Avalanche Tricolor: uma vitória de virada e com direito a passeio

 

Grêmio 3 x 1 Sport
Brasileiro – Olímpico Monumental

 

 

Era meia noite e meia em Ansedonia (ITA) quando a partida do Grêmio estava começando, em Porto Alegre, e a decisão de assistir ao jogo poderia comprometer a programação de férias na manhã seguinte. Com os dias que faltam sendo contados na ponta do lápis, deixar um passeio de lado com a família nem sempre é boa escolha, principalmente quando se acorda com céu azul e o sol iluminando a costa da Toscana – que é a promessa cumprida de todos os dias neste verão italiano. Estava, porém, curioso para conferir se o bom futebol da rodada anterior, quando vencemos em Belo Horizonte, se repetiria diante da torcida e contra um time que tendia a jogar fechado, muito fechado. Não resisti e antes mesmo de os times entrarem em campo, peguei meu Ipad, fui para um canto da casa onde a internet navega mais rápido e comecei a torcida.

 

Mais uma vez éramos o dono da bola, no sentido de estar com ela nos pés muito mais do que o adversário, o que tem se repetido jogo após jogo, mas faltava criatividade para furar um bloqueio tão intenso, o que, somado ao constante risco de tomarmos um gol de contra-ataque e de cabeça, seria suficiente para estragar meu programa e provar que tinha feito uma escolha errada. Ir para o intervalo da partida em desvantagem fez minha frustração aumentar e me questionar sobre o desempenho de domingo passado. Se imaginava que poderia dormir tranquilo sem ver o segundo tempo, ledo engano. Permanecer acordado e na torcida eram obrigações naquele instante. O Grêmio precisaria de toda força e inspiração, mesmo que de outro continente, para derrubar aquele paredão construído em seu caminho.

 

Valeu a pena. E me desculpe Leandro, menino tão tímido para jogar quanto para falar, que desabrochou ao entrar e marcar dois gols, considerado por muitos o personagem da partida. Me perdoe Marcelo Moreno que parece ter acordado após o desastre de dois jogos atrás e retomou seu papel no ataque marcando gols decisivos nas últimas partidas. Me senti muito mais recompensado mesmo foi pelo que vi Elano fazer no meio de campo gremista ao usar o drible para desmontar o adversário e a inteligência para dar oportunidade a seus companheiros. O primeiro gol surgiu de um desses momentos de criatividade do recém-contratado, apesar de que na estatística não lhe caberá sequer o mérito da assistência. No terceiro, teria todo o direito de concluir a gol, pois era quem mais havia tentado marcar, a maior parte das vezes de fora da área. Mas foi inteligente e solidário ao dar sequência a mais bonita troca de passes de toda a partida e oferecer a Leandro o prazer do gol. O talento foi reconhecido pela torcida que gritou seu nome, o que não fiz apenas porque acordaria meus companheiros de viagem, e eram quase duas e meia da madrugada.

 

Agora são nove da manhã por aqui, quatro horas no Brasil, estou de café tomado, diante do cenário que a quinta-feira me prometia, e sem um pingo de sono, apesar de a partida ter se encerrado tão tarde. Ou seja, tanto tive a satisfação de confirmar que temos um novo time como terei a alegria de agora pela manhã dar seguimento aos passeios destas férias.

O Brasil de Dunga jogou futebol de verdade

Direto da Cidade do Cabo

Futebol de verdade não é aquele sonhado por muitos de nós. Em que os jogadores driblam de maneira impressionante, fazem jogadas fantásticas e gols cinematográficos, que hoje em dia costumam aparecer muito mais na publicidade do que em campo. Lá dentro do gramado, a realidade é muito mais dura, é necessário dar de bico para espantar o perigo, suar a camisa para impedir que o adversário chegue até sua área, romper barreiras formadas por brutamontes para alcançar o gol, agarrar a camisa, o calção, às vezes a própria bola. Se houver possibilidade, faz-se o lance genial, o que é cada vez mais raro, haja vista o que ocorreu nas 28 partidas disputadas nesta Copa da África até o Brasil entrar em campo para enfrentar a Costa do Marfim.

Era o jogo mais difícil desta chave, alertavam os críticos. A melhor seleção do continente africano tinha ainda a presença de Drogba, considerado por alguns o melhor atacante do mundo. A marcação forte, a velocidade de todos seus jogadores e a categoria de alguns são elementos temidos por seus adversários. Além disso, o futebol da estreia brasileira, mesmo que eficiente e equilibrado, ainda gerava dúvidas.

Hoje, a seleção de Dunga mostrou que não será apenas mais uma convidada nesta Copa. É protagonista do jogo mais impressionante até aqui, pois além da dedicação necessária para encarar as estratégias defensivas e físicas impostas no futebol moderno, o Brasil mostrou talento. Foi muito além do time de abnegados do primeiro jogo.

O confronto entre Brasil e Costa do Marfim teve todos os ingredientes de um jogo de futebol. Jogadores se movimentando com rapidez e sendo acompanhados por uma troca de passe interessante como a que resultou no primeiro e terceiro gols brasileiros. Talento individual e categoria como no segundo, marcado por dois chapéus no adversário. E a sagacidade que resultou no único gol marfinês, de cabeça.

Não faltaram os elementos da dramaticidade, como a dividida de bola da qual Elano não se eximiu e pagou caro por esta decisão de coragem. Nem o confronto corporal que puniu o bom-moço Kaká, errado apenas no lance em que recebeu o primeiro cartão amarelo. Como condená-lo, porém, se o que fazia era somente participar de um jogo de futebol de verdade.

Talvez até o árbitro atrapalhado e “engraçadinho” que fez lambanças em campo capazes de ajudar e prejudicar o Brasil, tenha estado lá para contribuir com este espetáculo. Fosse ele rigoroso, o lance mais bonito da partida, provavelmente teria sido anulado. Apesar de que preferia ter visto alguém mais bem capacitado para colocar ordem na casa.

Pra completar, tivemos um personagem. Luis Fabiano com seus dois gols, um marcado pela força e precisão do chute, e outro pela esperteza e categoria ao encobrir três marcadores em espaço restrito da área. Na seca havia seis partidas, o atacante deveria estar sofrendo na sua intimidade, pois sabe que do gol depende sua subsistência. Não poderiam ter ocorrido em momento mais oportuno e de forma mais bonita. Ele é o goleador da Era Dunga com 21 gols marcados em 28 partidas.

O futebol de verdade é feito de sangue, suor e talento. A seleção brasileira nos ofereceu tudo isso na vitória de hoje e, não por acaso, está classificada antecipadamente para a próxima fase da Copa da África. Mérito de Dunga, fiel a suas ideias, confiante em seu exército de abnegados e crente de que a qualidade técnica deles levará ao título de campeão do mundo.