De Guri a Cavaliere: uma jornada de raízes e honrarias italianas

Recebo o título das mãos de Domenico Fornara e Lívia Satullo

Um domingo de memórias, emoções e lágrimas. Um dia para reviver os tempos daquele guri que, de mãos dadas com os pais, visitava a família Ferretti, em Caxias do Sul. A casa preferida na serra gaúcha era a da Tia Olga, na avenida Júlio de Castilhos. Um casarão de madeira com dois andares, cujo piso rangia a cada passo, e me encantava com suas enormes maçanetas de ferro nas portas dos quartos. Na mesa de jantar, a fartura de sempre, com sabor de massa caseira. No quintal, um poço que abastecia a família.

Sou italiano de origem e de temperamento, embora o nome que carrego no jornalismo não deixe isso claro. Sou Ferretti por obra e acaso do bisnonno Vitaliano, que, aos 20 anos, deixou Ferrara, na região da Emília-Romagna, para seguir o caminho de milhares de outros italianos rumo ao Brasil. Chegou aqui em 1897, passou por Minas Gerais, desceu para Porto Alegre e se estabeleceu em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. Casado com a bisa Elvira, Vitalino teve 11 filhos. Uma delas foi minha nonna Ione, mãe do meu pai, a quem devo a gratidão por me batizar com o sobrenome Ferretti.

Hoje, nos altos do centenário Edifício Martinelli, recebi o título de Cavaliere Dell’Ordine Della Stella D’Italia, concedido pelo presidente da Itália, Sérgio Mattarella. A honraria me foi entregue pelas mãos do cônsul-geral Domenico Fornara e da vice-cônsul Lívia Satullo, que têm desempenhado um trabalho admirável ao fortalecer a marca da italianidade contemporânea no Brasil, continuando uma história que ajudou a moldar São Paulo.

O orgulho foi ainda maior ao saber que essa homenagem veio no ano em que celebramos os 150 anos da imigração italiana no Brasil. Foi graças a gente como o bisnonno Vitaliano que muito do que somos e fazemos hoje se tornou possível. Em várias regiões do Brasil — com destaque especial para o meu Rio Grande do Sul — a cultura italiana se faz presente nos sotaques, nos sabores, nos saberes e nos dizeres.

Nas poucas palavras que consegui articular, dominado pela emoção do momento, ao participar do lançamento da 13ª Settimana della Cucina Regionale Italiana, lembrei da minha infância com a vó e os tios Ferretti, em Caxias do Sul. Aproveitei para agradecer a todos que me abriram as portas da Itália e me apresentaram parte da riqueza histórica que o país guarda. E aqui fiz minha reverência especial aos cunhados Buccoliero e Guccione.

Tive ainda tempo para recordar a calorosa recepção que recebi no consulado italiano em São Paulo, por Filippo La Rosa, atualmente de volta a Roma — um diplomata de generosidade e cultura ímpares. Além disso, fiz questão de mencionar Walter Fanganiello Maierovitch, meu amigo e colega, que você ouve toda quinta-feira no Jornal da CBN. Ele foi essencial nessa jornada, despertando em mim o interesse e a curiosidade pela história das famílias italianas.

Haveria muitos outros nomes para citar nessa caminhada que me levou à honraria da República da Itália, mas a emoção restringiu minha memória, e a prudência pedia que o discurso fosse breve, para que todos pudessem aproveitar o prosciutto e o vinho nazionale servidos com esmero no evento.

Conte Sua História de São Paulo: Rita Lee desbravou a floresta do Ibirapuera

No Conte Sua Historia de São Paulo, uma homenagem a Rita Lee, nascida em 1947 e vivida, boa parte de seu tempo, na Vila Mariana. Morta na segunda-feira, dia 8 de maio, aos 75 anos. Rita era apaixonada pela cidade. Selecionamos um dos capítulos do livro RITA LEE: UMA AUTOBIOGRAFIA para expressar essa relação dela com a capital paulista, quando escreve sobre as visitas que a família dela, a familia Jones, fazia ao parque do Ibirapuera:

Floresta encantada 

Antes de virar parque, a floresta do Ibirapuera era o lugar perfeito para os piqueniques dos Jones, domingo sim, domingo não. 

Socadas no Jeep com Charles pilotando, as seis mulheres equilibravam cestas de comidas e ferramentas de jardinagem. 

Estacionávamos em frente ao Instituto Biológico e de lá seguíamos a pé dois quarteirões até a entrada da floresta. 

A imensidão do lugar nos convidava a abrir pequenas clareiras em pontos diferentes, onde montávamos um pequeno acampamento. 

Cada um de nós escolhia uma árvore ou planta para “tomar conta”, limpando ervas daninhas, juntando folhas mortas e batizando as plantas, por exemplo: pela exuberância, samambaias eram doñas Mercedes; eucaliptos eram Horácios, um primo nosso alto e magro com pele descascada; Carmens Mirandas eram as bromélias. Flores levavam nossos nomes por “usucapião estético”; e Ritas, claro, eram as marias-sem-vergonha. 

A família Buscapé plantava milho, cana, melancia, café, banana, verduras, legumes. Podia-se dizer que vários cantinhos do Ibirapuera viraram uma feirinha para chamar de nossa. 

O sonho acabou no quarto centenário de São Paulo, quando grande parte da floresta virou asfalto, cimento e construções de gosto duvidoso. Charles, inconsolável, se recusou a comparecer à festa de abertura. O harém foi, ficamos encantadas com as flâmulas prateadas que os aviões despejavam sobre o povo e tristes de ver nossas hortinhas destruídas.

Quando chegamos em casa, Charles disse: “Vocês por acaso sabem o que significa a palavra Ibirapuera em guarani? Ibirá = árvore, puera = lugar onde havia. Ou seja: lugar onde havia árvore. Os índios previram essa catástrofe e vocês foram lá aplaudir”. Um minuto de silêncio vergonhoso.

RITA LEE é nossa personagem no Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Claudio Antonio. Seja você também uma personagem da nossa cidade. Escreva seu texto e envie agora para contesuahistoria@cbn.com.br Para ouvir outros capitulos da nossa cidade visite o meu blog miltonjung.com.br e o podcast do Conte Sua Historia de São Paulo.

As palavras que definem Maradona

Reprodução de vídeo do site Clarín

 

A notícia da morte de Diego chegou em um alerta no celular. Daquela chamada curta que dizia o necessário e definitivo até agora, não tive coragem de escrever uma só linha sobre a morte de “Diez”. Nada que eu pensasse já não haveria de ter sido pensado por gente muito mais habilidosa com as letras. Temos cronistas, esportivos ou não, qualificados para homenagear com seu talento o talento de Maradona. A leitura dos jornais nesta manhã, as publicações na internet e as homenagens no rádio e na televisão deixam isso bem claro. E faço o convite para que você vá na banca mais próxima e compre todas as edições de jornais deste 26 de novembro de 2020 — serão históricas.

Para bloquear qualquer criatividade que me restasse, ainda ouvi a pergunta de minha mulher, na mesa do jantar: “o que o pai escreveria sobre a morte de Maradona?”. O pai ao qual ela se refere é o meu pai, Milton Ferretti Jung, mais conhecido por narrador de esportes e de notícias, mas, também, cronista de qualidade irretocável. Não bastasse o prazer de ouvi-lo interpretando textos que escrevia na rádio Guaíba, de Porto Alegre — preferia datilografar suas ideias no papel em lugar de fazer de improviso, em respeito às palavras –, por algum tempo publicou crônicas nos jornais da Companhia Jornalística Caldas Júnior.

Não me atrevo a arriscar o que o pai escreveria de Maradona, o craque que nasceu na Argentina, país pelo qual ele — o pai — sempre admirou pelas carnes, pelos vinhos, pela cultura, pelas ruas de Buenos Aires e por Maradona, também. No armário, onde ficaram as roupas deixadas pelo pai, quando morreu, no ano passado, encontrei a camisa do Boca Junior — certamente comprada na Bombonera em uma das muitas visitas que fez ao estádio que aplaudiu o futebol de Maradona. Provavelmente escreveria texto memorável e o leria com todas as letras e caprichando na pronúncia espanhola.

Sem palavras — por comedimento, respeito e não me sentir a altura dessa turma boa de cronistas que temos —, recorri a biblioteca que tenho aqui em casa e encontrei o livro “Fechado por motivo de futebol”, de Eduardo Galeano, uruguaio que escreve como poucos sobre a vida e o futebol. Foi Galeano, como lembrado em muitas das reportagens publicadas desde ontem, que definiu Maradona como “o mais humano dos deuses”. No livro, a primeira crônica é Galeano revelando o sonho de ser jogador de futebol; a segunda, é do nascimento de Maradona — que li ao fim do Jornal da CBN, desta quinta-feira; e a terceira é a homenagem eternizada que reproduzo a seguir, porque Galeano, em 221 palavras, fez o que nenhum de nós conseguiria fazer tão bem: descreveu Maradona, do início ao fim.

Nenhum jogador consagrado tinha denunciado sem papas na língua os amos do negócio do futebol. Foi o esportista mais famoso e popular de todos os tempos quem rompeu barreiras na defesa dos jogadores que não eram famosos nem populares.

Esse ídolo generoso e solidário tinha sido capaz de cometer, em apenas cinco minutos os dois gols mais contraditórios de toda a história do futebol. Seus devotos o veneravam pelos dois: não apenas era digno de admiração o gol do artista, bordado pelas diabruras de suas pernas, como também, e talvez mais, o gol do ladrão, que sua mão roubou. Diego Armando Maradona foi adorado não apenas por causa de seus prodigiosos malabarismos, mas também porque era um deus sujo, pecador, o mais humano dos deuses. Qualquer um podia reconhecer nele uma síntese ambulante das fraquezas humanas: mulherengo, beberrão, comilão, malandro, mentiroso, fanfarrão, irresponsável.

Mas os deuses não se aposentam, por mais humanos que sejam.

Ele jamais conseguiu voltar para a anônima multidão de onde vinha.

A fama, que o havia salvo da miséria, tornou-o prisioneiro.

Maradona foi condenado a se achar Maradona e obrigado a ser a estrela de cada festa, o bebê de cada batismo, o morto de cada velório. Mais devastadora que a cocaína foi a sucessoína. As análises, de urina ou de sangue, não detectam essa droga.”

Adote um Vereador: uma homenagem na faixa ou uma auto-homenagem com dinheiro público?

 

 

Fui testemunha de uma cena comovente, no domingo pela manhã, em uma das principais avenidas do bairro em que moro, na zona Oeste da capital. Havia um sol escaldante e termômetros de rua registrando mais de 30 graus. Coisa de louco. As ruas estavam quase vazias. Qualquer um de nós desejaríamos estar à sombra. Quem sabe na piscina do vizinho para refrescar. Eu — sem nenhum vizinho que me convidasse para o banho — só havia me arriscado sair de casa porque fui buscar um pote de sorvete na padaria mais próxima.

 

O desconforto e os riscos à saúde provocados por este verão de 2019 não foram suficientes para impedir que dois cidadãos paulistanos levantassem uma escada de alumínio, tão alta quanto o poste que eles almejavam alcançar, e deixassem registrada uma mensagem de gratidão a dois políticos da cidade de São Paulo. A homenagem estava em forma de faixa. Tinha o fundo amarelo para que as letras em azul, vermelho e roxo se destacassem — afinal, o que mais interessava naquele gesto cidadão era enaltecer o nome dos representantes do povo.

 

Como minha caminhada se estendeu por mais alguns quarteirões, logo percebi que o trabalho daqueles dois cidadãos era muito maior do que eu imaginava. Eles haviam repetido a cena em ao menos mais três pontos da avenida —- onde encontrei a faixa com o mesmo padrão pendurada entre postes.

 

Fiquei imaginando, o tamanho da gratidão deles. Deixaram suas famílias em um domingo pela manhã, quando poderiam muito bem estar brincando com as crianças ou quem sabe iniciando os preparativos para o churrasco servido com cerveja bem gelada. Não se fizeram de rogados diante dos riscos impostos pelo calor. Levantaram a escada não apenas uma, mas duas, três, quatro, oito vezes —- sim, porque para cada homenagem pública eram necessárias duas “trepadas” de escada.

 

Não faria isso nem que me pagassem, pensei comigo mesmo —- e fiquei um pouco constrangido com os meus pensamentos, que se pareceram mesquinhos diante daquela atitude voluntária dos dois cidadãos. Logo eu que me dedico a convencer as pessoas da importância de acompanhar o trabalho do homem público, fiscalizar a ação dos nossos representantes na Câmara Municipal e ficar atentos a forma como gastam o nosso dinheiro. Deveria ter parado diante deles, aplaudido em pé e parabenizado a dupla pela atitude adotada. Mas não. Apenas olhei e segui em frente. Minto, também registrei o feito em foto para quem sabe incentivar outros cidadãos.

 

Já sem o efeito do calor, mais relaxado em casa e pote de sorvete desbravado, fui rever as imagens que estavam em meu celular. Incrédulo que sou, cheguei a pensar na possibilidade de aqueles dois rapazes serem apenas funcionários de alguma empresa que confecciona faixas na cidade. Talvez eles tivessem sido pagos por alguém para fazer a homenagem. Um outro cidadão? Não sei.

 

Foi, então, que chafurdei no pior que tem de meus pensamentos. Teria sido um dos citados na faixa o autor da homenagem? E sendo um dos citados vereador, ele teria feito a auto-homenagem com a verba indenizatória que custeia os serviços contratados pelos legisladores?

 

Que vergonha, Mílton! Pensar uma coisa dessas.

 

Perdoe-me caro e raro leitor deste blog. Só pode ser efeito do forte calor. Vereador nenhum desse país usaria dinheiro público para fazer auto-homenagem e ter algum ganho político com obra que é obrigação do município — não é mesmo? Além disso, todos sabemos, graças a Camões, que elogio em boca própria é vitupério.

 

Apesar de considerar singela a atitude dos dois cidadãos que estenderam seus agradecimentos pelo recapeamento da avenida Guilherme Dumont Vilares, gostaria de alertar que é proibido pendurar faixas na cidade, sem autorização da prefeitura. O que, certamente, é de conhecimento do vereador Isac Felix do PR que já foi chefe de gabinete na subprefeitura do Campo Limpo e tem seu nome estampado na auto-homenagem. Ops, na homenagem cidadã!

 

PS: Além de desrespeitar a lei municipal, a faixa também comete erro de português. Agradecer é verbo transitivo indireto quando se refere a pessoa. Portanto a regência correta é “agradecer ao prefeito” —- como está escrito ao lado do nome de Bruno Covas — e não “agradecer o vereador” —- como está logo abaixo.

Aos professores que influenciaram nossas vidas

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Era cedo ainda quando fui provocado a falar na rádio do dia dos professores, comemorado nesta segunda-feira, 15 de outubro. Meu colega Frederico Goulart, apresentador do CBN Primeiras Notícias, com quem bato-bola no ar, pouco antes das seis da manhã, chamou atenção para dados do Censo da Educação Superior que mostram que a pedagogia foi a carreira que mais atraiu universitários, em 2017. Do total de calouros registrados, 9,2% entraram no ensino superior se matriculando no curso. Também é da pedagogia, o maior número de alunos prestes a se formar, no ano passado: 10,5%, segundo o Censo.

As estatísticas chamam atenção porque sabemos o quanto os professores são pouco valorizados no Brasil e a situação que enfrentam na sala de aula. Serviram, também, de gancho para Frederico e eu homenagearmos esses profissionais. Em particular, lembrei de minha irmã, Jacqueline, que é professora, em Porto Alegre, e registra em seu currículo uma série de belas histórias com seus alunos — alguns já bem grandinhos e agradecidos pelo que aprenderam com ela. Houve momentos de frustração, sem dúvida; tristeza, com certeza; mas seu papel diante dos alunos sempre foi digno e merecedor de destaque. Tenho orgulho do que ela faz.

Na conversa com Fred, puxei da memória o nome de alguns dos professores que marcaram minha trajetória na escola e surpreendi a produção do programa, dada a fama que tenho de esquecer nomes e datas. E se lembrei sem pestanejar, foi porque realmente tiveram influência na minha formação, como foi o caso do Gílson de Matemática, que conseguiu me ensinar muito mais para a vida do que para os cálculos — e se não aprendi matemática como deveria, por favor, saiba que a responsabilidade não foi dele. Ou do Otávio, de Biologia — outro que me forjou caráter e personalidade. Ambos, professores no Colégio Nossa Senhora do Rosário, onde estudei boa parte da minha infância e adolescência.

Nome que também guardei na memória é o de Maria Helena, a professora de artes. Escrevo sobre ela no livro ‘É proibido calar!” ; e reproduzo o trecho a seguir para homenagear todos os professores que passaram por nossas vidas — e aqueles todos que estão por vir:

Lembro como se fosse hoje o dia em que, na aula de artes, sentado à mesa de desenho, comentei com a professora Maria Helena – jamais esqueci o nome dela — sobre estar recebendo lições de violão no mesmo local onde havia uma famosa escola de balé. “Mas estou fazendo violão, viu!” —- comentei, antes que ela pensasse que estava aprendendo a dança clássica. Como um tapa na minha moral retorcida, ela perguntou, de imediato: “E qual seria o problema se estivesse fazendo balé?” Preconceito arrancado pela raiz. Lição aprendida para a vida.

Como São Carlos acabou com homenagem a torturador

 

Jornalirismo

Nomes de ditadores e torturadores estão em praças, viadutos, ruas e avenidas de cidades brasileiras. Dificilmente, alguém se atreve a propor mudanças revendo as homenagens (indevidas) feitas no passado. A cidade de São Carlos, na região central de São Paulo, teve esta iniciativa descrita em reportagem publicada no site Jornalirismo e assinada por Wellington Ramalhoso, substituindo o delegado Fleury por Dom Helder Câmara:

A história é feita e refeita todos os dias, de todos os lados. O ano de 2009 vai embora e arrasta um triste símbolo da história recente do país. Na cidade de São Carlos, no interior de São Paulo (a 230 quilômetros da capital), chegou ao fim uma homenagem ao mais cruel torturador da ditadura militar. A rua que levava o nome do delegado Sergio Paranhos Fleury passou a se chamar Dom Hélder Câmara.

Por mais de 29 anos, o nome do delegado batizou a pacata via com duas quadras residenciais no bairro Vila Marina, perto da movimentada rodovia Washington Luiz e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Era como se o sarcasmo e a crueldade característicos do personagem estivessem ali reproduzidos, perturbando nos mapas a consciência de quem tenta construir uma sociedade mais justa e livre. Era como se o desrespeito e o desprezo ao sofrimento dos torturados se perpetuassem.

Era assim por causa de um decreto assinado em 15 de maio de 1980 pelo então prefeito de São Carlos, Antonio Massei. Até então a rua levava o nome de travessa G. O entorno era pouco ocupado, mas a referência da região já era a delegacia erguida ali ao lado, na rua Santos Dumont, da qual sai a via em questão.

Massei foi uma figura histórica da política local. Teve três mandatos como prefeito da cidade – o primeiro ainda na década de 50. Segundo o presidente da Câmara Municipal de São Carlos, Lineu Navarro (PT), autor do projeto que retira o nome de Fleury, Massei sempre foi eleito com o apoio das camadas populares do município e não tinha vínculos com o movimento de repressão à oposição durante a ditadura. Lineu e moradores da rua atribuem a decisão de Massei de homenagear Fleury à influência de policiais que atuavam na delegacia vizinha. O batismo da rua foi determinado sem consulta aos vereadores da época.

Naquele mês, completava-se um ano da morte de Fleury. O delegado teria se afogado no mar de Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, ao lado de um iate recém-comprado, no dia primeiro de maio de 1979. O caso ganhou ar de mistério por causa do passado de Fleury e pelo fato de a polícia paulista não ter permitido a autópsia do corpo.


Leia a reportagem completa no site Jornalirismo