Conte Sua História de São Paulo 465 anos: na minha loja de R$ 1,99

 


Por Carlos Assis
Ouvinte da CBN

 

 

Avenida Inajar de Sousa, zona norte. Todo mundo passa correndo, todo mundo com pressa. Carros, caminhões, motos, ônibus articulados. Eu atravesso no farol, cautelosamente. Sete horas da manhã vou comprar pão na Sabor de Mel — gosto de acordar cedo e andar um pouco.

 

Tenho uma lojinha de 1,99, bem pequena, comércio de bairro. Que se mantém mais por teimosia dos donos que por lucro, as vendas foram muito fracas o ano todo. Abro às nove horas, na rua Reverendo José Carlos Nogueira. Pego uma cadeira de plástico e sento na porta da loja. As pessoas passam para ir a o trabalho, ao banco ou quaisquer outros afazeres. Dizem bom dia … o movimento está fraco estes dias. Mas eu e minha mulher não temos outro negócio, precisamos ganhar dinheiro. Temos de manter o negócio aberto .

 

Do outro lado da rua tem uma mecânica. Zezinho, filho e genro. Vivem empurrando carros velhos que os clientes largam na oficina, porque não têm dinheiro para pagar pelo serviço. Então tem sempre carro parado na minha porta. Mas não reclamo, o pessoal é boa gente.

 

Bom dia, vai com Deus! — fala a dona Dora, minha vizinha. Essa senhora e o cachorro ficam o dia inteiro no portão. Horas e mais horas de pé, cumprimentando todos que passam na calçada. Sempre alguém para e conversam, as mesmas pessoas todo dia.

 

De repente, entra uma cliente, compra um pano de chão e prendedor de roupa. Paga oito reais, rezo para que dê o dinheiro trocado. Ela paga e vai embora. Assim de grão em grão, faço algumas vendas, nada que me anime. Alguns clientes entram, olham os produtos, perguntam o preço e não compram nada. Digo até logo.

 

O rádio FM toca música sertaneja o dia inteiro, eu gosto de ouvir notícias na CBN, mas minha mulher colocou um aviso que é proibido mudar de estação. Cansei de brigar por isto. Vem algum conhecido, conversamos sobre política, falamos mal do governo. Nenhum governo é bom o suficiente para os mais necessitados. Reclamamos de tudo: dos buracos no asfalto, dos preços dos alimentos no supermercado, da falta de remédios no posto de saúde aqui do bairro. E só concordamos que a roubalheira é geral: — culpa do PT, eles dizem. Nem tento disfarçar o meu descontentamento com tamanha insensatez, afinal quem manda em São Paulo é o PSDB há muitos longos e penosos anos.

 

Espero o Metrô da Freguesia do Ó há mais de trinta anos e agora as obras estão paradas, caminham no tempo do SUS, vagarosamente como uma tartaruga ou um caramujo na grama. Como dizia o grande Adoniran Barbosa : – Paciência!

 

As pessoas começam a voltar para os seus lares, começa a escurecer — os dias são mais longos neste horário de verão . O bar da Teka na esquina já abriu, e o pessoal da mecânica e de uma serralheria aqui perto vai tomar uma cerveja. Ponho as coisas para dentro e baixo a porta de aço. Estou cansado, vou para casa. Outro dia se foi na minha folhinha do calendário.

 

Carlos Assis é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Participe desta séria em homenagem aos 465 anos da nossa cidade: escreva seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos de São Paulo visite o meu blog miltonjung.com.br

 

Conte Sua História de SP: amor pela Vila Nova Cachoeirinha

 


Por Alecir Macedo
Ouvinte da CBN e do Adote Um Vereador

 

Ouça aqui esta história sonorizada pelo Cláudio Antonio

 



Minha história em São Paulo teve início em meados de novembro de 1978. 
Em dificuldades financeiras, com 20 anos, recém-casado e 
filho de quatro meses, morando em cidade pequena com empregos escassos, 
resolvi tentar a sorte na cidade grande como tantos outras pessoas 
recebidas por aqui com os braços abertos. A esposa e o filho ficaram na 
casa de minha mãe.

 

Sem nenhum conhecimento, apenas um convite de um cunhado que conhecera 
alguns meses atrás, em visita a minha sogra, para que viesse tentar a 
sorte por aqui. Como referência apenas uma orientação: pega o ônibus na 
praça Princesa Isabel com destino ao Jardim Peri. Pede ao cobrador que 
lhe avise quando chegar perto da maternidade Vila Nova Cachoeirinha, 
disse ele. Desça e atravesse a avenida, vá a um bar na esquina e 
procure por mim. Caso não encontre ninguém no bar, atravesse uma avenida nova e larga que acabaram de construir (era a Inajar de Souza) e procure uma casa verde no 
alto de um barranco. É a quarta casa.

 

Usei a segunda opção pois era por volta das seis da manhã e o bar estava fechado, Encontrei a casa que ficava na divisa com a favela da Divinéia e lá morei com ele por uns seis meses junto com sua família – a esposa e quatro filhos. Era uma casa de três cômodos.

 

Encontrei meu primeiro emprego na  capital paulista, como auxiliar de 
Depto. Pessoal, em uma transportadora na Av. dos Emissários – hoje 
Marques de São Vicente- e lá trabalhei por 12 anos chegando a Gerente de 
Filial. Sofri muito com as enchentes que persistem até hoje por lá.
Mas quero mesmo é falar do orgulho que tenho em morar na Vila Nova 
Cachoeirinha, por 35 anos, lugar onde sem ter a mínima ideia de onde 
estava me metendo me acolheu. Por aqui acompanhei o desenvolvimento do 
bairro e, aquela avenida larga recém-construída (ainda existia a 
cahoeirinha que deu nome ao bairro) foi avançando e hoje chega ao Jd. 
Vista Alegre no extremo norte da periferia. Na parte mais alta do 
bairro, olhava em direção ao Bairro do Limão e só lá enxergava os 
primeiros prédios que estavam sendo construídos na altura do nº 1200 da 
Deputado Emilio Carlos.

 

Hoje os arranha-céus estão por toda a região, mudou a paisagem mas continua morando por aqui aquela gente simples e carente lutando a seu modo pelo pão de cada dia. Falta muita coisa para chegar ao lugar ideal, mas tenho 
muito orgulho daqui, e faço minha parte tentando ajudar na melhoria 
das condições de vida na região, missão quase impossível.

 

De uma coisa tenho certeza: amo a Vila Nova Cachoeirinha e São Paulo que 
com carinho soube me acolher e dar condições para que eu continuasse por 
aqui todos estes anos.

 


Agende uma entrevista em audio e video no Museu da Pessoa. Ou mande seu texto para milton@cbn.com.br.