Impactos no Brasil do afrouxamento da regulamentação da IA nos EUA

Pedro Capello

Photo by Markus Spiske on Pexels.com

A recente revogação, pelo governo norte-americano, de um decreto do ex-presidente Joe Biden, que visava garantir o uso seguro, protegido e confiável da IA nos EUA, representa uma mudança substancial na política norte-americana, ao extinguir, em nível federal, o arcabouço regulatório que Biden havia implementado para coordenar o setor de IA. Na prática, as empresas que atuam com IA podem enfrentar, agora, um cenário de incerteza regulatória, tendo em vista a possibilidade de surgirem padrões díspares tanto em âmbito estadual quanto internacional.

Sem um direcionamento federal unificado, diferentes estados e órgãos reguladores estrangeiros poderão estabelecer exigências diversas, potencializando a complexidade do compliance para organizações que desenvolvem e aplicam IA. Além disso, a falta de diretrizes uniformes pode acarretar lacunas na governança de dados, aumentando o potencial de vieses, falhas de segurança cibernética e utilização indevida de informações sensíveis.

Não obstante, empresas que adotarem padrões internos mais elevados de ética e segurança de dados, ou aquelas sediadas em países como o Brasil, que já possuem ou estão implementando legislações abrangentes para regulamentar o uso e o desenvolvimento de sistemas de IA, podem enfrentar desvantagens competitivas em relação àquelas que seguirem critérios menos rigorosos.

No âmbito nacional, em 10 de dezembro de 2024, o Congresso Nacional aprovou, no Brasil, o PL 2338/23 (“PL”), que estabelece normas gerais para o desenvolvimento e o uso ético e responsável da IA. Em contraste com a recente revogação da ordem executiva de Joe Biden nos EUA, essa legislação reforça a centralidade da pessoa humana e a proteção de direitos fundamentais como pilares de governança, além de introduzir a figura do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (“SIA”).

O PL tem como objetivo estabelecer diretrizes para a implementação de sistemas de IA seguros, confiáveis e alinhados ao respeito à privacidade, à inclusão e à não discriminação, além de prever a classificação de sistemas de alto risco e medidas como avaliações de impacto algorítmico e transparência nos processos decisórios automatizados, especialmente naqueles empregados no funcionamento de infraestruturas críticas, como controle de trânsito e redes de abastecimento de água e eletricidade.

Num cenário de rápidas transformações globais e de inovações disruptiva,s já evidenciadas nos últimos anos com a própria disseminação de ferramentas de IA, a decisão do novo governo dos Estados Unidos e a recente aprovação do PL no Brasil revelam caminhos contrastantes na abordagem regulatória da tecnologia. Enquanto o Brasil busca estabelecer um arcabouço sólido que equilibre inovação tecnológica e proteção de direitos fundamentais, a revogação norte-americana reabre o debate sobre a relação entre liberdade regulatória e os riscos éticos e sociais associados ao desenvolvimento de IA.

Esses movimentos ressaltam a importância de se refletir sobre as prioridades que cada país define em relação à inteligência artificial: como promover avanços tecnológicos sem comprometer valores éticos e democráticos? A resposta a essa pergunta moldará o impacto da IA em nossas sociedades e os desafios que teremos de enfrentar no futuro.

Pedro Capello é advogado no DSA Advogados – Donelli, Nicolai e Zenid Advogados

O retorno de Donald Trump e o perigo dos líderes tóxicos: mentiras, manipulações e um rastro de destruição

A volta de Donald Trump à Casa Branca, nessa segunda-feira, está permeada pelas incertezas e temores do que o líder populista americano fará com o poder reconquistado, nos Estados Unidos. Das certezas, a repetição de uma das marcas de seu primeiro governo, o uso da mentira como estratégia de comunicação e liderança. O comportamento de Trump na presidência foi motivo de uma série de estudos, alguns deles usei como referência no livro “Escute, expresse e fale!”, escrito com meus colegas António Sacavém, Leny Kyrillos e Thomas Brieu, pela editora Rocco.

No capítulo sobre líderes tóxicos citamos uma pesquisa que codificou quatrocentas mentiras proferidas por Trump, no primeiro mandato. Identificou-se que ele pode dizer sete vezes mais mentiras em seu benefício do que em benefício dos outros. Para ter ideia do que isso significa, as pessoas, por padrão, dizem duas vezes mais mentiras em benefício próprio do que mentiras em benefício dos outros.

De acordo com a  pesquisadora  Bella DePaulo, doutora em Harvard, apenas de 2% a 3% das mentiras contadas por pessoas comuns são cruéis, ou seja, têm o objetivo de prejudicar terceiros. No caso do presidente Trump as mentiras cruéis chegam a 50%.  Apenas 10% das mentiras de Trump são consideradas bondosas. Entre nós, “mentirosos comuns”, esse tipo de mentira chega a 25% — sim a gente também mente para o bem. Portanto, além de mentir muito, Trump mente para se beneficiar e para destruir os outros.

Um outro trabalho comparou os traços de personalidades e os estilos utilizados na campanha política por Trump, assim como os de mais 21 líderes mundiais considerados populistas. O resultado é impressionante. Mesmo quando colocado ao lado de figuras políticas narcisistas e agressivas, ele se destaca como um extremo entre os extremados. 

Conforme o psicanalista John Zinner, ex-chefe da Unidade de Estudos de Terapia Familiar do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH), em entrevista ao site Raw Story em 2020, Donald Trump é considerado perigoso por conta da fragilidade de seu senso de valor pessoal. Segundo Zinner, qualquer crítica ou demonstração de desprezo é vivenciada por Trump como uma humilhação profunda e uma ameaça à sua autoestima. Para lidar com esse vazio emocional, ele recorre ao que os especialistas chamam de “raiva narcisista”, reagindo de forma agressiva. Além disso, ele demonstra incapacidade de assumir responsabilidade por erros ou falhas, preferindo culpar terceiros e atacar aqueles que considera responsáveis por sua humilhação. 

No livro “Escute, expresse e fale!”, Trump ilustrou o capítulo dos líderes tóxicos em que explicamos também porque as pessoas seguem esses profissionais que persistem a frente de algumas organizações. Chamamos atenção para a forma como manipulam seus colaboradores, seduzem os colegas e forjam resultados imediatos, sem compromisso com o futuro. Encerramos o capítulo com um alerta que permanece atual: líderes tóxicos podem conquistar admiradores e alcançar resultados momentâneos, mas deixam um rastro de destruição que compromete instituições, relações e a confiança necessária para construir um futuro sustentável.

Conheça a versão ampliada e revisada de “Escute, expresse e fale!”, publicado pela editora Rocco.

CBN Sustentabilidade: uma conversa sobre a urgência climática e o protagonismo brasileiro na sustentabilidade

No estúdio do CBN Sustentabilidade em Belém Foto: Caroline Papazian/CBN

O voo atrasou como têm atrasado os voos no Brasil, assim como o calor me acolheu como acolhe a todos os que chegam em Belém. Na minha ida a capital do Pará, há cerca de uma semana, a novidade  eram as máquinas e homens em placas publicitárias e em canteiros de obras, esboço do que a cidade pretende apresentar na COP 30, no ano que vem. Fui a convite da CBN que me propôs apresentar uma edição especial do CBN Sustentabilidade, programa que tem minha colega e amiga Rosana Jatobá como titular.

O caro e cada vez mais raro leitor deste blog sabe que me sinto mais confortável diante do noticiário factual do Jornal a CBN e das discussões estratégicas do Mundo Corporativo. Embora o foco em sustentabilidade tenha me levado a um território diferente dos meus programas habituais, posso dizer agora que a transição foi natural.  A pauta ambiental faz parte tanto do noticiário do dia — especialmente em meio a tragédias e emergências climáticas — quanto das conversas estratégicas com líderes de empresas, onde a sustentabilidade assume um papel cada vez mais determinante.

O programa teve como pano de fundo a Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias, uma das muitas prévias dos debates que a COP 30 — que será realizada em Belém — levará ao cenário global. Isabela Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, e Raul Jungmann, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), foram os meus entrevistados, recebidos em um estúdio de podcast, cercado de vidros, que chamava atenção dos conferencistas que se deslocavam de um painel e outro de discussão.  

Experientes, Isabela e Jungmann trouxeram perspectivas que resumem o momento delicado e ao mesmo tempo promissor que vivemos. Segundo a ex-ministra, a vitória de líderes com visões opostas à pauta ambiental, como Donald Trump, é um desafio, mas também uma oportunidade para realinhamentos geopolíticos. O Brasil, sendo um dos poucos países capazes de oferecer alternativas econômicas que não dependem de combustíveis fósseis, assume um papel estratégico em fóruns internacionais como o G20, que começa semana que vem no Rio. Esse cenário coloca o país na vanguarda de um movimento global que olha a natureza como uma aliada essencial no desenvolvimento econômico e na preservação ambiental.

Raul Jungmann, por sua vez, reforçou que a sustentabilidade não é apenas uma pauta dos ambientalistas, mas uma questão de sobrevivência econômica e social. Ele destacou a importância de definir um preço para o carbono como forma de inibir as energias fósseis e de financiar uma transição para uma economia limpa. A Amazônia, neste contexto, é central não apenas por sua biodiversidade, mas por representar um modelo de desenvolvimento sustentável que o Brasil ainda precisa consolidar. Segundo Jungmann, essa transição exige um projeto robusto para a região, que inclua emprego e renda para os 29 milhões de brasileiros que vivem ali, muitos em condições de extrema vulnerabilidade.

Belém, ao se tornar sede da COP 30, representa simbolicamente a “COP da Floresta”, ou, como os próprios convidados enfatizaram, a “COP da Esperança”. É o momento em que o Brasil pode liderar um movimento global, mostrando que é possível alinhar desenvolvimento econômico e proteção ambiental. Isabela Teixeira ressaltou que, enquanto avançamos lentamente em políticas incrementais, a crise climática já está em um “elevador”, movendo-se rápido e exigindo respostas mais eficazes e globais.

Com isso, saí deste programa especial com uma visão ainda mais clara de que a sustentabilidade precisa deixar de ser uma agenda à parte para se tornar parte integrante de todas as esferas do debate público e privado, com impacto profundo no futuro do Brasil e do planeta.

Assista ao CBN Sustentabilidade

Na entrevista com Isabela Teixeira e Raul Jungmann falamos da importância do setor privado na garantia de que as pautas ambientais sejam permanentes e fortalecidas; dos cuidados a serem adotados para que se realize uma transição energética sustentável no Brasil; e das expectativas de avanços na COP 30. O CBN Sustentabilidade teve as participações de Carlos Grecco, Priscila Gubiotti e Renato Barcellos.

A Democracia venceu nos EUA; vencerá no Brasil?

Mike Pence e Nancy Pelosi, em foto: POOL / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP/ CBN
Mike Pence e Nancy Pelosi, em foto: POOL / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP/ CBN

 

Havia uma sensação de ressaca que me anuviava os olhos quando acordei nesta quinta-feira. Nem mesmo o céu pintado com nuvens vermelhas do sol de verão, que acorda cedo aqui em São Paulo, tornava o cenário mais claro. A imagem e a mente estavam ofuscadas pela barbárie e ignorância que os Estados Unidos proporcionaram ao Mundo ao longo do dia de ontem, desde que o grupo de alucinados, sob o comando de Donald Trump, iniciou a subida nas escadarias do Capitólio —- alguns preferiram arrombar janelas e portas secundárias. Quando fui dormir era tarde, e pouco se sabia como a primeira e mais longeva Democracia da Era Morderna resistiria aos ataques.

Prestes a entrar no ar na CBN, pouco depois das 5 e meia, chegou a informação que tornaria o horizonte mais amplo nessa manhã: a sessão do Congresso, que havia sido retomada, após a expulsão dos antidemocratas, acabara de certificar a vitória de Joe Biden à presidência. Ou seja, senadores e deputados respeitaram o voto do cidadão. Provavelmente estávamos noticiando naquele instante o resultado mais importante de todas as sessões de certificações já realizadas desde a posse de George Washington, em 1789. 

Como saberíamos pouco depois, na conversa com Walter Fanganiello, em Justiça e Cidadania, a certificação é um dos rituais mais tradicionais da democracia americana. Uma formalidade que tem simbolismo histórico. James Madison, um dos pais da federação e o maior nome da Constituição dos Estados Unidos, de 1787, assinalou na época que “a ratificação do resultado eleitoral pelo Parlamento era uma forma de chamada à unidade nacional” —- enfatizou meu colega. Embora soubesse que as 13 colônias britânicas, fundadas em 1607 e 1682, estivessem amadurecidas e expressassem o sentimento de nação democrática, entendeu por bem Madison comprometer todos os representantes dos estados federados —— deputados e senadores —- evitando qualquer tentativa de cisão.

Trump buscou desconstruir a história americana ao incentivar seus seguidores a interromperem pela força um ritual democrático e dividiu o país. Não respeitou esse ritual, assim como jamais respeitou os próprios valores que levaram à construção dos Estados Unidos da América. Ao longo dos quatro anos de mandato interferiu nas instituições, contaminou a independência de poderes, colocou a nação de costas aos interesses multilaterais e com palavras e atos buscou corroer os sistemas político e eleitoral, questionando sua legitimidade a partir de mentiras que ele próprio patrocinava.

E palavra de presidente tem uma força extraordinária, alertou o ex-embaixador Rubens Barbosa, que por cinco anos representou o Brasil em Washington, em entrevista ao Jornal da CBN. Sem que Trump tivesse incitado seus apoiadores a invadir o Capitólio, não teria havido o que o embaixador chamou de “insurreição” e “ataque sem precedentes à democracia”. Diplomata nos gestos e no comportamento, Barbosa preferiu não admitir que a lição a ser aprendida fosse um recado ao presidente Jair Bolsonaro, mesmo que as descrições que tenha feito de movimentos de intolerância e desrespeito que se reproduzem em outras partes do Mundo nos remetessem a imagem do “Trump Mequetrefe” que temos aqui no Brasil.

Na conversa diária com Miriam Leitão, o recado foi mais explícito. Nossa comentarista chamou atenção para a necessidade de fortalecermos a democracia brasileira, impedindo que os atos ocorridos nos Estados Unidos se repitam por aqui, em 2022.  Trump e Bolsonaro “são do mesmo DNA: governos de direita extrema populista e líderes que desprezam as regras democráticas”, disse Miriam. É uma gente —- e aí sou eu que estou dizendo —- predisposta a golpes institucionais, mesmo que todas as vezes que são expostos a essa verdade e ao escrutínio da justiça ou do jornalismo profissional se revelem covardes.

A manhã não havia se encerrado e o presidente Jair Bolsonaro — que parece ter assistido com prazer e sadismo às cenas no Capitólio, que resultaram na morte de quatro pessoas —-, com suas palavras, voltava a ameaçar a democracia brasileira, em uma retórica que vem construindo desde que foi eleito: “se não tivermos voto impresso em 2022, vamos ter problema pior dos que os Estados Unidos”. O discurso é mambembe, porque é desprovido de lógica e provas, mas tem capacidade de mobilizar sua turba —- como já havia feito diante de um quartel àqueles que pediam um golpe militar ou em direção aos que cercaram e explodiram fogos contra a sede do STF. Nas duas situações, vozes e instituições protegeram nossa democracia, e o presidente recuou. 

A “Democracia não foi interrompida nos Estados Unidos”, a despeito do esforço de Trump e sua turba, observou Pedro Doria, em outra das conversas de primeira que tive a oportunidade de participar durante o programa matinal. O fato é que se mesmo em um país no qual o regime democrático está estabelecido há mais de 200 anos, ainda existam forças internas capazes de ameaçá-la, devemos estar alertas para os sinais emitidos por grupos e milícias que atuam em países como o Brasil, onde a democracia é intermitente. Para protegê-la, temos de responder aos atos antidemocráticos com mais democracia, fortalecendo as instituições, o livre direto do cidadão se expressar e, por consequência, a liberdade de imprensa, que se exerce com veículos de comunicação independentes e jornalismo profissional.

Tecnologia e campanha eleitoral: o que está por vir?

Por Valentina Buccoliero

Imagem de filme Great Hack

 

Texto original publicado em inglês no site Liberty.

Notícias falsas, bolhas ideológicas, anúncios direcionados. Há chances de que, desde 2016, você provavelmente tenha ouvido um ou mais desses termos usados em discussões sobre mídia social e política. Desde então, a ligação entre a mídia social e a política só se aprofundou. A tecnologia, em suas diversas formas, sempre fez parte das campanhas eleitorais. Da mídia impressa à televisão e agora à internet e smartphones, os candidatos em cada ciclo eleitoral dão mais importância ao uso da tecnologia para divulgar sua mensagem aos eleitores.

O uso mal sucedido, mas visionário, de Howard Dean da internet em sua campanha presidencial de 2004 prenunciou a importância da web e abriu caminho para sucessos futuros no mundo online, como a campanha de Obama em 2008. No entanto, 2016 nos mostrou que o novo garoto de ouro da propaganda política são as mídias sociais. Desde então, plataformas como Facebook, Instagram e Twitter desempenharam um grande papel não apenas na eleição americana de 2016, mas nos processos de votação em todo o mundo.

Então, como a campanha eleitoral de 2020 se diferenciou da última?

Tecnologias atualizadas

Os avanços tecnológicos ocorrem em uma taxa exponencial; as tecnologias usadas no último ciclo eleitoral podem se tornar arcaicas na próxima. Em 2020, as principais estratégias utilizadas foram construídas com base nas inovações de 2016, como microssegmentação em mídias sociais e uso de Big Data. Por exemplo, à luz das deficiências em 2016, o Comitê Nacional Democrata criou o Democratic Data Exchange (DDX), que supostamente reuniu mais de 1 bilhão de pontos de dados. Esta eleição também mostrou aplicativos de candidatos avançando em direção à coleta de dados, como o aplicativo de Donald Trump coletando informações sobre os contatos do usuário, localização e Bluetooth. Finalmente, novos aplicativos, como a plataforma de compartilhamento de vídeo TikTok também desempenharam um papel não trivial na eleição e desencadearam o debate público sobre certas questões. À medida que os pesquisadores continuam investigando a área, mais estratégias usadas por ambas as campanhas provavelmente serão divulgadas nos meses seguintes à eleição.

Auto-regulação da plataforma: novos tempos, novas regras

As plataformas de mídia social têm, desde o início, operado principalmente por meio de autorregulação. Embora alguns países, como a Alemanha, tenham implementado suas próprias políticas em relação ao conteúdo de mídia social, os Estados Unidos ainda não introduziram nenhum regulamento específico, especialmente em relação às eleições. No entanto, à luz do debate pós-2016 sobre a desinformação, os gigantes da mídia social endureceram suas próprias políticas sobre o conteúdo eleitoral. Do Twitter proibindo anúncios políticos em outubro de 2019 às políticas atualizadas do Facebook para o dia das eleições, houve uma mudança notável nas plataformas que aceitaram seu papel no processo democrático. A implementação dessas novas medidas não é apenas uma reação à opinião pública sobre o assunto, que tornou-se cada vez mais crítica, mas também uma resposta a algumas demandas do mercado. Por exemplo, a campanha global “Stop Hate for Profit” uniu mais de 1.000 marcas, entre as quais gigantes da indústria como Coca-Cola e Ford, para boicotar os anúncios do Facebook na esperança de impulsionar mudanças nos padrões da comunidade que está na plataforma. Com alguns especialistas entendendo que as medidas promulgadas foram “um pouco tarde demais”, os efeitos totais de ações como rotular a desinformação e limitar os anúncios políticos na corrida para as eleições, não serão compreendidos até depois da eleição e análises adicionais.

Pandemia Covid-19: o catalisador digital

Com o mundo paralisado (conforme medidas de bloqueio em todo o país foram postas em prática), o uso da Internet aumentou rapidamente quase da noite para o dia. Com o método tradicional de campanha porta-a-porta e grandes comícios interrompidos, a tecnologia tomou a dianteira conforme a maior parte das campanhas se tornava digital. Trump estava em vantagem, ostentando cerca de 87,7 milhões de seguidores no Twitter e 31 milhões no Facebook. No entanto, a equipe de Joe Biden foi rápida em lançar várias campanhas com influenciadores, para atingir mais pessoas em nichos específicos. Por exemplo, Biden realizou um Facebook Live com Dulce Candy, uma grande influenciadora com um número expressivo de pais que são seus seguidores, sobre suas propostas políticas para o cuidado das crianças. A pandemia forçou as campanhas a se adaptarem rapidamente a novos modelos e será interessante ver quais estratégias permanecerão em vigor em 2024.

No geral, diagnosticar o passado é sempre mais fácil que o presente, então o impacto total das tecnologias nesta eleição é difícil de avaliar imediatamente. No entanto, conforme nosso tempo diário de tela aumenta e as tecnologias de campanha eleitoral ficam mais precisas, a crescente aliança tecnologia-política não é uma questão de se, mas de como vai ocorrer.

Valentina Buccoliero está atualmente concluindo mestrado em Política e Comunicação na LSE. Ela se juntou à Liberty para um estágio de pós-graduação, em novembro de 2020.

Liberdade de Expressão: o sigilo da fonte e o direito do cidadão em saber a verdade

“É mais fatal do que a pior gripe” foi uma das frases ouvidas pelo jornalista Bob Woodward em uma das 18 entrevistas gravadas com o presidente americano Donald Trump. Ele se referia, claro, ao novo coronavírus, que na época das conversas — esta em especial ocorreu em janeiro —- ainda era muito novo para todos nós, mas já deixava seu rastro de morte  e medo na Ásia. O mesmo Trump disse a Woodward que o vírus “era mortal”.  Está gravado.

Em público, Trump sempre negou os riscos à população, criticou seus principais assessores na área médica por serem alarmistas, afundou-se em teorias conspiratórias e desdenhou das medidas que poderiam reduzir o risco à saúde dos americanos. O comportamento do presidente foi um dos motivos que levaram os Estados Unidos a registrarem mais de 200 mil pessoas mortas e cerca de 6,8 milhões de contaminados pelo Covid-19.

A mentira de Trump foi revelada recentemente quando Woodward lançou o livro Rage (A Fúria), o segundo que escreve sobre o atual presidente. Ele é craque nessa jornada que se iniciou nas descobertas que fez no caso Watergate, ao lado de Carls Bernstein, nos anos 1970. Com acesso à Casa Branca como poucos outros jornalistas já tiveram, ao longo do tempo Woodward especializou-se em contar a história dos presidentes americanos, com respeito e sem bajulação — o que não impediu de ser criticado mesmo por colegas, que viram em algumas descrições reverência além do necessário para determinados líderes políticos.

Agora também é alvo de críticas. Nem tanto pela revelação que fez, mas por somente tê-la feito agora. Se tivesse levado a público as palavras de Trump assim que o presidente iniciou seu mantra negacionista, imagina-se, mortes teriam sido evitadas.

Inspirado por esse debate, hoje, no Jornal da CBN, discutimos no quadro Liberdade de Expressão o direito de o jornalista preservar informações e suas fontes, mesmo que isso coloque em risco a vida de pessoas. Participaram, Pedro Doria, jornalista, editor do Canal Meio e nosso colega no quadro Vida Digital, e Roberto Romano, professor titular aposentado de Ética e Filosofia da Unicamp. 

Ambos entendem o respeito que se deve ter ao sigilo da fonte, mas discordam do grau deste sigilo.

Doria defende a estratégia de Woodward e traz um argumento jornalístico. Havia um acordo entre o profissional e sua fonte, no caso o presidente Donald Trump. Sem esse acordo, o presidente não falaria ou não falaria tudo que falou.

‘O repórter faz um acordo com o entrevistado e cumpre esse acordo’, defende Pedro Doria.

Romano diz que o sigilo é uma garantia do trabalho jornalístico. Se esta informação põe em risco a segurança das pessoas passa a ser de interesse público: 

‘O compromisso do jornalista não é com a sua fonte apenas. Ele tem um compromisso com o público, com o coletivo, com os homens que nele confiam’

Se para Romano, Woodward não tinha motivos de respeitar um acordo com alguém que não respeita a profissão jornalística; para Doria, a maior arma que se pode ter contra quem é contra a Democracia é mais Democracia e a divulgação dos fatos às vésperas da eleição terá mais efeito sobre a reeleição de Trump do que se fosse feita na época da gravação.

O debate foi rico nos argumentos e levanta questões que não são restritas ao campo do jornalismo. Interessa à sociedade como um todo, por isso, recomendo que você ouça o Liberdade de Expressão e desenvolva a sua própria visão crítica sobre o tema:

Palavras do presidente têm efeito mais letal sobre a vida humana do que videogames

 

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Cena de CSGO (gamerview.com.br)

 

Donald Trump adora um videogame. Especialmente se for para transformá-lo em bode expiatório. Sem nunca ter saído do palanque, segue com seu discurso de ódio, ataca minorias e desrespeita o contraditório. Nos atos e nas omissões, incentiva o culto às armas e critica o uso de jogos eletrônicos, como voltou a fazer nesta semana após deparar com mais dois ataques a tiros, que levaram a morte 31 pessoas, no Texas e em Ohio. Para Trump, “os videogames desumanizam as pessoas” e são parte da culpa dos tiroteios em massa.

 

O discurso de Trump está décadas atrasado. Essa discussão já foi superada, ao menos do ponto de vista da ciência. Mas como estamos vivendo uma era de ascensão dos obscurantistas —- o Brasil que o diga —-, a retórica contra os games volta a todo instante. Foi assim em março deste ano quando ficamos chocados com o assassinato de estudantes em uma escola, em Suzano, Grande São Paulo.

 

Pedro Doria, em Vida Digital, no Jornal da CBN, terça-feira, falou do assunto em seu comentário. Lembrou que a relação entre atos de violência e videogame data dos anos de 1990 com o surgimento de jogos do modelo “first-person shooter” ou “tiro em primeira pessoa” —- em que o jogador controla um personagem pelo cenário, carregando armas e lançadores de projéteis. Dois ícones desse tipo de jogo foram o Wolfenstein 3D, criado em 1992, e o Doom, em 1993 .

 

Para entender porque se começou a refletir sobre o risco desses videogames é preciso lembrar que os anos de 1990 terminaram com a primeira grande tragédia em escola. Foi o massacre que matou 12 alunos e um professor na Columbine High School, em Columbine, no estado americano do Colorado, em abril de 1999.

 

 

O debate na época foi importante como outros tantos são essenciais atualmente, afinal ainda precisamos entender muito da relação humana com os avanços tecnológicos. E a cultura do videogame já se estabelecia especialmente entre os mais jovens, no fim do século passado. No entanto, desde lá, inúmeros estudos já derrubaram a tese que se mantém na cabeça ultrapassada de gente como Trump —- e como tem gente que pensa como ele!

 

Em seu comentário, Pedro Doria lembra de dois estudos que mostram, primeiro, que jovens envolvidos em tiroteios em massa costumam estar 20% menos envolvidos com videogames do que a média das pessoas da mesma faixa etária. Ou seja, seus filhos ou suas filhas devem jogar muito mais videogame do que esses assassinos —- nem por isso são agressivos ou revelam desejo de matar o próximo.

 

Em outra pesquisa, identificou-se que os níveis de emoção, adrenalina e agressividade aumentam enquanto a pessoa está jogando —- aspectos que não permanecem por muito tempo após o jogo ser desligado. De outro lado, identificou-se que o foco total na cena durante o jogo reduz as capacidades de planejamento e organização necessárias para a realização de ataques em massa. Ou seja, nem a turma sai da frente do game disposta a matar o primeiro que aparecer nem com disposição para preparar um ataque mais tarde.

 

Pesquisadores da Alemanha, foram além e, em 2017, publicaram a primeira investigação dos efeitos de longo prazo da violência nos videogames sobre a agressividade. Os pesquisados jogaram o GTA, que está na categoria dos violentos, o The Sims 3, considerado não-violento, ou simplesmente não jogaram nada, durante dois meses —- e quem jogou, jogou por muito tempo seguido. As evidências são amplamente contrárias a tese de Donald Trump.

“Em conjunto, os resultados do presente estudo mostram que uma extensa intervenção no jogo ao longo de 2 meses não revelou quaisquer alterações específicas na agressão, empatia, competências interpessoais, impulsividade, depressão, ansiedade ou funções de controle executivo; nem em comparação com um grupo de controle ativo que jogou um videogame não violento nem com um grupo de controle passivo”

Se quiser conferir, o estudo está publicado na revista Nature

 

Trump ajudaria muito o debate contra a violência se começasse a medir o peso de suas palavras, que têm efeito mais letal sobre a vida humana do que videogames.

 

Em maio, após demonizar imigrantes ilegais e chamá-los de “bandidos” e “animais”, perguntou à plateia que o assistia em comício, na Flórida: “Como você para essas pessoas? Você não pode”. Alguém na multidão, gritou: “Atire neles”.  Trump  sorriu enquanto o público aplaudia esse absurdo. Por isso não surpreende que manifestos racistas publicados na internet, como o feito por Patrick Crusius, um dos responsáveis pelo massacre de El Paso, usem retórica semelhante a do presidente.

 

 

Mundo Corporativo: Olga Curado diz como o fenômeno Trump pode ajudar você a cuidar melhor da sua imagem

 

 

Donald Trump criou uma mensagem emocional para um grande público que não era ouvido e, principalmente, transmitiu autenticidade em seu discurso para vencer as eleições presidenciais dos Estados Unidos. A avaliação é de Olga Curado, consultora de comunicação, em entrevista ao jornalista Mílton Jung, no programa Mundo Corporativo, da rádio CBN. Além de analisar o modelo de comunicação do presidente eleito americano, Curado fala das estratégias necessárias para preservarmos nossa imagem e construirmos reputação em um cenário de forte exposição pública e influenciado pelas redes sociais.

 

Olga Curado é autora do livro “A imagem revelada – do que é feito e como construir o nosso patrimônio mais valioso”.

 

O Mundo Corporativo é apresentado ao vivo, às quartas-feiras, no site da CBN e na página da CBN no Facebook. O programa é reproduzido aos sábados, no Jornal da CBN. Colaboram com o Mundo Corporativo: Juliana Causin, Rafael Furugen e Débora Gonçalves.

A retórica de Donald Trump: exagerada, colorida e fácil, até uma criança entende

 

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Era muito cedo ainda quando analistas tentavam explicar a vitória de Donald Trump na corrida presidencial dos Estados Unidos. Dos muitos aspectos que ouvi nas entrevistas que rodaram na CBN ou circularam por outros meios e tive acesso, quero me ater a um que considero fundamental: a comunicação.

 

Há três meses, o cientista político e especialista em comunicação Martin Medhurst, da Baylor University, no Texas, já havia analisado a retórica do novo presidente americano, repetindo estudo que realiza há mais de 40 anos: “sua linguagem é muito colorida, é fácil ouvi-lo” – isso não significa, reforço eu, que tenhamos que gostar do que ele diz, mesmo porque Trump não fala para mim ou para você. Fala para o americano mediano, medíocre. E aqui não vai crítica, apenas uma constatação.

 

Trump não usa sintaxe ou pontuação regular, prefere frases curtas e vocabulário mais restrito: “até mesmo uma criança pode entender”, lembra Medhurst.

 

Passa portanto no teste da linguagem simples, desenvolvido pelo jornalista Todd Bishop do The New York Times, sobre o qual trato no livro “Comunicar para liderar” (Editora Contexto,2015), co-escrito com a fonoaudióloga Leny Kyrillos.

 

Para avaliar a qualidade do discurso, Bishop criou quatro índices:

 

  1. Índice de palavras duras – é assim considerada qualquer palavra que tiver mais de três sílabas, ou seja, todas as polissílabas. São difíceis de articular e exigem atenção muito maior do ouvinte. Quanto menos palavras duras você usar na sua fala, melhor.

  2. Índice de frases curtas – o cérebro é preguiçoso e só entende aquilo que pode assimilar rapidamente. Frases com orações subordinas, apostos e muitas conjunções só funcionam na escrita. Quanto mais curtas forem as frases mais fácil de se fazer entender.

  3. Índice de densidade léxica – indica a facilidade ou dificuldade em ler um texto.

  4. Índice de legibilidade – sugere a quantidade de anos de escolaridade que um leitor teoricamente requer para compreender o discurso.

Trump é useiro e vezeiro em utilizar essa estratégia: repete slogans como letras de música pop, martela o ouvido das pessoas até impregnar na mente delas algumas expressões como “construir paredes” e “fazer a América grande novamente”, ensina Medhurst.

 

Usa a hipérbole como estratégia de guerra. Exagera nos exemplos e grifa ideias com ênfase suficiente para entorpecer sua mente, fala de maneira dramática, sem medo de errar. Aliás, o erro é proposital. “Um pouco de hipérbole nunca dói”, escreveu no livro “A arte da negociação”, publicado aqui no Brasil pela Campus, em 1987.

 

Seus exageros ultrapassam qualquer limite da responsabilidade, pois é capaz de despejar palavras e suspeitas contra seus adversários sem perdão: por exemplo, disse que Obama poderia ser o fundador do ISIS, e colocou em dúvida a origem americana do atual presidente.

 

Acusação e difamação que, cuidadosamente, vem seguidas de expressões como “não sei bem se é isso”, “talvez”, “quem sabe” ou “é o que costumam dizer” – lembra muito aquele seu amigo que compartilha posts com denúncia, mas tenta se defender escrevendo que “não sei se é verdade, mas ….”.

 

A propósito, como comunicação é tema que há muito é estudado pelos americanos, foi de um analista ouvido pela americana CNN, na madrugada dessa quarta-feira, e lembrado por Dan Stulbach, no nossa bate-papo no Hora de Experiente, do Jornal da CBN, o paralelo traçado entre três presidentes dos Estados Unidos:

 

“JFK entendeu como ninguém a retórica da televisão, Obama a da internet e Trump a das redes sociais”.

 

Tem razão, Trump sabe como poucos fazer o discurso que “faz acontecer” nas redes: é polêmico, usa frases de efeito, cria vilões, transforma-se em vilão, agride se necessário; apaga tudo e começa de novo, como se nada tivesse dito.

 

O discurso da vitória, que ouvimos logo cedo, assim que se iniciava o Jornal da CBN, já revelava um personagem diferente do que conhecemos na campanha eleitoral. Trump falou com respeito de Hillary e chamou os Estados Unidos a se unirem, novamente. Fez o papel conciliador. Talvez já se preparando para sua nova versão: a de presidente dos Estados Unidos.

 

Diante das incertezas, fiquemos com uma frase do próprio Trump escrita no livro “Arte da Negociação”:

 

“Sempre entro num negócio esperando pelo pior. Se você espera pelo pior, o melhor virá por si mesmo”.