Conte Sua História de São Paulo: mudei o caminho para relembrar a Ilha do Bororé

Jorge Almeida

Ouvinte da CBN

Balsa na Ilha de Bororé
A balsa para a Ilha do Bororé Foto: Devanir Amancio

Quando eu era criança, nos anos de 1990, frequentava quinzenalmente a Ilha do Bororé, extremo sul da capital paulista. Meu pai, Jorge Miguel de Almeida, potiguar, cinco filhos, pintor de automóveis, não dispensava uma pescaria. Sempre que podia, saia religiosamente às seis da manhã, do Jardim São Luis com destino a Ilha do Bororé.

Seu Jorge nunca ia sozinho: quando não era um dos amigos de copo, chamava um dos filhos. Geralmente meu saudoso irmão Jair ou este que vos fala. Nunca fui interessado por ficar à beira da represa Billings, horas e horas, a espera de um peixe fisgar a isca da vara de pescar. Gostava mesmo era da viagem.

Embarcávamos no ônibus que estampava no letreiro “Represa”. De verdade, o ônibus fazia ponto final na avenida De Pinedo. Descíamos perto da ponte do Socorro e seguíamos no 6079/10 – Ilha do Bororé, da extinta viação São Camilo. Assim que passávamos a entrada do Jardim Eliana, na Belmira Marin, encontrávamos a longa fila de carros para atravessar a balsa. A gente aproveitava para debochar dos motoristas, a medida que os ônibus não precisavam esperar na fila. O ponto final era na segunda balsa, quando meu pai e eu desembarcávamos para fazer a travessia, no limite com São Bernardo.

Já do outro lado, meu pai preparava seu arsenal de varas, anzóis, iscas, tarrafas e tudo aquilo que um pescador necessitava. Sem paciência para pescar, gostava mesmo é de dar uns mergulhos na represa.

Em 1994, com 12 anos, ganhei um título do clube de campo Village Santa Mônica, que ficava na própria Ilha do Bororé, por conta de uma redação que fiz na escola. O que fez aumentar a frequência naquele pedaço de Mata Atlântica. Época em que o rolê ganhou novos adeptos e o comboio familiar era formado por três Kombis. Uns pescavam enquanto outros cuidavam do piquenique e da churrasqueira. Eu e meus irmãos aproveitávamos a piscina. O clube foi vendido e nós deixamos de visitar a Ilha do Bororé.

Em 2018, 22 anos depois da minha última visita na ilha, estava levando minha afilhada no Cantinho do Céu. Na volta para casa, em vez de seguir pelo caminho de praxe, fiz a logística inversa: embarquei no ônibus para a Ilha do Bororé. Fui até a segunda balsa. Peguei outro ônibus, o EMAE, até a balsa João Basso. E mais outro até o centro de São Bernardo. De lá, embarquei em um trólebus pelo corredor metropolitano até o terminal Diadema. Segui pelo corredor ABD até a estação Brooklin, na linha 5-Lilás, do metrô. Enfim, cheguei em casa. 

Uma viagem enorme que valeu pelas lembranças dos meus tempos de Ilha do Bororé.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Jorge Almeida Jr. é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva o seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, viste o meu blog, miltonjung.com.br, e o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo: fomos pescar na Ilha do Bororé

Durval Pedroso

Ouvinte da CBN

Reprodução de foto do site Refugios no Interior

Era julho de 1962, nascido no Bexiga, eu passava alguns dias de férias na casa de minha avó Antônia, em Santo Amaro. Foi quando recebi um telefonema de meu pai, num domingo de manhã, em que ele dizia que no fim da tarde me buscaria para cumprir uma promessa antiga: me levar a uma pescaria. 

Ele apareceu de caminhão, às quatro e meia da tarde, com mais seis pessoas — dois meninos de idade semelhante a minha, 11 anos, filhos de um dos seus quatro amigos. Subi na carroceria e meu pai foi na boleia. Logo avisou que precisávamos andar rápido, uma vez que a última balsa que ligava o Grajaú a Ilha do Bororé saía às seis da tarde. Chegamos um pouco antes do horário e fizemos a travessia. 

Acampamos à beira da represa Billings, em um pequeno rancho de um dos amigos. Chegamos quase sete da noite e estava relativamente escuro. O rancho parecia mais com uma garagem sem porta: três paredes e uma cobertura de sapé; mal cabiam cinco pessoas e nós estávamos em oito. Foi então que entendi a razão deles tirarem do caminhão uma grande lona, que seria colocada em frente à entrada para formar uma barraca. 

Foi o Zé Mineiro, um dos amigos do papai, quem deu por falta de duas grandes caixas de madeira onde estava toda a nossa comida, a cachaça e as garrafas d’agua. Tinham ficado na casa dele no bairro do Socorro.

Meu pai, que era o mais velho de todos, pediu calma e lembrou que o Seu Augusto, dono do rancho, sabia onde tinha uma venda na ilha. Chegamos lá quando o dono já estava quase fechando. Só havia cachaça de cabeça do seu próprio alambique, cebolas, uma réstia de alho, um pedaço de bacalhau seco, que servia de tira gosto para as pingas, e, com muita boa vontade, o dono da venda arranjou duas xícaras de arroz. Esse seria o nosso banquete antes de dormir: uma sopa de arroz com cebolas. Eu que nunca tinha tomado sopa de cebola e muito menos comido cebola crua, não titubeie quando a fome bateu para valer. Também tomei o meu primeiro gole de cachaça na vida. Desceu queimando.

No dia seguinte, depois de um café preparado pelo Zé Mineiro, fomos para beira da represa. Estava frio e após mais de quatro horas tínhamos pegado poucos peixes — os meninos sequer pescamos algum. Foram suficientes para o almoço preparado pelo Seu Augusto, acompanhados de arroz, feijão e carne seca, comprados pela manhã.

Em meio as garfadas, meu pai e Zé Mineiro resolveram brincar com o nosso medo. Falaram que, na madrugada, ouviram corujas e miados de onça do mato. O efeito da história foi percebido assim que o Seu Augusto convocou os meninos a arrumar as coisas e voltar para Santo Amaro. Nossa produtividade superou a dos adultos.

A Ilha do Bororé é, ainda hoje, um dos rincões de São Paulo, com muita Mata Atlântica e pouca densidade demográfica. Aos fins de semana, recebe um bom número de turistas, que apreciam as beiras da Billings. A balsa segue sendo o único meio de acesso, agora com capacidade para 20 automóveis e funcionando 24 horas, inclusive aos domingos.

Durval Pedroso  é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Venha participar você também desta série especial em homenagem aos 469 anos da nossa cidade com textos sobre locais em que o verde e o meio ambiente foram preservados na capital paulista. Escreva agora e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. E vamos juntos comemorar mais um aniversário de São Paulo

Cães são abandonados na Ilha do Bororé

 

Ilha do Bororé São Paulo

O abandono de animais é outra face do descaso com a Ilha do Bororé, extremo sul de São Paulo, cenário de uma série de reportagens do CBN SP e aqui no Blog. Cães, especialmente, são deixados do outro lado da margem por donos irresponsáveis e desalmados. Com isso a população animal aumenta em uma área que já tem pouco para as pessoas e muitos desses bichos acabam sofrendo e morrendo.

Esta situação foi descrita pelo veterinário Wilson Grassi que foi ao Bororé e na conversa com moradores de lá e funcionários da balsa que faz o transporte de carros e pedestres pela Represa Billings. No blog que assina conta a seguinte história:

Alguns “filhos de Deus” atravessam a balsa com o cachorro na coleira, e os soltam do outro lado da represa para que os animais não consigam retornar. Seguimos mais um pouco pela estrada de terra que corta a ilha e chegamos na segunda balsa, que vai para o outro lado, em São Bernardo. Encontramos a mesma situação, mas desta vez os relatos incluem que além do abandono ser quase diário, inúmeros cães embarcam sozinhos na balsa, e atravessam a represa várias vezes por dia.

Durante a visita, monitorada por uma moradora do Bororé, identificada apenas como Inês, protetora dos animais, encontrou um Rotweiller em estado terminal que chegou a ser levado para tratamento, mas 15 dias depois morreu, infelizmente.

Quanto à situação do abandono na região da balsa, vamos tentar levar alguns mutirões de castração para lá, pedir a instalação de câmeras e sugerir a punição dos “filhos de Deus” que forem identificados


Leia o texto completo no blog de Wilson Grassi
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Subprefeito reconhece falhas na Ilha do Bororé

 

A casa na Ilha do Borore

A esperança é pouca para quem mora na Ilha do Bororé e arredores. É o que constato após ouvir o subprefeito da Capela do Socorro Valdir Ferreira falar das carências não apenas do local, mas de todo o bairro do Grajau, extremo sul de São Paulo. Sem verba e sem poder, tem pouco o que fazer – foi o que deixou claro na entrevista ao CBN SP. Se o assunto for creche municipal, iluminação pública, construção de vias para acesso entre outras melhorias necessárias, os moradores terão de esperar uma decisão da prefeitura.

Ouça a entrevista com o subprefeito de capela do Socorro, Valdir Ferreira.

Sobre a varrição, Valdir Ferreira disse que só é feita em vias com calçamento. E no Bororé existe apenas uma. O restante da Ilha tem serviço de limpeza mas sem a frequência que a região exige, principalmente por ser uma área de preservação.

Nem mesmo o número de moradores é conhecido pelos administradores. O subprefeito diz que devem ser 7 mil pessoas por lá, mas confessa ser difícil acompanhar o crescimento por ser área de grande adensamento. Tem muitos locais ocupados irregularmente e, segundo Ferreira, isto atrapalha as negociações para construção de creche, escola e equipamentos públicos.

Não concorda que os moradores do Bororé estejam abandonados. O Grajau, está. Não por esta administração, tenta nos convencer. Foram anos sem investimento, comenta.

E a creche ?
Ainda depende da secretaria de educação – diz o sub

E o calçamento da estrada que dá acesso à Ilha ?
Ainda depende da Secretaria do Verde – diz o sub

E as pessoas ?
Estamos conversando – diz o sub

E a Bororé?
Vai continuar esperando – digo eu.

Ministério Público investiga falta de creche no Bororé

 

A falta de creche municipal para as cerca de 300 crianças que moram na Ilha do Bororé, extremo sul de São Paulo, será investigada pelo Ministério Público. A promotora de Justiça da Infância e Juventude da capital, Luciana Bergamo Tchorbadjian, disse que passou a acompanhar o caso, nessa terça-feira, após ouvir entrevista no CBN São Paulo sobre a inexistência de vagas para os filhos das cerca de 3 mil famílias que vivem na região.

Ela explicou que a demanda por vagas em creches na cidade de São Paulo chega a 130 mil, sendo que o distrito do Grajaú, onde está a Ilha do Bororé, é um dos que mais sofrem com este problema. A promotora comentou que entende as dificuldades da prefeitura – entre estas, a falta de espaço para construção da creche -, mas que é uma obrigação do poder público, prevista em lei, resolver o drama dessas mães.

Ouça a entrevista com promotora de Justiça da Infância e Juventude da capital, Luciana Bergamo Tchorbadjian

Ações na justiça teriam garantido a abertura de ao menos 4 mil vagas na cidade de São Paulo, mas a prefeitura tem entrado com recursos nas instâncias superiores para ganhar tempo e conseguir construir creches ou assinar convênios com entidades privadas.

A prefeitura de São Paulo segue se negando a tratar da falta de estrutura oferecida aos moradores da Ilha do Bororé que não sofrem apenas pela falta de creches.

“Preciso que alguém ajude” diz moradora da Bororé

 

Ilha do Bororé

Na Ilha do Bororé desde 1994 e em São Paulo desde 1970, Dona Zinha tem uma batalha neste momento: terminar a creche para as cerca de 300 crianças que vivem no afastado bairro da zona sul da capital. Para chegar lá é preciso pegar a balsa na região do Grajaú e isso pode levar até cinco horas nos fins de semana quando aumenta o número de pessoas que vão aproveitar a represa de Guarapiranga e os sítios que têm na região.

Para quem está lá todos os dias, como Antônia Batista Santos, nome de batismo, há pouco para ser apreciado. Não dá tempo. É preciso cuidar do prédio da associação comunitária, pedir dinheiro para ampliar o salão da creche, se preocupar com a sujeira que fica após a passagem de turistas e os problemas na única escola – estadual – que tem na região.

Ouça a entrevista de Zinha, ao CBN SP

Nessa segunda-feira, alertamos para os problemas da Ilha do Bororé, no CBN SP, e no Blog, inclusive com uma sessão de fotografias (veja aqui). Desde lá esperamos uma resposta da prefeitura de São Paulo, ou da subprefeitura de Capela do Socorro, ou de qualquer autoridade pública interessada em atender às reclamações da comunidade.

Em três dias de buscas, ficaram claros os motivos que levam à carência na Ilha do Bororé. Nenhuma resposta até agora, nenhuma intenção em dar entrevista sobre o tema, nenhum respeito aos cerca de 3 mil moradores da Ilha. Uma vergonha para a maior cidade do País.