Mundo Corporativo: Eduardo Dal Ri, CEO do HDI, tem o desafio de colocar o seguro na primeira pauta do consumo

Bastidor da entrevista com Eduardo Dal Ri Foto: Priscila Gubiotti CBN

“Trazer o seguro na primeira pauta do consumo no Brasil, acho que é um grande desafio.” Eduardo Dal Ri, HDI

O Brasil ainda convive com uma contradição simples de explicar e difícil de resolver: muita gente protege o carro, mas deixa a casa, a renda e a própria família desprotegidas — até o dia em que um vendaval, uma enchente ou um incêndio lembram que risco não pede licença. O mercado corre para ampliar essa proteção com aquisições, novas marcas e tecnologia, principalmente inteligência artificial, usada para analisar dados, acelerar indenizações e tentar oferecer preços mais ajustados ao perfil de cada cliente. Esse é o tema da entrevista com Eduardo Dal Ri, CEO do Grupo HDI, no programa Mundo Corporativo.

Dal Ri conta que voltou ao grupo em 2022, depois de ter feito carreira na empresa no início dos anos 2000 e de passar mais uma década fora do HDI. Ele afirma que reencontrou um setor marcado por mais tecnologia e por um espaço grande de crescimento no Brasil, justamente porque a cultura do seguro ainda é limitada. Nas palavras dele, o país tem um mercado “pouco penetrado”, o que abre oportunidades em várias frentes.

Na estratégia do Grupo HDI, um caminho foi diversificar o portfólio depois de aquisições. “Quando eu voltei em 2022, [a empresa tinha] 90% de carteira automóvel; hoje nós somos 67% de carteira automóvel”, afirma. Ele cita expansão para outros ramos e destaca o seguro de vida como uma dessas frentes.

Dal Ri também descreve uma característica que, segundo ele, dá velocidade à operação no Brasil: autonomia local. “Nós somos absolutamente autônomos no país. Nós temos sistemas próprios, cultura própria, toda a organização nossa é própria”, diz, ao explicar que a ideia é desenhar produtos para brasileiros, sem “produto empacotado” nem “diretriz” que venha pronta de fora.

Aquisição é gente, não é só CNPJ

Houve uma evolução expressiva nos dois últimos anos no Grupo HDI devido à compra da Sompo Consumer, em agosto de 2023, e da Liberty, em novembro do mesmo ano. Ao falar da integração das empresas compradas, Dal Ri faz uma distinção direta: o desafio não se resume a incorporar estruturas; envolve pessoas, expectativas e cultura. “As duas coisas mais importantes quando você adquire uma empresa em seguros é você tomar cuidado com os talentos… [e] os distribuidores”, afirma, lembrando que o setor é técnico e depende de gente especializada e de corretores que colocam o produto na rua.

Ele usa uma imagem para explicar o choque cultural entre organizações que parecem semelhantes por fora: “Quando você une, você percebe… é como se fôssemos gêmeos separados no nascimento. 20 anos, 30 anos depois, você percebe que esses gêmeos ficaram muito diferentes.”

Nesse processo, ele destaca a importância de reduzir ansiedade e tomar decisões com rapidez, sobretudo em áreas em que “muitas vezes você tem uma cadeira para duas pessoas sentar”. E aponta um cuidado: as saídas, diz ele, não necessariamente têm relação com desempenho. “Essas pessoas não saem por baixa performance. Elas saem porque só tinha que ficar uma pessoa ali”, afirma.

Dal Ri também relata que evitou “silos” internos por marca. A proposta, segundo ele, foi fazer as lideranças cuidarem de todas as frentes e deixar a diferença para fora, no posicionamento das marcas. “O que é diferente para fora são as atuações das marcas”, diz, citando a Yello como uma marca “mais premium”, a HDI como atuação mais ampla, e a Liro como porta de entrada.

Seguro, clima e a função social do pagamento rápido

Na conversa, Dal Ri argumenta que o brasileiro tende a segurar aquilo que enxerga como risco imediato. “O brasileiro pensa muito no risco… que ele consegue enxergar rapidamente. Então isso significa o carro”, afirma. Já em relação à casa e à vida, ele diz que a percepção costuma vir mais tarde.

Ele tenta desmontar uma crença comum: a de que seguro residencial seria automaticamente caro porque o seguro do carro pesa no bolso. “As pessoas… se deparam [com] uma surpresa tremenda de que o seguro residencial é muito mais barato”, diz, atribuindo isso ao risco diferente entre bens.

No caso de pequenos negócios, ele usa o exemplo de um salão de beleza para explicar a lógica do “lucro cessante”, quando a empresa para e perde renda: “Às vezes ela pode fazer esse seguro por R$ 1.000 ao ano… para pagar as contas dela durante esses 15 dias”, afirma.

Quando o assunto é evento climático extremo, Dal Ri cita a experiência recente do Sul. “Só o Grupo HDI… indenizou mais de 450 milhões de reais”, diz. Ele relata que, em muitos casos, o dinheiro do carro não foi usado para trocar o veículo, mas para recompor a vida: “Esse cliente… pegou esse veículo para recompor ou reformar a própria casa… ou para comprar roupas”, afirma. Para ele, aí aparece “a função social do seguro”.

Inteligência artificial: do dado ao sinistro, sem burocracia

Dal Ri diz que a inteligência artificial amplia a capacidade de trabalhar com dados e tornar o produto mais ajustado: “A inteligência artificial é um forte aliado pra gente analisar dados e trazer produtos e preços mais customizados pros clientes”, afirma.

No dia a dia, o efeito mais visível, segundo ele, está no sinistro: “Uma regulação… muito mais rápida”, com menos necessidade de análise manual de cada etapa. Ele descreve um objetivo de curto prazo: o cliente ter o carro guinchado e já receber a indicação de que “a colisão… tá regulada” antes mesmo de chegar em casa, reduzindo burocracia.

Como exemplo prático, ele conta um projeto que usa análise automática de fotos enviadas por oficinas parceiras: “Sem interferência humana, já… mandar para a oficina o OK para liberação”, afirma, comparando com um processo que poderia levar “72 horas”.

Ele também cita o uso da tecnologia no combate a fraudes e explica um ponto técnico em linguagem do cotidiano: reduzir “falso positivo”, ou seja, acertar melhor quando há suspeita real e não travar casos normais. “A inteligência artificial ajuda a diminuir o tal do falso positivo… e… [um caso] volta para a esteira novamente muito mais rápido”, diz.

O CEO do Grupo HDI amplia a leitura do setor e comenta o papel das novas empresas. Ele diz que há startups que vendem seguro diretamente e outras que prestam serviços para seguradoras. Para ele, a presença delas ajuda a popularizar o tema: “Toda a competição é muito bem-vinda… quanto mais iniciativas a gente fizer, melhor”, afirma.

Ao olhar para frente, ele volta ao ponto central: seguro como hábito de consumo, não como susto depois do acidente. “Trazer o seguro na primeira pauta do consumo no Brasil… é um grande desafio”, diz, ao indicar a ambição de crescimento do Grupo HDI nesse movimento.

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Dez Por Cento Mais: Diego Félix Miguel fala sobre os desafios das velhices LGBT+

Foto de cottonbro studio

Não é o outro falar de nós, é nós falarmos sobre a nossa existência

Diego Félix Miguel

Uma geração de lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans, travestis e transgêneros chegou à velhice carregando marcas de rompimentos familiares, da epidemia de HIV/Aids e de um sistema de saúde que muitas vezes as afasta, em vez de acolher. Nesse cruzamento entre idade, gênero, orientação sexual e desigualdade, estão as velhices LGBT+, tema tratado por Diego Félix Miguel, doutorando em saúde pública e presidente do departamento de gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, em entrevista à jornalista e psicóloga Abigail Costa, no programa Dez Por Cento Mais.

Velhices plurais, vulnerabilidades acumuladas

Diego propõe que o ponto de partida seja enxergar o envelhecimento como conquista coletiva. “Eu acredito que nós precisamos pensar na longevidade como uma grande conquista”, afirma. O aumento da expectativa de vida está ligado a avanços científicos, tecnológicos e ao acesso à informação. Essa conquista, porém, não é distribuída da mesma forma para todas as pessoas.

Ele lembra que desigualdades atravessam a vida inteira: raça, gênero, identidade de gênero, orientação sexual, classe social. “Quando falamos de velhices, nós estamos falando de pluralidade”, resume. A ideia de “velhices”, no plural, tenta corrigir a imagem homogênea da pessoa idosa e expõe grupos que chegam à longevidade sob maior risco de violência, violação de direitos e isolamento.

Ao tratar especificamente das velhices LGBT+, Diego volta no tempo. Ele lembra que o movimento ganhou mais visibilidade a partir dos anos 1960, quando parte da população LGBT começou a se colocar publicamente. Esse gesto teve custo alto: “Muitas pessoas romperam vínculos familiares, porque, ao invés de receberem conforto e segurança, encontravam violência”, explica.

Longe de suas famílias de origem, essas pessoas formaram redes afetivas também conhecidas por famílias de escolha. O alicerce dessa rede, porém, foi abalado nas décadas de 1980 e 1990, com a epidemia de HIV/Aids. “As pessoas sobreviventes desse episódio são as que chegaram na velhice hoje”, diz Diego. Muitas perderam amigos, companheiras e companheiros, e envelhecem com redes de apoio fragilizadas.

Idadismo, saúde e medo de buscar cuidado

Além da história marcada por perdas e exclusões, essas pessoas enfrentam um obstáculo que atinge toda a população idosa, mas com impacto específico sobre quem é LGBT+: o idadismo, o preconceito baseado na idade. “Um dos aspectos que o idadismo traz é a invisibilidade da sexualidade e do gênero na velhice”, aponta.

Na prática, isso significa ver a pessoa idosa como alguém sem desejo, sem vida sexual, sem identidade de gênero que mereça atenção. Se esse apagamento já pesa sobre idosos em geral, o efeito se agrava quando se trata de uma mulher lésbica, de um homem gay, de uma pessoa trans ou travesti.

Diego cita pesquisas que mostram um padrão preocupante: “Muitas pessoas LGBT deixam de frequentar os serviços de saúde, de fazer exames preventivos ou acompanhamento médico, justamente por medo de sofrerem violência”. Esse medo nasce de experiências anteriores, em que não foram tratadas pelo nome social, tiveram sua identidade de gênero desconsiderada ou ouviram comentários discriminatórios.

Quando finalmente procuram ajuda, costumam esperar até o limite da dor ou da doença. E ainda correm o risco de enfrentar um atendimento violento, explícito ou sutil. Diego descreve situações em instituições de longa permanência para idosos em que o acolhimento é condicionado à ideia de que a pessoa LGBT precisa “se encaixar” em uma norma que nega quem ela é. Em alguns casos, pessoas trans são pressionadas a destransicionar para serem aceitas pela instituição. “Isso é perverso, é violento, é sutil, é silencioso e dói tanto quanto uma violência física”, resume.

Segurança, trabalho e renda: o impacto da exclusão

A discussão sobre saúde se mistura com outra camada de vulnerabilidade: a segurança financeira. Muitos idosos LGBT viveram na informalidade. Diego lembra que a escola, para uma parte das pessoas trans, era um ambiente hostil; o mercado formal de trabalho, pouco acessível; a discriminação, recorrente.

O resultado aparece agora, na velhice, em trajetórias marcadas por baixa renda, aposentadorias insuficientes ou inexistentes e dependência de redes de apoio que nem sempre existem. “São pessoas que sobreviveram a múltiplos processos de violência e demandam um cuidado maior em saúde mental”, explica. Depressão, pensamentos suicidas e isolamento social surgem como sinais de alerta.

Diego reforça que o isolamento é um fator central para a perda de autonomia e independência na velhice, o oposto do que se busca quando se fala em envelhecimento ativo: viver com dignidade, com possibilidade de decisão e com apoio adequado depois da aposentadoria.

Ambientes seguros e o papel dos profissionais

Uma parte importante da conversa passa pela formação de profissionais e pelo modo como eles se apresentam aos pacientes. Do preenchimento de um formulário à maneira de fazer perguntas, detalhes revelam se aquele espaço é acolhedor ou excludente.

Diego destaca um ponto simples, mas decisivo: abandonar perguntas que presumem heterossexualidade, como “qual é o nome do seu marido?” ao atender uma mulher. Para ele, o cuidado começa ao abrir espaço para que a própria pessoa nomeie sua realidade. Quando o serviço se mostra preparado para isso, a percepção muda. “Quando pessoas idosas LGBT chegam em um ambiente e percebem que há profissionais assumidamente LGBT, elas se sentem mais confortáveis e confiantes”, observa.

Em alguns países, profissionais aliados exibem símbolos, como a bandeira do arco-íris, para indicar que aquele consultório é um espaço sem discriminação. O objetivo não é criar um rótulo, mas sinalizar que a conversa sobre gênero e sexualidade pode acontecer sem medo.

Isso, porém, não elimina o risco de reforçar estereótipos. Diego alerta que, na tentativa de “fazer o certo”, serviços podem criar soluções que, na prática, segregam — como reservar um “quartinho” específico para uma idosa trans dentro de uma instituição, em vez de garantir o direito de ela viver no espaço das mulheres, em condições de igualdade.

Representatividade e a recusa da neutralidade

A presença de pesquisadores e profissionais LGBT na produção de conhecimento sobre velhices LGBT é outro eixo que Diego considera decisivo. “Não é o outro falar de nós, é nós falarmos sobre a nossa existência”, afirma.

Ele menciona o movimento de pessoas trans que reivindicam o direito de estudar e pesquisar suas próprias experiências de envelhecimento. A defesa é direta: políticas públicas, práticas de cuidado e pesquisas ganham outra profundidade quando formuladas por quem vive na pele as consequências do preconceito.

Nesse contexto, Diego rejeita a ideia de neutralidade como valor. A referência a Paulo Freire ajuda a organizar o raciocínio. “A neutralidade nada mais é do que a covardia de não se ter um posicionamento”, diz. Silenciar diante da discriminação não elimina o conflito; apenas cede espaço para que a estrutura de poder vigente siga intacta.

Ele lembra que já existem projetos de lei no Congresso voltados à criação de uma política nacional para pessoas idosas LGBT+, com foco na integração entre SUS (Sistema Único de Saúde) e SUAS (Sistema Único de Sistemas Sociais) e na qualificação dos serviços que já atendem a população idosa. A ampliação do acesso à educação, inclusive por meio de cotas, também é citada como caminho para que pessoas LGBT ocupem universidades, campos de pesquisa e espaços de decisão.

A dica Dez Por Cento Mais

Na parte final da entrevista, Diego volta a um ponto que atravessa toda a conversa: a importância de transformar gênero e sexualidade em temas que possam ser tratados em família, sem segredo nem tabu. “Vale muito a pena perguntar sobre a vivência dessas pessoas, escutar mais e supor menos”, recomenda.

Ele relata casos de alunos que, após suas aulas, perceberam que nunca tinham perguntado a um irmão gay como ele se sente nos lugares que frequenta, quais medos carrega, de que mudanças precisa para se sentir seguro. A sugestão de Diego é simples e direta: trazer esse assunto para a mesa, inclusive em um almoço de domingo.

Para as famílias que têm filhos, filhas, netos ou netas LGBT+, o recado é claro: a escuta pode ser ponto de partida para uma velhice com mais dignidade, menos isolamento e menos medo. E, para profissionais de saúde e para a sociedade em geral, a entrevista funciona como um convite à responsabilidade: reconhecer as velhices LGBT+ como parte legítima da população idosa e ajustar práticas, protocolos e políticas a essa realidade.

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Dez Por Cento Mais: projeto propõe psicoterapia “sem fila de espera”

Foto de SHVETS production

“O autocuidado é direito de todos.”
Vanessa Maichin, psicóloga

Em um ano, um projeto de atendimento psicológico formou uma rede com 45 psicólogos e chegou a quase 600 pessoas atendidas, oferecendo psicoterapia sem fila de espera e valores sociais a quem está em vulnerabilidade. Esse foi o ponto de partida da conversa sobre o Psicoterapia para Todos, tema da entrevista no programa Dez Por Cento Mais, apresentado por Abigail Costa, no YouTube, que tamém participa do projeto ao lado da psicóloga Vanessa Maichin e Gislene Gomes Koyama, suas duas entrevistadas.

Como nasceu e para quem é o projeto

Idealizadora do Psicoterapia para Todos, Vanessa relatou a origem da iniciativa: “O projeto nasceu de uma meditação e o que aparece em uma meditação nunca vem do nada.” Ela explicou que a iniciativa reúne dois propósitos: ampliar o acesso de quem não conseguiria pagar por terapia e apoiar o aprimoramento de psicólogos clínicos. Segundo Vanessa, a estrutura inclui requisitos e suporte profissional: “O psicólogo precisa ter CRP ativo, estar em supervisão e em terapia”, além de participar de curso de extensão e de um núcleo de estudos em análise existencial.

A expansão do atendimento, contou Vanessa, aconteceu rapidamente: “Hoje nós estamos com 550 pessoas sendo atendidas no projeto, quase 600 pessoas.” Um diferencial citado por ela é o compromisso de disponibilidade: “A gente entrou também com esse lema no projeto… psicoterapia sem fila de espera.”

Da clínica ao ambiente de trabalho

Gislene Gomes, que é a coordenadora do núcleo corporativo, descreveu a chegada ao projeto a partir de sua trajetória organizacional e de redes de parceria. Para ela, a demanda por cuidado é concreta e cotidiana: “Nós somos seres relacionais, né?” No contato com empresas e instituições, Gislene reforça o foco em prevenção e acolhimento, lembrando que os efeitos da saúde mental atravessam o trabalho e a vida.

Do ponto de vista do acolhimento clínico, Gislene destacou o que o paciente pode esperar: “Nós não estamos aqui para dar conselho ou para dar resposta mágica”, disse. “Não tem solução mágica, não tem receita de bolo… o que tem é você se descobrir, se permitir se conhecer.”

Qualidade e permanência do cuidado

Vanessa ressaltou que valores sociais não significam atendimento “barato” nem precarizado: as sessões seguem o padrão de 50 minutos a 1 hora, e o tempo de permanência na terapia depende da necessidade clínica de cada pessoa. Outro ponto é a orientação pública da iniciativa: quando alguém tem condições de arcar com honorários integrais, há encaminhamento para profissionais da rede fora do braço social — preservando o objetivo central de garantir acesso a quem mais precisa.

Ao definir o que está em jogo na psicoterapia, Vanessa resumiu: “Psicoterapia tem a ver com cuidadoé um espaço para a gente falar do que a gente sente e pensar no sentido de vida … e o que a gente tá propondo para essas pessoas, justamente, é um espaço para elas se cuidarem.”

Você tem mais informações sobre o Psicoterapia para Todos no instagram do projeto.

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Avalanche Tricolor: o dia em que Marlon, em nome do Grêmio, disse “basta!”

Bragantino 1×0 Grêmio

Brasileiro – Bragança Paulista/SP

Reprodução da imagem do canal Premiere

É precisa e definitiva a entrevista do lateral e capitão interino Marlon, ao fim da partida contra o Bragantino. Talvez uma das mais importantes que algum representante do Grêmio concedeu nos últimos tempos. Pois causa indignação assistir ao Grêmio ser mais uma vez prejudicado por erros de arbitragem – Kannemann foi expulso injustamente, ainda no primeiro tempo, e o pênalti marcado no último lance da partida não existiu.

Da fala de Marlon faço esta Avalanche:

O Grêmio FBPA está sendo categoricamente roubado desde que começou o campeonato. A gente vive numa liga em que você quer melhorar o calendário, mas não tem nem profissionalização dos árbitros. A gente vem de anos e anos de corrupção numa federação onde você não consegue legalizar as coisas. E isso tem muita influência direta no futebol.

Esse pênalti que foi marcado hoje aqui, o que aconteceu com o Grêmio, foi uma baixaria. Isso é sem tamanho, porque não tem critério nenhum. Eu estou com o braço colado. Se eu faço amplitude, a bola bate e volta para frente. A bola desvia no meu peito e vai para fora.

Esse mesmo árbitro marcou uma falta contra a gente, no jogo com o Mirassol, que originou um gol. E o cara do Mirassol está em impedimento, ele vai no VAR e confirma. Na expulsão do Kannemann, ele marca uma jogada que não existe e expulsa o Kannemann, porque já está bravo com ele pelo jogo passado.

Nós tivemos dois pênaltis marcados no clássico Gre-Nal, onde não existe pênalti. Já começa por aí. Foram três pênaltis no jogo. O último pênalti, a gente não pode falar nada porque realmente é. Agora, a gente foi prejudicado contra o São Paulo, contra o Santos, hoje novamente. Tu pode tirar por baixo uns 16, 17 pontos do Grêmio na competição



Não, eu não tenho receio de ser punido. Eu tenho que brigar pela minha instituição. O que está acontecendo com o Grêmio aqui, eu vou falar categoricamente: o Grêmio está sendo roubado, prejudicado. E não só o Grêmio, são outras equipes também. 

Depois o PC Oliveira, que foi um excelente árbitro, diz categoricamente que não é pênalti para o Grêmio, e ele vai dizer hoje que não é pênalti para o Grêmio, como já aconteceu várias vezes. O problema é que isso se repete, repete, repete

Repórter —Ele já disse que não foi pênalti. 

Ele já disse que não foi pênalti, mas isso não vai voltar atrás. Porque daí depois a pressão é dos jogadores que perderam os pontos, é no treinador que perdeu os pontos e a equipe é prejudicada. 

Eu digo, isso não acontece só com o Grêmio. Acontece com outras equipes também e já aconteceu de forma vergonhosa.

CBF profissionalizem os árbitros, melhore a qualidade do teu produto, porque não tem condição de jogar mais assim“.

Dez Por Cento Mais: novo livro de Mariza Tavares fala de escolhas que moldam a velhice


“Os 60 não são os novos 40; são os novos 60.”

Mariza Tavares, jornalista

Viver mais e viver melhor depende de escolhas que começam cedo e seguem por toda a vida: cuidar do corpo, da cabeça, das relações e do bolso. Essa é a defesa de Mariza Tavares, jornalista e escritora, autora de A Vida Depois dos 60 –  Prepare-se para criar a sua melhor versão (Best Seller), que propõe olhar para a longevidade como projeto contínuo, sem romantização e sem fatalismo. Em conversa com Abigail Costa, jornalista e psicóloga, no programa Dez Por Cento Mais, no YouTube, Mariza lembra que “a longevidade é uma construção da vida inteira.”

A autora propõe que a longevidade seja encarada como a soma de diferentes “reservas” acumuladas ao longo da vida. A financeira, alimentada por pequenos aportes feitos desde cedo, quando “o tempo conspira a nosso favor”. A física, cultivada por meio do movimento contínuo e da manutenção da força muscular. A mental e a social, fortalecidas pelas conexões que sustentam o ânimo e estimulam o autocuidado. Mariza destaca que estudos de décadas apontam a qualidade das relações como fator decisivo para envelhecer melhor e sintetiza a ideia com uma imagem pessoal: “Dentro de mim eu tenho todas as idades.”


O alerta é direto: adiar decisões tem seu custo, mas começar tarde não impede ganhos. “Mesmo pessoas com um estado fragilizado se recuperam em força muscular com o devido treino.” O verdadeiro risco, segundo Mariza, está em se render aos estigmas: “O mais triste é a gente introjetar aquela coisa de que ‘eu tô muito velho para isso’.”

Trabalho, aposentadoria e combate ao etarismo

A transição do trabalho pago para outras formas de atuação pede preparo, não improviso. Mariza critica a pouca atenção das empresas ao tema e defende políticas que retenham e adaptem funções para profissionais mais velhos. “Nós temos que ser militantes da velhice”, diz, ao apontar microagressões e estereótipos que afastam pessoas 60+ de oportunidades — especialmente mulheres, alvo precoce do idadismo.

A aposentadoria sem projeto pessoal tende a abrir espaço para vazio e isolamento. A saída, segundo ela, está em redes de convivência, mentoria intergeracional e flexibilidade: “Eu posso usar o meu repertório para ensinar.”

Afeto, sexualidade e novas combinações de vida

Mariza propõe tratar sexualidade na maturidade sem tabu, inclusive nas consultas médicas. O foco é ampliar repertório e comunicação entre parceiros, não reduzir a vida íntima a desempenho. “Sexualidade nos acompanha até o final da existência.” Também reconhece arranjos de vida em que muitas mulheres 60+ escolhem autonomia, amizade e viagens em grupo, sem abrir mão de bem-estar para “ter alguém” a qualquer custo.

No fechamento, ela oferece um pequeno ajuste de rota: “10% a mais de confiança em si mesmo.” Pode virar bússola prática: “Vou me divertir 10% mais, vou namorar 10% mais, vou celebrar a vida 10% mais.”

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Dez Por Cento Mais: Dr. Fabrício Oliveira discute sexualidade e longevidade sem tabus

Image by Mabel Amber from Pixabay
Image by Mabel Amber from Pixabay

“Desejo não envelhece.” A afirmação do Dr. Fabrício Oliveira poderia ser apenas uma provocação retórica se não viesse sustentada por mais de uma década de trabalho clínico com pessoas idosas e pela escuta atenta a histórias muitas vezes silenciadas dentro de casa. No programa Dez Por Cento Mais, apresentado por Abigail Costa, no YouTube, o psicólogo e gerontologista defendeu com firmeza que envelhecer não significa perder vontade, nem identidade.

A entrevista trata de um tema ainda cercado por preconceitos: a sexualidade na maturidade. “As pessoas confundem sexualidade com ato sexual. Sexualidade é afeto, é toque, é desejo, é companheirismo. E isso não tem prazo de validade”, disse Fabrício, que, desde 2010, atua no universo do envelhecimento com foco no bem-estar emocional, psicológico e relacional dos idosos.

“Eu só atendo idosos”

A decisão de se especializar no público idoso nasceu de um encontro entre a sensibilidade clínica e a demanda reprimida. Tudo começou com um trabalho de conclusão de curso que virou referência acadêmica. Depois, veio uma reportagem de televisão que repercutiu de forma inesperada. “Os idosos começaram a me procurar porque se sentiram representados. Eles diziam: ‘doutor, eu tenho vontade de reencontrar o primeiro amor, mas os meus filhos acham isso uma bobagem’”.

Fabrício entendeu que não bastava escutar. Era preciso acolher, orientar e também educar as famílias. Por isso, passou a oferecer atendimento domiciliar. “O idoso vai muito ao médico. Psicólogo? Só se for alguém que vá até ele. No consultório ele não aparece”, explicou. A visita à casa do paciente, segundo ele, abre espaço não só para a escuta terapêutica, mas também para a reorganização do ambiente doméstico — desde a retirada de tapetes até conversas com os filhos que, sem perceber, reforçam o etarismo.

Miss Longevidade e o protagonismo invisível

Se os consultórios ainda são pouco acessados, as passarelas podem ser caminhos de transformação. Foi assim que surgiu o projeto Miss e Mister Longevidade, idealizado por Fabrício em João Pessoa e já realizado em várias cidades da Paraíba. “A mulher passa o ano pensando no vestido. A neta vai à escola e diz: ‘minha avó é Miss’. Isso muda tudo.”

Mais do que promover autoestima, o concurso combate um estigma estrutural: a exclusão social da velhice. “A maior violência contra o idoso no Brasil não é a financeira. É a psicológica”, alertou. E parte dela começa na infância, quando se ouve frases como “cuidado com o velho do saco” ou se vê bruxas velhas como vilãs em contos infantis. Para ele, mudar isso exige uma presença ativa: “O idoso precisa ser protagonista. Quando ele afirma sua identidade, a família pensa duas vezes antes de zombar da idade ou fazer comentários discriminatórios”.

A velhice como escolha de vida

Perguntado sobre o que espera da própria velhice, Fabrício respondeu sem rodeios: “Eu não quero ser um velho cheio de manias. Mania afasta. Eu quero ser o velho legal, que abre a casa para os amigos, que está de boa”. Ele aposta na leveza como estratégia de convivência e qualidade de vida. E reforça: “Envelhecer é natural. O que não é natural é se isolar, deixar de viver, parar de amar”.

Ao fim da conversa, deixa uma sugestão simples, mas poderosa: “Acorde, olhe no espelho e diga: hoje eu envelheci mais um dia. E que bom que estou vivo”. Para ele, aceitar o processo com naturalidade e presença é a chave para viver bem — e melhor — os anos que virão.

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Conte Sua História de São Paulo: Vila Prudente, bairro que nos seduz

Julio Araujo

Ouvinte da CBN

Foto publicada por Fernando Sobrinho em Memorias Paulistanas

“Vila Prudente,/ bairro que nos seduz/ De dia falta água/ De noite falta luz/ Abro o chuveiro/ Oi, não cai um pingo/ Desde segunda até domingo/ Eu vou pro mato/ Oi, pro mato eu vou/ Vou buscar um vagalume pra dar luz em meu chatô”

Para iniciar essa narrativa com bom humor, eu coloquei em destaque a letra da marcha carnavalesca “Vagalume”, de 1954, autoria de Vitor Simon e Fernando Martins, trocando apenas Rio de Janeiro por Vila Prudente, bairro onde fui criado, vivi boa parte da minha vida e de onde trago muitas recordações. Ouvi muito a marchinha ser cantada, em forma de paródia, pelos antigos moradores do bairro como forma de levar a vida…

Entre buracos, balões e bolinhas de gude

Durante a infância, nos anos 1950, as famílias vilaprudentinas sofriam bastante com a falta de água e energia elétrica. O bairro era caçula da região, comparado com a Mooca e Ipiranga, ambos limítrofes, fundados no século XVI, e já bem desenvolvidos. Faltava infraestrutura, por isso muita coisa o bairro ainda carecia. Lembro da coleta de lixo em carroças puxadas por burros, que não aparecia todos os dias. Em dia de chuva, o bairro se complicava com enchentes na região próxima à estação do Ipiranga, parava tudo. Se não chovia, a porteira é que parava todo o trânsito. O problema só se resolveu quando foi construído o Viaduto Capitão Pacheco Chaves.

Por outro lado, saudades do padeiro que trazia o pão em domicílio de carroça, onde eu adorava comer as raspas que ficavam no fundo, o tintureiro nissei que buscava roupa pra lavar e levava tudo por entre o braço, os amoladores de faca com aquelas gaitinhas características, o vendedor de suspiro, o bijuzeiro com aquela placa com um som de reco-reco, o homem do realejo com o periquito da sorte, os moleques que vendiam pirulitos, que eram pura água com açúcar, com o infalível grito: “Piruliteeeeeeeeeiro! Tira dooois por um cruzeirooooooooo!!!” Promoção. Era o marketing.

Na minha rua, a Cananéia, as famílias que lá moravam, em sua maioria, vieram para realizar o sonho da casa própria, porque pagavam aluguel em bairros mais desenvolvidos e, com sacrifício, adquiriram terrenos da Cia Cerâmica e construíram suas casas. Meu avô paterno foi um deles, veio do Cambuci. No terreno, ele construiu 3 casas (mas daquelas bem improvisadas) para ele com minha avó, e as filhas já casadas e com filhos — um deles era eu.

De lá de casa eu avistava o “morrão”, onde havia muitos campos de futebol, suficientes para cada agremiação de várzea daquela parte do bairro. Atuavam no morrão: Portuguesa, Flamengo, Ouro Verde, Comercial. Mais tarde o “morrão” seria o Crematório de Vila Alpina e Cemitério São Pedro, previstos muitos anos antes. A gente não acreditava.

A infância onde tudo era campo

Para nós, moleques de rua, as dificuldades não eram tão sentidas, afinal nossas preocupações eram a de brincar o dia inteiro até escurecer, jogando bola, rodando pião, jogando bolinha de gude, empinando pipas (que também chamávamos de quadrado), brincar de pique, acusado, mãe da rua (essa era violenta…), unha na mula, maçaneta (jogo com tacos que recebia outras denominações em outros bairros)… Tomar banho? Não era algo tão relevante.

As meninas também tinham suas brincadeiras: pular corda, amarelinha, casinha, corre cipó, pique (que pronunciávamos “piques”)…

Havia uma espécie de calendário que determinava a época de cada brincadeira. Assim, nos meses de vento, a partir de julho, as pipas dominavam; antes, em junho, os balões, as lanternas feitas de lata de óleo; no início do ano, pião — e assim íamos… Já futebol era todos os dias em nosso campinho, quer realizando peladas com a nossa turma mesmo, ou jogando contra outras turmas do bairro, sempre descalços, vira 6, acaba 12… Mas para a realização dependia de termos a chamada “bola de capotão”, o que às vezes nenhum membro da turma tinha, e amargávamos férias futebolísticas, a não ser quando o adversário trazia a bola.

Existiam muitas turmas naquela região da Vila… muitas. Nós éramos da “Turma da Serragem”, porque nosso campinho ficava num terreno de uma serraria com serragem em toda a extensão e com uma certa altura, que lembrava até as dunas da cidade de Natal. Éramos bem pacatos, com time de fraco pra regular, mas cheios de garra. Outras turmas eram mais briguentas, como a da Padaria Amália e a Turma da Cananéia, ambas rivais.

A Padaria Amália era muito conhecida e virou referência no bairro, a tal ponto que, quando alguém que morasse próximo a ela era indagado onde morava, dizia: “Na padaria Amália” ou, para descer do ônibus, dizia ao motorista: “Descerei na padaria Amália”. Essa característica era muito comum de existir em bairros de São Paulo, sempre com uma referência comercial para facilitar o deslocamento e localização.

A festa junina da minha família

Na rua, ainda de terra, por ocasião das festas juninas, cada família fazia a sua festa com fogueira, canjica, pipoca e outras guloseimas, na véspera ou no dia de determinado santo junino. E todas as outras famílias participavam até a fogueira ficar em brasa para esperar as batatas-doces. A festa da nossa família acontecia sempre no dia de São Pedro, e a festa do dia 28 de junho de 1958 foi inesquecível para mim: o Brasil ganhara o campeonato mundial de futebol pela primeira vez nesse dia, na Suécia. Nunca vi tantos balões no ar, foguetório… Muita alegria do povo.

Essa convivência da rua se limitava a uma dimensão de um quarteirão. Lembro que nesse pedaço somente uma família possuía televisão, justamente do nosso lado. Claro que nós e muita gente éramos “televizinhos”. Aos domingos, os moleques iam assistir ao “Circo do Arrelia”, pelo canal 7, e logo após vinha a transmissão do futebol de partida do campeonato paulista. Daí vinham os rapazes mais velhos, na maioria palmeirenses, que se juntavam aos rapazes da casa, também palmeirenses. Nós, moleques, saíamos. Todos eles jogavam em um time lá do “morrão”, nos jogos de várzea que aconteciam aos domingos. Aliás, muitos jogadores profissionais saíram dos times lá do morro.

Eu gostava de acompanhar o Vasco da Gama da Vila Prudente, cujo campo não era no “morrão”, e sim onde hoje está situada a Igreja São Carlos de Borromeu, na Rua do Oratório, em direção à Rua do Orfanato. Meu tio me levou pra lá a primeira vez em um festival com o campo lotado, cada jogo melhor que o outro, com os times do morro participando. Fiquei extasiado com a atmosfera do evento. Eu lembro que os troféus aos times vencedores eram entregues num palanque, com erguimento, e o grito de vitória da agremiação sempre era o mesmo: “1, 2, 3… 4, 5… 6… 7, 8, 9… para 12 faltam 3… tchi bum bá… iu maracará… zum… zum… zum… rá… rá… rá!!” Uma festa que geralmente se estendia em “chopada” na sede do clube. O bicho-papão do bairro era o Búfalo, da fábrica de papel do mesmo nome.

O Vasco, embora não possuísse grande torcida, tinha um torcedor que era um espetáculo à parte. Seu grito de incentivo para o time era “Vamo Dibuiá!”, que ecoava por todo o campo. Os torcedores do barranco aplaudiam e até o apelidaram de Dibuiá. Grande figura.

Do pião à CEPAM: a vila que virou cidade

O curso primário eu fiz, como a maioria da molecada fez, no Grupo Escolar República do Paraguay, que existe até hoje, bem em frente à também antiga Biblioteca. À noite, se chamava Colégio Estadual Professor Américo de Moura (CEPAM), com curso ginasial, extremamente concorrido para os candidatos que vinham do curso de admissão. Era mais difícil que a Fuvest entrar para cursar o ginásio do estado. O curioso é que depois o colégio se mudou para a Vila Bela (subdistrito de Vila Prudente) e a sigla foi utilizada para denominação de uma padaria que hoje é a referência do bairro, talvez a maior da cidade e quiçá do Brasil: Padaria CEPAM.

Perto dela morei por alguns anos e meus filhos cresceram nessa região.

No terceiro ano do grupo, inconscientemente, fiz uma confusão danada na aula de religião, pois pensei que eu fosse de alguma religião evangélica, que o povo denominava como “crentes”, mas na verdade eu era católico, sem ter essa certeza e sem consultar previamente os meus pais. Havia aulas somente para os católicos e para os crentes. Então… eu ia às aulas dos crentes normalmente, embora estranhasse o pouco número de participantes. Um dia resolvi contar para os meus pais que, além da bronca que me deram, determinaram de forma incisiva que eu desfizesse toda essa encrenca. Minha professora, católica fervorosa, como toda a escola, vibrou de alegria quando falei que queria ser “convertido”. Fiquei até conhecido pela decisão. Um dia, sem eu esperar, perante toda a classe, ela trouxe o padre, que se dispôs a me batizar no próximo domingo. E o pior: que eu trouxesse meus pais para também serem batizados… Gelei!!… Pensei… O que vou dizer em casa?… E agora? Porém (e sempre tem um porém, como dizia Plínio Marcos), independentemente da religião, Deus me ajudou. Houve um recesso escolar e o assunto foi esvaindo, era final de ano, veio o quarto ano, outra professora. Fato marcante: nesse ano, um colega de classe, japonês, budista, recém-chegado do Japão, se converteu ao catolicismo… Eba!… Deixei de ser o único (só que ele não havia mentido…). No mesmo ano, fizemos primeira comunhão juntos na Igreja de Santo Emídio. A professora do terceiro ano me presenteou com um livro. Final feliz.

Na vila era comum aparecerem circos e parques de diversões em terreno em frente à Padaria Amália ou onde pudesse. Vi muitos acampamentos de ciganos nesses locais. Os mais velhos falavam para não chegarmos perto… Vinham também shows de artistas em início de carreira e também profissionais, como a “Caravana do Peru que Fala”, do Silvio Santos, ou a “Galera dos Bairros”, sempre em um dos 2 cinemas do bairro: Vila Prudente ou o Amazonas. Show de rua também acontecia com o “Sete Belo”, comediante da TV Record. Nesses shows, de vez em quando surgia umas briguinhas entre turmas rivais. Já políticos, em época de eleição, promoviam muitos shows. O Jânio Quadros sempre foi o preferido da rua.

Quando o asfalto chegou à nossa Vila

O bairro começava a se desenvolver e veio o asfalto. Começava a desenvolver. Nossas brincadeiras mudaram um pouco. Os carrinhos de rolemã (ou rolimã) entraram em cena, alguns moleques tinham bicicleta. As meninas andavam de patins. Jogar bolinha de gude só em terrenos isolados. Começaram construções de casas e sobrados. Rodar pião estava difícil. Carros começavam a passar pela rua em grande intensidade. Os moleques já estavam adolescentes e muitos começaram a trabalhar ou foram aprender ofício no Senai, e outros foram estudar. Minha família foi morar em Vila Salate, Penha.

Vila Prudente, sempre chamada de quintal da Mooca, principalmente pelos próprios mooquenses, crescia. Muitos anos se passaram para chegarem à conclusão de que a Ford ficava no bairro e não no Ipiranga (até a linha do trem é Vila Prudente). O crescimento vertical não tardou a chegar, inclusive na região do crematório se estabeleceu uma área nobre do bairro.

A Vila tornou-se centenária. Com muito prazer, eu, com os artistas Pipoquinha e Kakareko, participamos da festa alusiva à efeméride e o troféu representando o “Obelisco do Centenário” guardamos com muito carinho. Eu era o palhaço Xinxolim.

De repente, a Vila Prudente detém ótimos colégios, um jornal de grande circulação, dois shoppings, uma faculdade, estação de metrô. As famílias emergentes que sonhavam morar na Mooca ficaram na Vila. Há outras vilas famosas como Vila Zelina, Vila Ema, Vila Alpina, Vila Diva — todas pertencentes ao subdistrito Vila Prudente — que os moradores falam com muito orgulho, mas que, no fundo, todos são vilaprudentinos. Diferentemente dos bairros do Ipiranga e Mooca, cujos nomes vêm da língua tupi e mantêm uma forte relação com os moradores e com a cidade. Mas, por tudo, viva a Vila Prudente, bairro que realmente nos seduz.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Julio Araujo é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio e a interpretação de Mílton Jung. Escreva seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, coloque entre os seus favoritos o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Valeu, Cortella: uma noite de aprendizados sobre fazer o melhor

Diante da plateia do Teatro da FAAP, sob os refletores que iluminavam a cena, eu me vi mais uma vez ao aldo de um grande mestre e amigo: Mário Sérgio Cortella. Um filósofo que não apenas pensa, mas ensina com a força de quem coloca a alma em cada palavra. Estávamos ali para falar sobre Faça o Teu Melhor, seu mais novo livro, publicado pela editora Planeta. Como sempre acontece quando se está ao lado de Cortella, falávamos, na verdade, sobre a vida.

A felicidade daquele momento veio acompanhada de um senso de responsabilidade: estar à altura do conhecimento que Cortella compartilha é um desafio. É preciso estar atento, conectado, disposto a mergulhar nas ideias e, claro, fazer o meu melhor para acompanhar a profundidade dos seus pensamentos. E ali, no palco, cercado pelo olhar atento do público, percebi que essa era exatamente a essência do que discutíamos. Fazer o nosso melhor não significa superar o outro, mas sim superar a nós mesmos, a cada dia, na condição que temos, enquanto não temos condições melhores para fazer ainda melhor.

O livro de Cortella nasce dessa provocação. Inspirado na citação de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa, ele nos convida a colocar quanto somos no mínimo que fazemos. Não é sobre grandeza medida por status ou reconhecimento externo, mas sobre excelência como um compromisso pessoal. Um antídoto contra a mediocridade, essa doença silenciosa que se esconde no vou fazer o possível quando, na verdade, deveríamos dizer vou fazer o meu melhor.

No palco, entre reflexões e risadas, Cortella lembrou de sua infância em Londrina e da decisão que tomou aos 12 anos de idade: fosse qual fosse sua profissão, ele se recusaria a ser medíocre. E essa recusa não era uma obsessão pela perfeição, mas um compromisso com a entrega. “Não quero ser o melhor professor do mundo, quero ser o melhor professor que eu posso ser”, disse ele, com aquela clareza desconcertante que nos obriga a olhar para dentro.

Fazer o nosso melhor, explicou Cortella, não significa apenas aperfeiçoar uma técnica ou adquirir mais conhecimento. Envolve um compromisso ético e estético: fazer bem o que precisa ser feito e, ao mesmo tempo, fazer de forma bela, digna, significativa. Como um cozinheiro que não apenas prepara um prato, mas coloca ali seu esmero. Como um jornalista que não se contenta com uma pauta mediana, mas busca um ângulo mais profundo. Como um médico que não apenas prescreve, mas se importa. Como um professor que não apenas transmite, mas transforma.

Esmero foi a palavra que ganhou lugar privilegiado no palco e, ao fim da noite, no autógrafo grafado nos exemplares dos livros levados carinhosamente pelos leitores presentes. Cortella a descobriu em Os Maias, de Eça de Queirós, na cena em que Baptista recebe Carlos e “preparava com esmero um grogue quente”. Para ele, esmero vai além do cuidado: é o refinamento que dá polimento ao que fazemos, elevando cada ação ao seu melhor acabamento possível.

Conversamos também sobre a síndrome do possível, essa armadilha do conformismo em que nos contentamos com o mínimo necessário para seguir adiante. Quantas vezes ouvimos (ou dizemos) eu fiz o possível quando poderíamos ter nos esforçado mais? E o quanto essa mentalidade, tão enraizada, nos afasta da excelência? No palco, rimos da lembrança de um boletim escolar cheio de notas medianas e da justificativa clássica: pai, deu para passar. Passar não é suficiente. Viver no rascunho não basta.

Entre tantas reflexões, ficou um ensinamento precioso: a excelência não é um ponto de chegada, mas um horizonte. Não é um troféu para ser ostentado, mas um compromisso diário. Não exige perfeição, mas exige que estejamos em movimento. Fazer o nosso melhor, na condição que temos, enquanto não temos condições melhores para fazer ainda melhor.

E quando o talk show chegou ao fim, depois de um mergulho profundo nessas ideias, deixei o palco com a certeza de que aquele encontro não terminava ali. As palavras de Cortella ecoariam nos pensamentos do público, assim como ressoavam em mim. Enquanto nos despedíamos, troquei com ele um sorriso e disse, com a simplicidade que o momento pedia:

— Valeu, Cortella.

E valeu mesmo. Porque foi um daqueles encontros que fazem valer a pena.

Ouça a entrevista completa com Mário Sérgio Cortella

Mundo Corporativo: participação feminina cresceu quase 500% em 13 anos no programa

Kátia Regina, da Nestlé, foi uma das mulheres entrevistadas Foto: Priscila Gubiotti

No sábado (01.02), o Mundo Corporativo estará de volta com entrevistas inéditas, marcando a abertura da temporada 2025. Ainda nesta semana, retomo as gravações para este que é o mais longevo programa de rádio sobre carreiras, gestão, liderança, empresas e empreendedorismo. No ar há 23 anos, sendo os últimos 14 sob minha direção, já conduzi mais de 600 entrevistas — por minha conta e risco, e, claro, sob a supervisão do jornalismo da CBN. Nesse período, conversei com CEOs, empreendedores, criadores e consultores, acompanhando as transformações do mundo corporativo.

Nosso objetivo sempre foi refletir as mudanças nas organizações, trazendo os temas mais relevantes para o mercado de trabalho. Entre eles, a crescente participação feminina e a importância da diversidade e equidade nas empresas. 

Mas foi apenas em 2019 que me dei conta de que o Mundo Corporativo ainda não refletia, na prática, as transformações que discutíamos no programa. Até então, a maioria dos entrevistados eram homens brancos, o que espelhava a realidade das empresas: um mercado dominado por lideranças masculinas.

Identificada a desigualdade, busquei entender suas causas. Como programa tem relevância, recebemos muitas sugestões de entrevistas, com profissionais altamente qualificados. No entanto, uma conta simples mostrava que, a cada dez indicações, oito eram de homens e apenas duas de mulheres. Era com base nesse elenco que fazíamos nossas escolhas. Ou seja, a lista era enviesada.

Diante disso, decidimos agir. Se as empresas e agências de comunicação ainda não nos conectavam com as CEOs, empresárias, empreendedoras, conselheiras e consultoras, nós iríamos buscá-las.

Hoje, quando temos um tema que nos interessa e a escolha for entre um homem e uma mulher, optamos pela mulher. Jamais abriremos mão da excelência. Jamais. Porém, por muitos anos, os homens foram os privilegiados nessa escolha.

A partir daquela decisão, o Mundo Corporativo começou a mudar. E os números mostram a transformação.  

Em 2019, entre os entrevistados, 35 eram homens e apenas 8 mulheres — um desequilíbrio de 81% contra 19%. 

Em 2020, a mudança começou: 30 homens e 14 mulheres (68% a 32%). 

O avanço mais expressivo ocorreu em 2023, quando as mulheres superaram os homens pela primeira vez: 24 entrevistadas contra 21 entrevistados, uma inversão da tendência anterior, com 53% de participação feminina. 

Em 2024, o equilíbrio se manteve: fechamos 29 entrevistas com mulheres e 26 com homens (52,7% a 47,3%).

Essa evolução reflete um esforço contínuo para ampliar a representatividade e enriquecer o debate corporativo. Desde que assumi a apresentação do programa, em 2011, a presença feminina cresceu 480%. 

Ao mesmo tempo que comemoro o resultado com toda a equipe de produção do Mundo Corporativo, é preciso reforçar: essa mudança não é um favor às mulheres. Tampouco uma concessão. É uma correção de rota. Transformações como essa só acontecem quando reconhecemos nossos vieses e nos propomos a agir. 

E a diversidade não pode se limitar ao gênero. É preciso ampliar ainda mais esse olhar, promovendo maior inclusão racial e étnica para que o espaço seja verdadeiramente plural — onde talento e competência definam quem ocupa cada posição. 

Não por acaso, a entrevista que marca o início da temporada 2025 será com Carlos Humberto, CEO da Diaspora.black, empresa que desenvolve o afroturismo e incentiva a incorporação da diversidade e inclusão no ambiente corporativo. Um tema que se torna cada vez mais urgente para atender às demandas das novas gerações.

Rádio, cinema e mais uma emoção

“O rádio ao vivo é uma paixão antiga…” Foi com essa frase que iniciei meu texto de ontem, no qual relatei a emoção de transmitir aos ouvintes a vitória do tenista João Fonseca no Aberto da Austrália. Não imaginava que encontraria motivo para retomá-la tão rapidamente.

Hoje, durante a apresentação do Jornal da CBN, ao lado da Cássia Godoy, vivemos mais um daqueles momentos que guardaremos para sempre na memória e no coração. Anunciamos, em primeira mão e ao vivo, para a atriz Valentina Herszage que o filme do qual ela é uma das protagonistas, Ainda Estou Aqui, acabara de ser indicado como finalista do BAFTA, o principal prêmio do cinema no Reino Unido.

Valentina, que interpreta Veroca, a filha mais velha de Eunice Paiva, reagiu visivelmente emocionada à notícia:

“Meu Deus, gente! Gente, que fantástico! É tanta coisa boa, a gente nem sabe mais como reagir, vai ficando sem palavras assim…” disse a atriz, aos 26 anos.

No silêncio que fiz após o anúncio, para acolher a emoção da atriz, acabei me emocionando também, como imagino ter acontecido com muitos dos ouvintes que nos acompanhavam.

Fazer rádio é bom demais!