria com o aeroporto de Guarulhos. Câmeras permitem acompanhar o tamanho das filas de check-in, a necessidade de distribuir melhor equipes e abrir mais balcões, além de registrar dados para planejamento futuro. “A gente consegue usar não somente no momento como depois”, diz Juliana.

Nas áreas de apoio à operação, as câmeras ajudam a acompanhar a movimentação dos aviões na área externa ao terminal: se o abastecimento de combustível começou, se o caminhão de catering já chegou, se a limpeza foi finalizada. “Tudo isso a gente hoje em dia consegue através de uso de câmeras, conectados aos sistemas operacionais, levantar os flags e fazer também as validações de que o processo já avançou”, detalha. Não é necessário um equipamento sofisticado: “Não tem que ser câmeras muito sofisticadas. A tecnologia com câmeras simples, na verdade, a tecnologia que existe hoje em dia disponível, ela consegue capturar. O que você precisa é treinar um modelo que seja capaz de capturar essa imagem e traduzi-la em eventos.”

IA com cuidado em frente ao cliente

Quando o assunto é inteligência artificial diretamente na interação com o passageiro, Juliana adota cautela. “A gente está sendo muito cuidadoso de colocar a inteligência artificial nos processos em frente ao cliente”, afirma. Ela lembra que sistemas mal treinados ou mal modelados podem “sinalizar” errado e comprometer a experiência.

Por isso, a prioridade tem sido garantir que a IA acesse dados e documentos que representem adequadamente a Latam. Internamente, o uso já é intenso. Externamente, a empresa iniciou pilotos em outros países, com a perspectiva de levar esse tipo de interação para o aplicativo da companhia.

A executiva acredita que haverá avanço também na capacidade de diferenciar, pelo tom e pelo contexto, situações em que o passageiro prefere falar com uma pessoa. “A gente sabe, a gente tem identificado, em alguns casos, a gente consegue entender qual é o tom. Dependendo do tom e da situação ou de algumas casuísticas, a gente deriva diretamente a uma pessoa”, explica. Para ela, “a graça da tecnologia é você aprender. É a tecnologia aprender e você aprender com tempo para ter essa condição que a gente estava falando de ir melhorando essa experiência com tempo”.

Da área de negócios ao comando da transformação

A jornada profissional de Juliana também passa por uma mudança de rota. Foram cerca de 20 anos no mercado financeiro antes de chegar à Latam. Em 2019, ela assume a área de tecnologia, depois de ter construído carreira em marketing, serviços, segmentação e estratégia.

“Foi difícil sair dos meus 20 anos de carreira no mercado financeiro, no primeiro momento tomar essa decisão, para ir para um mundo totalmente diferente, que tinha desafios completamente distintos”, recorda. “Eu sempre fui, como a gente costuma falar, sempre fui do negócio.”

Ela conta que encarou a transição com curiosidade e descreve o papel que assumiu como o de tradutora. “O grande aprendizado para mim tem sido ser uma boa tradutora. Porque a tecnologia, ela muitas vezes tem dificuldade de se aproximar do problema”, diz. A tarefa, na visão dela, é aprender “a se apaixonar pelo problema, não pela solução”, já que a possibilidade de melhoria é constante.

Quatro pilares para a transformação digital

Da experiência acumulada na Latam, Juliana destaca quatro pontos como essenciais para qualquer empresa que queira avançar na transformação digital:

  1. Ambição e aspiração claras – “Ter uma ambição, ter uma aspiração, porque isso resulta depois em elemento estratégico.” É partir de um alinhamento sobre o que a empresa busca e para que existe.
  2. Modelo operativo integrado – É difícil falar em adoção de tecnologia se ela não está “sentada à mesa ao lado das pessoas que estão pensando na experiência, que estão pensando nos processos”. Na área que lidera, Juliana conta que deixou de trabalhar com metas específicas de tecnologia e passou a mobilizar a equipe pelas métricas de negócio, como resultado financeiro e satisfação do cliente.
  3. Talento e fluência digital – Há funções altamente técnicas, que exigem conhecimento especializado, e, ao mesmo tempo, a necessidade de elevar a fluência digital de toda a organização. “Num ambiente onde todo mundo entende de tecnologia, é muito mais fácil avançar com uma agenda e construir uma experiência digital”, afirma.
  4. Acesso a ferramentas adequadas – Ter boas tecnologias e plataformas que permitam construir e avançar mais rápido completa o conjunto.

Para Juliana, distribuir a tecnologia por toda a companhia é decisivo. “A Latam é uma companhia que no Brasil tem 20 mil funcionários e a gente falava: ‘Imagine o poder que teria se todos os funcionários tivessem a capacidade de uso de tecnologia no seu dia a dia’.” A estratégia, segundo ela, é fazer com que a tecnologia ajude as pessoas a “desfrutem mais do seu trabalho”, automatizando tarefas menos desejadas e liberando tempo para atividades de maior valor.

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O Mundo Corporativo pode ser assistido, ao vivo, às quartas-feiras, 11 horas da manhã pelo canal da CBN no YouTube. O programa vai ao ar aos sábados, no Jornal da CBN e aos domingos, às 10 da noite, em horário alternativo. Você pode ouvir, também, em podcast. Colaboram com o Mundo Corporativo: Carlos Grecco, Rafael Furugen, Débora Gonçalves, Priscila Gubiotti e Letícia Valente.

Mundo Corporativo: Renata Muramoto, da Deloitte, alerta para as barreiras da transformação digital

Renata Muramoto no estúdio de podcast da CBN Foto: Priscila Gubiotti

“As empresas não podem fazer digital. Elas precisam ser digitais.”
Renata Muramoto Deloitte

Transformar uma companhia não significa apenas adotar ferramentas tecnológicas. A mudança é mais profunda: passa por estratégia, cultura e pessoas. Esse foi o ponto central da conversa com Renata Muramoto, sócia-líder de consultoria da Deloitte no Brasil, no programa Mundo Corporativo.

Para ela, o primeiro passo está em responder à pergunta fundamental: “qual é a razão de ser da empresa?”. Só a partir daí é possível definir como a tecnologia vai servir melhor ao cliente, trazer eficiência e até contribuir para a sustentabilidade do negócio. “A tecnologia tem que permear a estratégia das organizações. Isso precisa acontecer de forma tão natural que você nem perceba que ela está ali.”

O desafio cultural

Mesmo com a rápida evolução tecnológica, muitas empresas não conseguem acompanhar esse ritmo. Muramoto explica que “a principal barreira não é a tecnologia, é cultural.” Segundo ela, a liderança já está convencida sobre a importância da transformação digital, mas a média gerência e os profissionais formados em estruturas muito especializadas ainda enfrentam dificuldades.

A executiva lembra que o avanço das máquinas não elimina o papel das pessoas. Pelo contrário: “A tecnologia vai substituir tarefas operacionais e analíticas, mas o ser humano será cada vez mais responsável por criar, inovar e transformar.”

Competências do futuro

O impacto também se reflete no perfil dos profissionais. “Para o futuro, é muito importante resiliência, agilidade e pensamento crítico”, afirma Muramoto. O uso intensivo da tecnologia, segundo ela, pode levar à acomodação, reduzindo a criatividade e a capacidade de análise. Por isso, destaca a necessidade de manter o estudo contínuo e de valorizar a experiência prática.

“Você tem muita tecnologia disponível para estudar, mas não pode ignorar o conhecimento que vem das interações. É preciso ouvir mais do que falar, porque isso faz com que você aprenda muito mais.”

Ao olhar para os próximos cinco anos, Muramoto acredita que a transformação será ainda mais disruptiva, com a entrada de novos competidores em setores tradicionais. “Não será apenas a empresa de hotel que vai mudar a hotelaria ou a de mobilidade que vai transformar o transporte. São empresas de tecnologia que assumem esse papel.”

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ECA Digital: o dilema entre a boa intenção e a ineficiência normativa

Por Beatriz Haikal

Photo by Tracy Le Blanc on Pexels.com

O recente avanço, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei nº 2.628/22, apelidado “ECA Digital”, é um marco na discussão sobre a proteção de menores na internet. Não há como negar a nobreza do objetivo: criar um ambiente online seguro para crianças e adolescentes é um imperativo de nossa era digital. No entanto, a boa intenção, sozinha, não é suficiente para fazer uma boa lei. Uma análise técnica do texto revela graves lacunas que, se sancionadas da forma como estão, podem criar mais problemas do que soluções.

O principal vício do projeto reside no excesso de abstrações. A forma como o PL foi construída revela um padrão preocupante: soluções simplistas e pouca atenção às realidades técnicas, operacionais e econômicas. Um exemplo flagrante é a introdução do conceito de “acesso provável” para determinar as obrigações das plataformas. Amplo e vago, este termo pode abarcar praticamente qualquer produto ou serviço digital que, ainda que não destinado a menores, possa eventualmente atrair sua atenção. Isso não cria proteção; cria um risco regulatório considerável, que pode resultar em insegurança jurídica, custos elevados de compliance e, em alguns casos, o afastamento de players internacionais do mercado brasileiro.

Outro ponto crítico é a proibição genérica de técnicas de perfilamento e análise de dados. Ao eliminar a possibilidade de usos positivos, o PL peca por excesso de zelo e compromete a inovação. No afã de proibir riscos potenciais, o legislador pode acabar inviabilizando mecanismos concretos de proteção que dependem justamente da tecnologia para identificar predadores, comportamentos de risco como cyberbullying e até mesmo casos de automutilação.

As exigências para redes sociais, como a vinculação de contas a responsáveis e a verificação de idade por “meios confiáveis”, carecem de parâmetros técnicos claros e de uma análise de proporcionalidade. Sem padrões mínimos definidos em regulamento, o risco é criar um mosaico de soluções improvisadas e potencialmente invasivas. O prazo de um ano para adaptação desconsidera a complexidade operacional de grandes plataformas e o impacto econômico devastador sobre pequenas e médias empresas.

O projeto atual, infelizmente, cai em uma contradição comum: a vontade de proteger grupos vulneráveis se converte em um texto normativo excessivamente rígido, pouco técnico e, no limite, contraproducente. O Congresso, mais uma vez, parece repetir o ciclo de normas bem-intencionadas, mas de difícil aplicação prática. Uma lei não pode ser refém de slogans legislativos; precisa enfrentar a complexidade do tema com rigor técnico e visão de futuro. Antes de virar lei, o ECA Digital precisa de amadurecimento, sob o risco de falhar em sua missão mais essencial que é proteger de verdade crianças e adolescentes.

Beatriz Haikal é sócia da área de Proteção de Dados & Inteligência Artificial do BBL Advogados.

Mundo Corporativo: “Liderança não é protagonismo”, diz Rafael Mayrink, da NP Digital


“Liderança não pode se colocar como protagonista. Ela precisa ser um guia, ajudar, auxiliar.”

Rafael Mayrink, NP Digital

O sucesso das empresas hoje vai além das competências técnicas e depende, sobretudo, da maneira como as pessoas se comportam, se relacionam e aplicam a tecnologia a seu favor. Este é o alerta de Rafael Mayrink, CEO da NP Digital Brasil, que participou do programa Mundo Corporativo para discutir a importância das habilidades comportamentais, o papel transformador da liderança e o impacto crescente da inteligência artificial no ambiente corporativo.

Ao longo da conversa, Mayrink destacou que “a pessoa precisa ler, ser curiosa, correr atrás, aprender mais sobre tecnologia e inteligência artificial para que ela use isso ao seu favor”. Para ele, o pensamento crítico se torna indispensável em um contexto em que as decisões precisam ser constantemente revisadas e alinhadas ao verdadeiro objetivo do cliente ou do projeto. “Se eu não tiver senso crítico para entender, perguntar e conhecer quem está do outro lado, não vou conseguir entregar o que realmente é necessário”, afirmou.

Treinar comportamento desde cedo

Mayrink defendeu que as competências comportamentais não nascem prontas e podem — e devem — ser desenvolvidas desde a infância. “Soft skills têm que estar lá na escola, desde o momento em que a criança começa a formar frases”, explicou. Segundo ele, é nesse processo que se aprende a falar em público, ouvir com atenção, lidar com frustrações e desenvolver empatia.

Ao falar sobre liderança, o executivo enfatizou que o líder precisa abrir espaço para os outros, ouvir ativamente e atuar como um orientador. “Nem sempre a liderança tem razão, mas por ter mais experiência, vai saber ouvir e guiar as pessoas para resolverem seus próprios problemas”, pontuou.

Inteligência artificial e o novo marketing

A tecnologia e a inteligência artificial já estão profundamente integradas ao marketing digital, e Mayrink apontou que isso exige um novo olhar sobre as funções e as relações de trabalho. “A inteligência artificial vem para aumentar produtividade, dar mais tempo e permitir que as pessoas desenvolvam outras habilidades”, comentou. Ele alertou, porém, que as mudanças exigem adaptação contínua e capacidade de aprender novas funções.

No encerramento, Mayrink aconselhou os jovens profissionais a ampliarem o repertório: “Faça algo fora do seu dia a dia. Aprenda um instrumento, pratique um esporte, explore novas experiências. Isso ajuda a desenvolver criatividade e habilidades de comunicação, fundamentais para qualquer carreira.”

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Relacionamentos na era da Inteligência Artificial: o que ainda é humano?

Pamela Magalhães

Psicóloga e Especialista em Relacionamentos

Foto de Pavel Danilyuk

Vivemos uma revolução silenciosa, que até recentemente parecia invisível, mas que agora se revela em cada mensagem respondida, música composta, imagem gerada ou conversa simulada por inteligência artificial. Em meio a tanta eficiência tecnológica, um novo dilema emocional surge: como preservar nossa autenticidade em tempos em que até as emoções podem ser imitadas?

Diferenciar o que é real do que é simulado se torna cada vez mais desafiador — e necessário. Uma pesquisa realizada com mais de 3,5 mil pessoas pela World no Brasil – uma rede da empresa Tools for Humanity que busca ajudar a diferenciar humanos de robôs e inteligências artificias – reflete esse contexto. Mais de 66% dos pesquisados se sentem preocupados quanto à possibilidade de encontrar bots ou perfis falsos em apps de relacionamento e 72% dos entrevistados disseram que já suspeitaram ou descobriram que algum de seus matches poderia ser um robô ou uma IA.

A IA não sente, mas simula sentir. Isso tem confundido a nossa percepção:

– Se um texto nos emociona, mesmo sendo criado por uma máquina, o sentimento é real?

– Se um avatar fala tudo o que queremos ouvir, isso basta?

Essa mistura entre o que é gerado artificialmente e o que vem de um ser humano está provocando um novo tipo de crise: a crise da identificação.

Começamos a nos perguntar:

– Isso foi feito por uma pessoa ou por uma IA?

– Essa emoção é verdadeira ou programada?

E nos relacionamentos?

Essa confusão não afeta apenas a forma como consumimos conteúdo — impacta diretamente a maneira como nos relacionamos. No mundo dos filtros, dos chats automatizados e das respostas perfeitas, começa a faltar espaço para o erro, a dúvida, o silêncio, a pausa, o imprevisto — ou seja, para o humano.

Relacionar-se de forma autêntica exige vulnerabilidade, mobiliza nossas emoções e, justamente nesse impasse, no emaranhado das sensações, é que nos conectamos e nos vinculamos realmente. Ainda assim, cada vez mais, estamos trocando essa vulnerabilidade por versões otimizadas de nós mesmos — versões editadas, práticas, seguras, agradáveis.

Estamos tentando ser o que “funciona”, não quem realmente somos.

O curioso disso tudo é que as ferramentas da IA otimizam e muito diversas atividades, encurtam etapas, nos poupam tempo e viabilizam caminhos. Mas quando o assunto é relacionamento entre humanos, a dinâmica natural das trocas fomenta o processo e é justamente nele que construímos pontes sólidas de interação, que nutrem nossos corações com o que mais necessitamos: amor.

Reconhecer, o quanto antes, se estamos nos comunicando com uma máquina ou um ser humano torna-se indispensável para nossa segurança. É preciso garantir que não estamos confiando o que temos de mais precioso — nossos sentimentos — a um robô que não sente e nunca foi o que se diz ser.

É preciso cultivar a autenticidade:

1.Reivindique o seu sentir

Não terceirize sua experiência à máquina. Sentir confusão, dúvida ou até tédio é humano — e essencial para amadurecer emocionalmente.

2. Exerça presença

A IA é rápida. Os vínculos reais, não. Eles exigem tempo, escuta, paciência e imperfeição. Conexão não se mede pela quantidade de interações, mas pela profundidade delas.

3. Questione a idealização

O relacionamento perfeito não existe. Buscar respostas exatas para emoções complexas é algo que nem mesmo a melhor tecnologia pode oferecer.

4. Seja curioso sobre si mesmo

A autenticidade nasce do autoconhecimento. Quem é você sem os filtros? O que te move, te toca, te paralisa? Cultive o olhar interno.

No fim das contas…

Talvez a grande pergunta da era da IA não seja o que é real ou irreal, mas sim: O que ainda é verdade para mim, mesmo em meio ao artificial?

A autenticidade, nesse cenário, é um ato de coragem. É escolher sentir, errar, experimentar e construir conexões reais, ainda que imperfeitas. Nenhum algoritmo, por mais avançado que seja, será capaz de substituir o impacto de uma presença viva, de um olhar que compreende ou de uma escuta que acolhe.

E você? Já se perguntou se está se relacionando com alguém — ou apenas com uma projeção que parece segura, mas não sente nada?

Caminhos para um futuro mais confiável

Neste novo mundo, em que as fronteiras entre humano e máquina se confundem, tecnologias como a que a World oferece surgem como uma tentativa de restaurar a confiança digital. A proposta é ousada: uma credencial digital pioneira baseada em prova de humanidade, permitindo que redes sociais e plataformas verifiquem se você está interagindo com uma pessoa real, e não com uma IA.

Esse tipo de solução ainda levanta debates importantes, mas já indica que a sociedade busca formas de reconhecer e valorizar o humano — não apenas no toque, no olhar ou na escuta, mas também nos espaços digitais, onde, cada vez mais, vivemos, amamos e nos relacionamos.

Pensar, ponderar, falar e pesquisar mais sobre o assunto pode ser justamente a forma de não nos tornarmos reféns da IA, mas termos o melhor dela.

Pamela Magalhães é psicóloga (CRP:06/88376) e especialista em relacionamentos.

Mundo Corporativo: André Carneiro, da Sophos, alerta para vulnerabilidade digital das empresas brasileiras

André Carneiro no estúdio de podcast da CBN Foto: Priscila Gubiotti CBN

“Quem não monitora a empresa 24 horas por 7 dias, está vulnerável a tomar um ataque.”

André Carneiro, Sophos

O Brasil lidera a classificação global de empresas que mais pagam resgate após sofrerem ataques cibernéticos. Um dado que revela não apenas a fragilidade dos sistemas de segurança corporativa, mas também uma cultura de reação tardia frente ao avanço do crime digital. O alerta é do diretor geral da Sophos no Brasil, André Carneiro, convidado do programa Mundo Corporativo.

Durante a entrevista, Carneiro apontou que 58% das empresas brasileiras atacadas nos últimos anos optaram por pagar o resgate exigido por criminosos virtuais. “Quando uma empresa toma um ataque, ela fica 1, 2, 30 dias sem operar. Isso leva ao desespero do board executivo, que acaba pagando”, afirmou. A consequência direta desse comportamento é o estímulo a novos ataques. “O criminoso percebe que, se atacar aqui, tem boa chance de retorno financeiro.”

Segurança negligenciada

Segundo Carneiro, muitas empresas ainda tratam segurança como gasto, e não como parte do negócio. “Imagina um time de futebol. Ele quer ter muito atacante, mas não está nem aí para quem vai catar no gol”, comparou. O resultado são organizações com sistemas frágeis, expostas a invasões que usam desde e-mails com links maliciosos até a exploração de falhas em firewalls.

Carneiro também criticou a falta de transparência no Brasil quando o assunto são incidentes de segurança. “O brasileiro não gosta de admitir que foi atacado. Nos Estados Unidos, por exemplo, há uma cultura de reportar falhas para aprender com elas.”

Prevenção e cultura digital

Para o especialista, a conscientização começa antes mesmo do ambiente corporativo. “Quisera eu que um dia as escolas ensinassem o que é clicar num link incorreto e o quanto isso pode prejudicar uma pessoa ou empresa.” Além da educação digital, ele destaca a importância de monitoramento constante com uso de inteligência artificial e ferramentas que antecipem os movimentos dos atacantes.

“Hoje, o crime virtual é mais lucrativo que o tráfico de drogas. O cybercrime já movimenta valores maiores que o PIB de muitos países”, afirmou Carneiro, ao destacar a sofisticação e globalização desses grupos, muitos deles baseados na deep web, com estrutura empresarial e atuação descentralizada.

Mesmo diante de casos extremos, pagar o resgate não é garantia de solução. “Já vi empresa pagar dois milhões, e depois o criminoso pedir mais dois. E se a empresa não pagar? O prejuízo dobra.”

Assista ao Mundo Corporativo


O Mundo Corporativo pode ser assistido, ao vivo, às quartas-feiras, 11 horas da manhã pelo canal da CBN no YouTube. O programa vai ao ar aos sábados, no Jornal da CBN e aos domingos, às 10 da noite, em horário alternativo. Você pode ouvir, também, em podcast. Colaboram com o Mundo Corporativo: Carlos Grecco, Rafael Furugen, Débora Gonçalves e Letícia Valente.

Robôs em alta, CEOs em baixa e o Brasil mal consegue ler o manual

Receber um bilhete com instruções simples ou calcular o troco de uma compra é um desafio para 29% dos brasileiros. Essa parcela da população, mesmo sabendo ler, não compreende frases mais longas, não interpreta textos, nem resolve problemas básicos de matemática. O dado, que informei hoje cedo no Jornal da CBN, a partir de reportagem do UOL Educação, mostra que o analfabetismo funcional permanece estagnado no Brasil desde 2018. Pior: só 1 em cada 4 brasileiros tem habilidades digitais consideradas elevadas.

Essas estatísticas preocupam diante do futuro do mercado de trabalho, que talvez chegue antes de estarmos preparados. E não virá com o aviso de “última chamada” para quem ainda não se alfabetizou digitalmente ou sequer consegue navegar com desenvoltura em um texto.

Tem emprego para robôs

Por uma dessas coincidências propositalmente provocadas pelos editores — jornalista é para essas coisas —, os dados do Indicador de Analfabetismo Funcional antecediam duas outras notícias na newsletter Espresso. Uma delas, originalmente publicada no Axios e com complemento no Business Insider, mostrava que o cenário industrial aponta para uma transformação já em curso: robôs humanoides e máquinas inteligentes estão assumindo tarefas antes feitas por pessoas — da montagem de peças à inspeção de qualidade em linhas de produção. Não pedem aumento, não entram em férias, não exigem plano de saúde. A economia para empresas é tão atrativa que, segundo estimativas, só no setor automobilístico a mão de obra automatizada pode gerar uma economia de até US$ 100 por carro.

Até 2030, cerca de 20 milhões de empregos industriais devem ser substituídos por robôs. E até 2050, o mundo poderá conviver com 1 bilhão de robôs em operação — a maioria dentro de fábricas. Essa mudança é inevitável. Mas não necessariamente é ruim para quem estiver pronto para comandar as máquinas, em vez de ser por elas substituído. Se você tem medo de ser trocado por um robô, talvez devesse começar a pensar em como se tornar o chefe dele. Tem vaga!

O cargo mais desejado está vago

Enquanto postos operacionais desaparecem, algo curioso acontece no topo da hierarquia corporativa — e esse era o tema da outra reportagem que me chamou atenção no Espresso: há vagas sobrando para o cargo de CEO. De acordo com o Wall Street Journal, em 2024, um número recorde de 2.220 executivos-chefes deixaram seus postos em empresas americanas com mais de 25 funcionários. Entre as empresas de capital aberto, foram 373 renúncias — 24% a mais que no ano anterior.

Os motivos vão além da remuneração. Mesmo com salários médios de US$ 16 milhões ao ano, muitos líderes decidiram trocar a sala de reuniões pelo tempo com a família, descanso ou, simplesmente, saúde mental. A pressão das mudanças pós-pandemia, o avanço da inteligência artificial, novas demandas por diversidade e o risco constante de exposição pública fizeram do cargo dos sonhos um lugar evitado até por quem chegou lá.

O curioso é que essa debandada não tem sido acompanhada por uma fila de sucessores prontos. Profissionais mais jovens, especialmente da Geração Z, não compartilham a ambição de escalar a pirâmide corporativa. Arrisco pensar que os velhos executivos e os novos profissionais fogem daquele que é o maior desafio dos líderes modernos: gerenciar seres humanos e suas idiossincrasias. Isso abre uma lacuna real e simbólica: os robôs sobem nas engrenagens da produção; os humanos descem — ou saem da fila antes de chegar.

O Brasil tropeça no alfabeto

É nesse ponto que voltamos ao Brasil, onde quase três em cada dez adultos não têm domínio suficiente de leitura e matemática para lidar com exigências básicas da vida cotidiana; onde apenas 6 em cada 10 universitários conseguem compreender textos complexos; onde a pandemia agravou ainda mais o distanciamento entre o discurso de inovação e a realidade da educação básica; e onde apenas um quarto da população é capaz de usar com desenvoltura ferramentas digitais — um pré-requisito elementar para ocupar os cargos que restarão ou que surgirão.

Enquanto, nos Estados Unidos, empresas tentam encontrar alguém disposto a liderar times humanos e tecnológicos, por aqui, boa parte da população ainda precisa ser equipada com o básico para se manter no jogo.

Antes de sonhar com o comando, leia o manual

O futuro do trabalho não é um conceito abstrato. Ele está nos robôs invisíveis das fábricas, nas renúncias silenciosas dos líderes, nos formulários que muitos brasileiros não conseguem preencher. Preparar-se para ele exige mais do que cursos de liderança ou promessas de inovação. Exige, antes, enfrentar o analfabetismo funcional — e dar às pessoas as ferramentas básicas para escrever seu próprio destino no mercado.

Porque, se o mundo caminha para ser liderado por quem entende de gente e saiba administrar algoritmos e máquinas, é melhor estar entre aqueles que mandam — e não entre os que apenas assistem, sem conseguir entender a legenda.

Mundo Corporativo: para Luiz Alberto Ferla, do Dot Digital Group, a educação digital é uma aceleradora de pessoas

Foto: Priscila Gubiotti/CBN

“Precisamos acelerar as pessoas também para que elas se desenvolvam e estejam preparadas para todas essas transformações.”

Luiz Alberto Ferla, Dot Digial Group

A educação corporativa está passando por uma revolução tecnológica sem precedentes. Com a ascensão de novas ferramentas digitais, como inteligência artificial e realidade aumentada, empresas estão transformando a maneira como capacitam seus colaboradores. Segundo Luiz Alberto Ferla, CEO e fundador do Dot Digital Group, “o aprendizado ao longo de toda a vida é a palavra-chave do mundo corporativo hoje”. Essa abordagem, conhecida como lifelong learning, é essencial para que profissionais acompanhem as rápidas mudanças tecnológicas e permaneçam competitivos no mercado. O tema foi destaque na entrevista concedida ao programa Mundo Corporativo, da CBN.

Educação como estratégia de transformação

Ferla destacou que o propósito do Dot Digital Group vai além da capacitação técnica: “Nós transformamos a vida das pessoas por meio da educação. Esse é o nosso propósito”. A empresa, que já capacitou milhões de brasileiros, utiliza tecnologias como vídeos interativos, podcasts, realidade virtual e cursos via WhatsApp para tornar o aprendizado mais acessível e dinâmico. “Hoje, 98% dos brasileiros acessam o WhatsApp. Isso nos permite levar conhecimento a qualquer lugar”, explicou.

Outro ponto abordado foi a personalização dos conteúdos educacionais. Segundo Ferla, “as empresas querem soluções desenhadas especificamente para suas necessidades”. Essa customização garante maior eficácia no treinamento dos colaboradores e contribui diretamente para a competitividade das organizações.

O impacto da inteligência artificial

A inteligência artificial (IA) na educação corporativa está acelerando o desenvolvimento de conteúdos e permitindo maior personalização no aprendizado: “Essa é a maior revolução que estamos vivendo desde o advento da internet”, diz Ferla. Ele também ressaltou que a tecnologia não deve ser vista como uma ameaça aos empregos, mas sim como uma oportunidade de crescimento: “O risco não é a inteligência artificial, mas perder espaço para quem sabe usá-la”.

Para Ferla, o futuro da educação está cada vez mais ligado à integração entre tecnologia e aprendizado contínuo. Ele acredita que ferramentas como computação quântica irão potencializar ainda mais essa transformação nos próximos anos.

Ouça o Mundo Corporativo

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Inteligência artificial não é fonte primária no jornalismo

Foto de Rahul Pandit

Se ainda havia dúvidas sobre os riscos de confiar cegamente na inteligência artificial para produzir notícias, um estudo da BBC tratou de dissipá-las. Ao testar quatro dos principais assistentes de IA – ChatGPT (OpenAI), Copilot (Microsoft), Gemini (Google) e Perplexity – a rede britânica identificou problemas em 51% das respostas geradas. Mais alarmante ainda, 13% das respostas mencionavam a própria BBC de forma errada ou simplesmente inventavam informações.

O alerta, trazido pelos meus colegas Leonardo Stamillo e Leandro Motta na newsletter Cartograma, não significa que a IA deve ser descartada pelos jornalistas. Pelo contrário, a questão central é saber como usá-la sem comprometer a credibilidade do nosso trabalho.

O Pulitzer Center propõe um critério simples:

  • Se a tarefa exige alta precisão e será consumida pelo público, o uso de IA deve ser cauteloso.
  • Se o conteúdo gerado será usado internamente, como análise de grandes volumes de dados, a tecnologia pode ser uma grande aliada.

A inteligência artificial não é inimiga do jornalismo, mas também não pode ser sua fonte primária de informação. Seu maior potencial está na automatização de tarefas mecânicas, na organização de grandes bases de dados e até na sugestão de pautas. Pode ajudar a redigir esboços de textos, revisar gramática e otimizar títulos para SEO. Mas a apuração, a contextualização e o olhar crítico seguem sendo prerrogativas exclusivamente humanas.

Se há uma lição nesse debate, é que não podemos tratar a IA com ingenuidade, mas também não devemos temê-la. O problema não é a ferramenta, mas como a utilizamos. A história do jornalismo está repleta de inovações tecnológicas que, inicialmente, causaram desconfiança. O rádio, a televisão e a internet foram recebidos com ceticismo e, hoje, são indissociáveis da prática jornalística. A IA, ao que tudo indica, seguirá o mesmo caminho.

A tecnologia avança, e o compromisso com a informação de qualidade permanece. E, para isso, o jornalista deve manter a postura que aprendeu desde seus primórdios: desconfiar, questionar, desenvolver olhar crítico e apurar a verdade. Assim como fazemos com as melhores fontes de informação, devemos agir, também, diante da IA.

Mundo Corporativo: Walter Longo nos ajuda a pensar sobre a IA e o futuro das relações humanas

Walter Longo no estúdio da CBN Foto: Priscila Gubiotti/CBN

“Nós achamos que estamos livres em opinião, mas na verdade estamos cada vez mais fechados em nós mesmos.”

Walter Longo, especialista em inovação

Presente no seu WhatsApp, embarcada no celular novo e em diversos serviços do cotidiano, a inteligência artificial já nos transformou — embora muitos ainda não compreendam o impacto. Desde 30 de novembro de 2022, quando a OpenAI lançou sua IA generativa, essa tecnologia vem sendo explorada e multiplicada em ritmo acelerado. 

Para entender como essa mudança molda nossa interação com as pessoas, as empresas e as máquinas, o Mundo Corporativo foi em busca de alguém que tem feito profundas reflexões sobre este cenário: Walter Longo, especialista em inovação e transformação digital. Na entrevista, Longo nos convida a olhar além do potencial técnico da IA e nos desafia a utilizar essa tecnologia para resgatar uma parte essencial da humanidade.

Exteligência: a nova habilidade essencial

Walter Longo observa que, em um cenário de transformação digital acelerada, a capacidade de se integrar em rede, ou exteligência, tornou-se mais importante que a inteligência individual. “A grande missão de um líder é analisar não a inteligência do meu comandado, mas a exteligência dele”, explica. Para ele, a metáfora do “cinto de utilidades” do Batman captura bem essa nova realidade: a tecnologia, por meio de algoritmos e ferramentas digitais, oferece a cada profissional recursos para maximizar suas capacidades.

A tecnologia, segundo Longo, tanto substitui atividades repetitivas como nos devolve o recurso mais precioso: o tempo. Ele ressalta, no entanto, que essa liberdade implica uma nova responsabilidade: “O que você vai fazer com este tempo é uma decisão individual”. Com isso, Longo sugere que essa liberdade conquistada deve ser usada com propósito, equilibrando produtividade e tempo para atividades que nos enriquecem.

O vocabulário como ponte para interagir com a IA

Para Walter Longo, interagir de forma eficaz com a IA depende de um vocabulário rico e preciso. A qualidade das respostas, explica ele, depende da clareza e profundidade com que formulamos nossas perguntas. “A IA só nos devolve o que pedimos. Ter um vocabulário vasto e variado é fundamental para obter dela o melhor suporte.” Longo exemplifica essa precisão com a diferença entre “enfrentar”, “afrontar” e “confrontar” — palavras tratadas como sinônimos, mas com nuances distintas. Outros exemplos incluem “obsessão”, “compulsão” e “possessão”, três estados muitas vezes confundidos. “Esses detalhes do vocabulário melhoram a interação com a IA, garantindo que ela compreenda exatamente o que queremos, sem ambiguidades”, destaca.

Ele recomenda a leitura diária como exercício essencial para aprimorar o vocabulário e expandir o repertório linguístico. “Leia ao menos uma hora por dia; é um hábito que amplia seu vocabulário e treina a mente para reconhecer variações e significados.” Esse hábito, segundo Longo, permite que as pessoas aprimorem a comunicação com máquinas e também enriqueçam o diálogo com outros seres humanos. Ele argumenta que a leitura é uma prática necessária para a evolução da inteligência humana, especialmente em uma época em que a tecnologia avança rapidamente e nos exige adaptação.

A armadilha dos algoritmos

Longo alerta também para o risco de isolamento imposto pelas recomendações de algoritmos. Ele observa que esses sistemas limitam a pluralidade de opiniões ao exibir conteúdos com os quais já concordamos, reduzindo nosso contato com o contraditório e enfraquecendo o senso crítico. “Achamos que estamos livres em opinião, mas estamos cada vez mais fechados em nós mesmos.” Segundo ele, essa ilusão de “liberdade” reforça uma bolha de conveniência que nos afasta de desafios intelectuais.

Além disso, Longo ressalta o impacto da “gratificação instantânea” que caracteriza a era digital, transformando consumidores e colaboradores. Essa busca por recompensas imediatas revela uma aversão ao compromisso de longo prazo. Ele exemplifica com a moda do fast fashion e outras tendências passageiras, como o fenômeno dos food trucks, que explodem e desaparecem rapidamente. “Essa visão efêmera gera uma gratificação instantânea, mas nos deixa com a sensação de que tudo é passageiro”, comenta.

Assista ao Mundo Corporativo

O Mundo Corporativo pode ser assistido, ao vivo, às quartas-feiras, 11 horas da manhã pelo canal da CBN no YouTube. O programa vai ao ar aos sábados, no Jornal da CBN e aos domingos, às 10 da noite, em horário alternativo. Você pode ouvir, também, em podcast. Colaboram com o Mundo Corporativo: Carlos Grecco, Rafael Furugen, Débora Gonçalves, Letícia Valente e Priscila Gubiotti.