Fui testemunha de uma cena comovente, no domingo pela manhã, em uma das principais avenidas do bairro em que moro, na zona Oeste da capital. Havia um sol escaldante e termômetros de rua registrando mais de 30 graus. Coisa de louco. As ruas estavam quase vazias. Qualquer um de nós desejaríamos estar à sombra. Quem sabe na piscina do vizinho para refrescar. Eu — sem nenhum vizinho que me convidasse para o banho — só havia me arriscado sair de casa porque fui buscar um pote de sorvete na padaria mais próxima.
O desconforto e os riscos à saúde provocados por este verão de 2019 não foram suficientes para impedir que dois cidadãos paulistanos levantassem uma escada de alumínio, tão alta quanto o poste que eles almejavam alcançar, e deixassem registrada uma mensagem de gratidão a dois políticos da cidade de São Paulo. A homenagem estava em forma de faixa. Tinha o fundo amarelo para que as letras em azul, vermelho e roxo se destacassem — afinal, o que mais interessava naquele gesto cidadão era enaltecer o nome dos representantes do povo.
Como minha caminhada se estendeu por mais alguns quarteirões, logo percebi que o trabalho daqueles dois cidadãos era muito maior do que eu imaginava. Eles haviam repetido a cena em ao menos mais três pontos da avenida —- onde encontrei a faixa com o mesmo padrão pendurada entre postes.
Fiquei imaginando, o tamanho da gratidão deles. Deixaram suas famílias em um domingo pela manhã, quando poderiam muito bem estar brincando com as crianças ou quem sabe iniciando os preparativos para o churrasco servido com cerveja bem gelada. Não se fizeram de rogados diante dos riscos impostos pelo calor. Levantaram a escada não apenas uma, mas duas, três, quatro, oito vezes —- sim, porque para cada homenagem pública eram necessárias duas “trepadas” de escada.
Não faria isso nem que me pagassem, pensei comigo mesmo —- e fiquei um pouco constrangido com os meus pensamentos, que se pareceram mesquinhos diante daquela atitude voluntária dos dois cidadãos. Logo eu que me dedico a convencer as pessoas da importância de acompanhar o trabalho do homem público, fiscalizar a ação dos nossos representantes na Câmara Municipal e ficar atentos a forma como gastam o nosso dinheiro. Deveria ter parado diante deles, aplaudido em pé e parabenizado a dupla pela atitude adotada. Mas não. Apenas olhei e segui em frente. Minto, também registrei o feito em foto para quem sabe incentivar outros cidadãos.
Já sem o efeito do calor, mais relaxado em casa e pote de sorvete desbravado, fui rever as imagens que estavam em meu celular. Incrédulo que sou, cheguei a pensar na possibilidade de aqueles dois rapazes serem apenas funcionários de alguma empresa que confecciona faixas na cidade. Talvez eles tivessem sido pagos por alguém para fazer a homenagem. Um outro cidadão? Não sei.
Foi, então, que chafurdei no pior que tem de meus pensamentos. Teria sido um dos citados na faixa o autor da homenagem? E sendo um dos citados vereador, ele teria feito a auto-homenagem com a verba indenizatória que custeia os serviços contratados pelos legisladores?
Que vergonha, Mílton! Pensar uma coisa dessas.
Perdoe-me caro e raro leitor deste blog. Só pode ser efeito do forte calor. Vereador nenhum desse país usaria dinheiro público para fazer auto-homenagem e ter algum ganho político com obra que é obrigação do município — não é mesmo? Além disso, todos sabemos, graças a Camões, que elogio em boca própria é vitupério.
Apesar de considerar singela a atitude dos dois cidadãos que estenderam seus agradecimentos pelo recapeamento da avenida Guilherme Dumont Vilares, gostaria de alertar que é proibido pendurar faixas na cidade, sem autorização da prefeitura. O que, certamente, é de conhecimento do vereador Isac Felix do PR que já foi chefe de gabinete na subprefeitura do Campo Limpo e tem seu nome estampado na auto-homenagem. Ops, na homenagem cidadã!
PS: Além de desrespeitar a lei municipal, a faixa também comete erro de português. Agradecer é verbo transitivo indireto quando se refere a pessoa. Portanto a regência correta é “agradecer ao prefeito” —- como está escrito ao lado do nome de Bruno Covas — e não “agradecer o vereador” —- como está logo abaixo.





