No Conte Sua História de São Paulo, o texto da ouvinte da CBN Yukiko Yamaguchi Tame:
Sou a quarta filha de seis filhos de Shigeru e Mitsuru Yamaguchi. Meus pais chegaram ao Brasil em junho de 1959, trazendo quatro filhos pequenos, poucos pertences na bagagem e, no coração, muitos sonhos.
Ao desembarcarem no porto de Santos, fomos enviados para uma fazenda nos arredores de Campinas. Morávamos em uma casa de barro com telhado de sapê.
Após um ano de trabalho árduo, meus pais conseguiram quitar as dívidas da viagem com o fazendeiro e se mudaram para Parelheiros e, depois, para Piraporinha, onde passaram a trabalhar também como feirantes, além da lavoura. Nessas localidades nasceram mais dois filhos.
Cinco anos depois de chegarem ao Brasil, um golpe de sorte – e uma colheita excepcional de tomates – permitiram que meus pais realizassem um grande sonho: mudar-se para São Paulo. Com o dinheiro conquistado, adquiriram um bar e restaurante no bairro do Ipiranga, mais precisamente na Rua Lima e Silva, 725. Foi ali que começaram, de fato, a se sentir em casa, com esperança de criar os filhos e garantir a eles uma educação digna.
Frequentamos a querida Escola Estadual Visconde de Itaúna, que na época era uma das melhores de São Paulo, com professores excelentes e dedicados.
As festas juninas eram um evento aguardado. A rua era fechada, e as mesas ficavam repletas de quitutes em frente às casas, com fogueiras e brincadeiras. Apesar da dificuldade com a língua, a comunicação nunca foi um problema – meus pais eram brincalhões, respeitados e queridos por todos. Quando chovia e os pedestres corriam para dentro do bar para se abrigar, meu pai logo brincava:
“Chuva lá fora, mas pinga aqui dentro!”
O cardápio do dia também chamava a atenção dos clientes, que se divertiam com a maneira peculiar como meu pai anunciava os pratos:
“MACARONADA E FURANGO FURITO, FEJON ADA, BIRADO PAURISUTA!”
O bar estava sempre cheio, e o que dava um sabor especial aos pratos era o tempero extra: aji no moto, sakê, shoyu e pitadas de gengibre.
Minha mãe, Dona Mitsuru, tornou-se uma figura querida no bairro. Como os fregueses não conseguiam guardar seu nome, passaram a chamá-la simplesmente de Mamãe. Assim, ela ganhou filhos de todas as idades, cores, estados e profissões.
Meu pai, apesar de ser uma excelente pessoa, gostava muito de beber. O problema é que geralmente era uma dose para o freguês e duas para ele. Não foram poucas as vezes em que isso causou confusão, e a polícia precisou ser chamada. Mas ele já era tão conhecido que os policiais brincavam:
“Seu Shigeru, vamos passar essa noite no hotel da delegacia.”
No dia seguinte, ele voltava sóbrio e tudo recomeçava.
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Yukiko Yamaguchi Tame é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é de Cláudio Antonio. Escreva o seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite agora meu blog miltonjung.com.br ou vá até o Spotify e adicione entre os seus favoritos o podcast do Conte Sua História de São Paulo.
Em novembro de 1978, nasci em Jacareí, embora meus pais vivessem na capital paulista. Cresci no Ipiranga, ouvindo histórias do meu pai, um “menino de rua, sozinho no mundo”, como ele dizia. Cuja vida por São Paulo inspirou meu amor pela cidade.
Minha infância foi marcada por travessuras a caminho da escola na Praça Pinheiro da Cunha. No trajeto, andava por cima do muro mesmo sob a reprimenda de minha mãe.
Aos sete anos, iniciei a escola Teotônio Alves Pereira, lembrando sempre da tia Helenice, minha primeira professora.
Brincadeiras de rua, carrinho de rolimã e passeios de bicicleta pelo parque da independência faziam parte do meu dia-a-dia.
Na pré-adolescência, trabalhei com meu pai, entregando encomendas pela cidade, o que fortaleceu meu amor por São Paulo. Aprendi a navegar pela metrópole com um guia detalhado, antes da era do GPS. Os fins de semana eram reservados para os bailinhos, onde a moda era calça baggy, blaser com ombreiras e tênis.
Com a mudança dos meus pais para o sul de Minas nos anos 90, fiquei a 190km de São Paulo. Hoje, como marceneiro, visito a cidade frequentemente, relembrando os lugares da minha infância com carinho e nostalgia. Para mim, São Paulo não é apenas uma cidade, é o lugar que definiu minha felicidade e orgulho, a capital do meu coração.
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Álvaro Gomes Severino é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Juliano Fonseca. Esse texto foi inspirado na história contada pelo Álvaro. Agora, eu quero ouvir a sua história de São Paulo. Escreva e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite o novo site da CBN – cbn.com.br —, o meu blog miltonjung.com.br ou o podcast do Conte Sua História de São Paulo
Essa história começou em São Paulo e muitos anos depois atravessou o mundo e promoveu um encontro improvável. Nasci numa maternidade no Ipiranga e desde criança morei na região. O recém reformado Museu do Ipiranga foi parte da minha infância. Aos fins de semana, eu e meus amigos fazíamos corrida de carrinho de rolimã na descida que liga os dois extremos do parque, brincávamos de pega-pega por entre as árvores que cercam a Casa do Grito e pelos jardins de estilo francês, que sempre atraíram turistas.
Aos 18 anos, me mudei a trabalho para o Japão. Foi onde passei a praticar snowboard. Um dia, convidado por um amigo, me juntei a um grupo para visitar a uma pista de esqui famosa a umas quatro horas de carro de onde morávamos. No grupo uma garota chamou minha atenção. Apesar de ser a primeira vez que eu a via, tive a sensação de que a conhecia. Nas conversas descobri que ela também era brasileira. Descobri que éramos de São Paulo. Havíamos morado no Ipiranga e nascidos na mesma maternidade.
O destino nos uniu no Japão. Nos casamos. E voltamos para o Brasil. Perdi a conta de quantas vezes estive com nossos três filhos no Parque da Independência: andamos de skate, jogamos bola, escorregamos nos corrimãos gigantescos de mármore, observamos os macacos e pássaros que moram na mata, ao fundo do Museu.
Hoje, estamos novamente no Japão. As crianças já não são tão crianças. Têm uma vida bem diferente aqui em Yokohama. Mas cresceram com as memórias do parque e do museu do Ipiranga que seguem vivas em suas mentes.
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Alex Albergaria é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Juliano Fonseca. Venha participar das comemorações dos 470 anos da nossa cidade. Escreva seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos, visite o meu blog miltonjung.com.br , acesse o novo site da cbn CBN.com.br, e ouça o podcast do Conte Sua História de São Paulo.
Vista da Praça da Sé a partir dos altos da Catedram, foto: Mílton Jung
Minha história em São Paulo começou em 1986, no bairro do Ipiranga, na visita a casa de umas tias que moravam na rua Bom Pastor. Até então, via São Paulo pela televisão. Era algo distante de minha realidade, nascida e criada no interior.
Foi naquele ano que surgiu a oportunidade de ir para a capital paulista. Na época, não tínhamos telefone. Era ainda por carta que avisamos de nossa viagem. Desembarcando na rodoviária do Tietê foi um desespero ver tanta gente apressada em chegar ao destino; e o tempo todo alguém dizendo: tenha cuidado, a cidade grande é perigosa! Pegar o metrô foi outra novela, tudo muito novo e arriscado.
Com parada na Sé, aproveitamos para conhecer a Igreja Matriz. logo na escadaria, um jovenzinho me ofereceu uma rosa, gesto que achei muito gentil, afinal ele não me conhecia. Aceitei de imediato tal carinho. Até que o jovem deu o valor — não lembro quanto, mas era alto. Devolvi a rosa!
Fomos ao metrô novamente e chegamos ao destino. Uma casa com algumas divisões em que cada pedacinho fora aproveitado. O pedreiro de um bairro distante pernoitava num cômodo nos fundos durante a semana e prestava serviços à minha tia já idosa como forma de pagamento.
Ao lado, uma jovem equipou um outro espaço com potes e vasilhas pois estava sem emprego e montou ali a sua cozinha e o ponto de venda de bolos. Do outro lado, uma cabeleireira fez o seu salão. Tudo alugado.
As tias falaram de uma peça com Ary Toledo, logo mais à noite. De repente me senti gente e conheci um teatro! No retorno pra casa vi que a cidade de São Paulo não parava mesmo e funcionava a noite toda. No dia seguinte, fomos conhecer o Museu do Ipiranga, viver a história só lida nos livros da escola. Inesquecível!
As lojas todas com atendimento diferenciado. E, claro, trouxe um tecido lindo, do qual fiz uma camisa. Me orgulhava em vesti-la e dizer aos amigos: trouxe de São Paulo!
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Márcia Dainez é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Claudio Antonio. Seja você também uma personagem da nossa cidade. Escreva seu texto agora e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos visite o meu blog miltonjung.com.br ou ouça o podcast do Conte Sua História de São Paulo.
Parque da Independência em foto de arquivo da cidade
Nos meus tempos de criança, ouvia muito os meios de comunicação dizerem: “São Paulo, a cidade que mais cresce no mundo”. O presidente dos Estados Unidos, Dwight D. Eisenhower, quando veio em visita ao Brasil, estava ansioso para conhecer a cidade, principalmente para conferir esse slogan. Foi em fevereiro de 1960, eu tinha nove anos mas não atinava esse progresso, já que eu morava num bairro pacato da zona leste que nem ruas asfaltadas tinha.
De fato, muitas empresas internacionais, atraídas pelo mercado que a cidade e o país propiciaria, vieram para São Paulo, principalmente a indústria automobilística, notadamente a Ford, que se instalou no bairro do Ipiranga. Os laboratórios farmacêuticos também seriam outra atividade de muita importância na cidade com várias industrias que se instalaram na zona sul. Incluía, talvez, o efeito da frase de Juscelino Kubitschek que em campanha à presidência da República, em 1955, prometeu “Crescer 50 anos em 5 anos”
O centro da cidade erguia edifícios que futuramente seriam sedes de bancos, nacionais e internacionais, cartórios, estabelecimentos comerciais…. Com isso, outro setor que crescia bastante era o da construção civil, atraindo a migração, principalmente de nordestinos para a cidade. Na maioria, os migrantes vinham do interior da Bahia, e logo os baianos foram conquistando a cidade, de tal forma que qualquer outro migrante do nordeste que chegava seria logo chamado de baiano. Até migrante de outros estados do nordeste, ou mesmo de outra região, para os paulistanos era baiano.
Sem dúvida, o progresso desta cidade se deve muito aos migrantes que, em busca de oportunidades de trabalho para melhoria de vida, a tornaram essa potência. Outra região da cidade, a Avenida Paulista começava a se modernizar, encerrando o ciclo dos casarões, hoje com vários edifícios .
Nos anos 50, a cidade teve a sua população aumentada de 2 milhões para 3 milhões e meio de habitantes, matematicamente um aumento de 75%. E, nos anos 60, já contava com quase 4 milhões de habitantes.
Tudo isso estou dizendo para tentar explicar como a cidade de concreto, infelizmente, deixou muito pouco para a preservação da natureza. Muitos lugares da cidade, onde hoje estão situados muitos edifícios, museus e outros ícones, como se diz popularmente: “era tudo mato”
Eu vivi em meio ao crescimento da cidade. Tudo acontecia e não cheguei a conhecer locais cuja preservação da natureza estava estabelecida. Já havia o Parque Ibirapuera mas, pelo que sei foi uma obra planejada para os festejos do Quarto Centenário de são Paulo.
Embora eu já tenha ouvido reivindicações de estudo do parque atribuído a outros paisagistas, oficialmente o projeto e concepção das áreas verdes é de Roberto Burle Marx, que teve também participação de Otávio Augusto Teixeira Mendes.
Temos o Parque da Aclimação , com suas garças maravilhosas, Parque do Carmo, Parque Buenos Aires, Praça da República (que já foi até local de touradas), mais recentemente Parque Augusta e outros, que são excelentes mas não me trazem a sensação de estar em contato com a natureza em seu estado mais puro. A revitalização do Rio Pinheiros, bem recente, está trazendo algo positivo em termos de local que se pode usufruir da natureza em São Paulo.
Porém, e sempre existe um porém, como dizia o dramaturgo Plinio Marcos, na verdade, um local que tem algum tempo que descobri e que frequento com certa assiduidade, acredito que trás o objetivo da narrativa ao encontro do tema proposto. Está localizado no bairro do Ipiranga, mais precisamente nos fundos do prédio do Museu, o Bosque, ou Bosque do Museu do Ipiranga, reconhecido pela importância enciclopédica da Wikipédia .
É fantástico apreciar a quantidade de vegetação do bosque formada por araucárias, pau-ferro (que os índios na língua tupi chamavam de Ubiratã) paineiras, árvore de borracha, amendoim acácia (essas que pesquisei) e árvores de frutos comestíveis, e muitas outras que me rendo pela minha total falta de conhecimento de botânica
Em pesquisa que realizei na internet, para se ter uma ideia, das 160 espécies localizadas no museu, 91 aparecem no Bosque. Algumas, mais precisamente 18, estão registradas em lista da União Internacional para a Conservação da Natureza na categoria de espécies ameaçadas de extinção (triste). Parece pouco, como o texto descreve, mas indica a falta de comprometimento do homem em preservar a natureza. Além desse aspecto, o texto denuncia que o bosque vem sofrendo com a perda de sua vegetação original muitas vezes pela interferência depredatória do homem, que não observa os limites de descarte de plásticos e embalagens que agridem a natureza. Os fatores climáticos também influenciam nessas perdas
Outra impressão que tenho do bosque é a de que, na sua essência, nunca foi modificado em seu acervo natural. Não houve modificação no seu fulcro apenas adaptações com determinação de trilha para os frequentadores correrem ou caminharem, bem como colocação de bancos e aparelhos de ginástica na beira da trilha.
Logo na entrada principal, antes de adentrar o núcleo do bosque, bem pertinho do prédio do museu, há espaço para crianças, com playground, e algumas mesas para convescote. Os sanitários para o público também ficam nessa área.
Há outra entrada próxima do Museu de Zoologia da USP, que, aliás, por muito tempo foi dirigido pelo professor, zoólogo e compositor musical de muito sucesso , Paulo Vanzolini.
O Museu de Zoologia está localizado numa área oposta que, de imediato , apresenta ao visitante sua exuberante vegetação. Nos dias mais quentes, as árvores frondosas propiciam aquelas sombras refrescantes tornando o Bosque um lugar ainda mais aconchegante. Sou suspeito, pois sempre que vou pra caminhada no museu, não deixo de fazer o circuito do bosque que, como eu disse, frequento há muitos anos desde quando morava no bairro de Vila Prudente (não tão distante, uns 3 a 4 km, mas eu vinha de carro)
Quando me mudei de Vila Prudente, um dos fatores decisivos na escolha de novo imóvel seria encontrar um local que eu pudesse praticar atividades físicas ao ar livre. Há 18 ano,s me mudei para o bairro do Ipiranga e distante apenas 400 metros do Bosque, que ,praticamente, é o quintal do edifício onde moro… agora, venho a pé!
Era sonho meu estar tão perto do bosque?
-“Sim , e …. foi realizado.
Julio Araujo é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Seja você também um personagem de São Paulo. Escreva seu texto e envie para o email contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite o meu blog miltonjung.com.br ou o podcast do Conte Sua História de São Paulo
Nasci em 1959, no Brás. Deixei o bairro após a morte de meu pai. Minha mãe, dois irmãos e eu, fomos para o Ipiranga onde meus tios e três primos moravam, em um sobrado. Lembro quando meu tio nos levou para ver a inauguração da iluminação da avenida Dom Pedro I, que liga o Ipiranga ao Cambuci. Nos anos de 1970 havia também um espetáculo de luz e som, no Museu do Ipiranga, que eu adorava. No Ipiranga passei minha juventude, brinquei na rua, joguei bola no campinho perto de casa
…
Aos 18 anos, me alistei no Exército. Na minha turma, havia mais 25 soldados, cada um de um canto da cidade. Treinamos no quartel do Ibirapuera e fomos para uma corporação, na Liberdade, a 4ª CSM — Circunscrição do Serviço Militar. Foi um período bom com os novos amigos. Um ano depois, demos baixa e nenhum seguiu carreira militar.
Eu conheci a irmã de um soldado que servia comigo. Eles moravam na Nove de Julho com a São Gabriel. Casamos três anos depois e fomos morar na estrada de Itapecerica da Serra, na Vila das Belezas. Tivemos dois filhos.
Trinta e nove anos depois do serviço militar, recebi um convite pelo Facebook, de um ex-colega Humberto Souza, o Dadá, perguntando se eu havia servido o Exército, em 1978. Ele e o soldado Ripari, tinham decidido reunir a todos para comemorar 40 anos de turma. Os dois foram em busca da lista completa dos jovens que tinham feito serviço militar juntos naquele ano. O quartel já havia mudado da Liberdade para o Cambuci. Após um pedido oficial de informação, tiveram acesso a lista completa de nomes e partiram atrás de cada um dos integrantes. Formaram um grupo de WhatsApp, justo no aniversário de São Paulo, em 2017.
Foram vários almoços com o Ripari para organizar o evento; e descobri que ele havia trabalhado no mesmo grupo que eu, o Machline, apesar de nunca termos nos encontrado. Infelizmente, às vésperas da comemoração de 40 anos, Humberto Souza, o Dadá, morreu, mas nós decidimos levar em frente o desejo dele. Reunimos dez dos 26 soldados. Como cada um vivia em uma região diferente da outra, marcamos nosso reencontro no centro de São Paulo, o que ocorreu no dia 24 de novembro de 2018 —- em uma demonstração de que a imensidão da cidade não é suficiente para afastar velhos conhecidos.
Duarte Alves da Silva é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva suas lembranças da cidade e envie seu texto para contesuahistoria@cbn.com.br. Coloque o podcast do Conte Sua História de São Paulo entre os seus favoritos.
Finalzinho da colorida e extravagante década de 1970, vivia eu num pensionato de freiras para moças universitárias, no belo bairro do Ipiranga, com seus suntuosos e remanescentes palacetes e mansões, inúmeros conventos e colégios religiosos, pertinho do Museu do Ipiranga – referência cívica nacional – com seus pomposos jardins inspirados no modelo francês de Versalhes.
Chamávamos carinhosamente de pensionato da “Irmã Stella”, a freira cuidadora daquele espaço, que trazia seus aposentos luzindo em limpeza e organização, e se dirigia a nós com austeridade, determinação e retidão.
Numa tarde de sábado, chegaram duas mocinhas interioranas, com suas malas e caras assustadas, indecisas, subindo vagarosamente as brilhantes e reluzentes escadas de mármore branco (orgulho de Ir. Stella), que conduziam à nossa “clausura de universitárias”, mirando cada santo, cada vitral, cada degrau… Era a Irene e a sua amiga Neli.
Olhei seus semblantes ainda inocentes, me aproximei e perguntei de onde vinham, onde viviam. Ali conversamos sobre nossos planos, nossos sonhos e seguimos eu e Irene até hoje, compartilhando nossas dores, realizações, frustrações, objetivos e sonhos.
Nos anos de 1990, tivemos a expansão das faculdades. A Universidade São Marcos anexou-se ao “pensionato da Ir. Stella”. As dependências de nossa clausura onde nos confidenciamos, selamos amizades, rimos, choramos, dividimos abraços, alegrias, entusiasmos, fizemos refeições com o ebulidor* e um rabo quente*, onde vivemos o alvorecer de nossas juventudes, tornaram-se salas de aula, bibliotecas e laboratórios.
A alvura e resplandecência da primorosa escada de mármore foi substituída pela amarelidez de tocos de cigarros impiedosamente nela jogados por displicentes jovens universitários.
Os santos de Irmã Stella que fincavam seus olhares altivos e severos nos amedrontando quando cometíamos alguma travessura, foram retirados deixando o vazio e a nostalgia preencherem seus lugares.
Me contaram que Irmã Stella e Irmã Dolores faleceram há muito tempo.
E nossa alvinitente juventude segue hoje em nossos corações, ora por escadas, ora por senderos, mas sempre aquecida pelas saudades de outrora.
*rabo quente = cabo de base elétrica, que, ligado na eletricidade coloca-se numa vasilha para aquecimento de água, leite, etc.
*ebulidor = espécie de cafeteira/leiteira elétrica com a mesma finalidade do anterior.
Martha Catalunha é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Conte você também mais um capitulo da nossa cidade: escreva para milton@cbn.com.br.
Claudemir Moscardi Ouvinte-internauta da rádio CBN
No ano de 1888, no dia 31 de outubro, chegavam em Santos meus avós: Santi Moscardi e Patrina Moscardi. Casaram no navio de medo do que encontrariam no Brasil. Tiveram 14 filhos, todos na região de Jaguariúna, onde foram enviados para substituir a mão de obra escrava do café. Com a crise de 1929, o café já não valia mais nada.
E aí começa minha história
Meus avós vieram para o bairro do Ipiranga, na zona Oeste, trabalhar na tecelagem dos Jafet. Meu pai era o caçula, Honório Moscardi, com 21 anos. Casou com Maria Rosa Capone, que também trabalhou no café e nas tecelagens ,no Ipiranga. Tiveram três filhos: Vagner, eu e Antônio Carlos.
Vagner se formou engenheiro mecânico com 43 anos.
Antônio Carlos, engenheiro eletrotécnico.
Vagner teve dois filhos homens com Miriam.
Antonio Carlos teve dois filhos homens com Cristina.
Eu, também tive dois filhos: casal, com Regina.
Nós três trabalhamos na Mercedes-Benz, em São Bernardo do Campo. Estudamos à noite para mudar de vida. Com muita luta, nossos filhos foram estudar no Colégio Arquidiocesano, ali perto onde hoje tem a Estação Santa Cruz do Metrô.
Os filhos do Vagner são engenheiros formados pela Mauá, em São Caetano. Os do Antonio, um está na medicina da USP. Já é cirurgião urologista. Está nos Estados Unidos se aperfeiçoado em transplantes. O outro é designer. Estudou em Milão, na Italia.
Minha filha se formou na Escola de Comunicação da USP. É relações públicas. Meu filho, está no quinto ano da medicina também na USP
No relato desta família, que começa em meus avós, desembarcando em Santos, e segue no sacrifício de cada um de nós para que nossos filhos se formassem, agradeço a quem nos acolheu: São Paulo!
Claudemir Moscardi é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Claudio Antonio. Conte você também outros capítulos da nossa cidade. Escreva para milton@cbn.com.br.
Por Silvio de Melo Martins Ouvinte-internauta da rádio CBN
Nasci e moro em São Paulo há 61 anos.
“Alguma coisa acontece no meu coração. Que só quando cruza a Ipiranga e Av. São João” – Caetano Veloso
Sim! Alguma coisa aconteceu no meu coração quando cruzei o centro velho de São Paulo. Estava exatamente no cruzamento das Avenidas Ipiranga e São João. Não foi melancolia! Foi o que fizeram com a minha cidade.
Lembrei dos tempos de faculdade, vinha de Guarulhos onde estudava. Saía no meio da aula noturna, já cansado de um dia de trabalho, mas com o vigor da juventude vinha para a vida, no coração da cidade de São Paulo. Demorava duas horas para chegar.
Éramos quatro: eu, Robertão, Mishio e Jessé. Às vezes, vínhamos na Brasília velha do Robertão, mas para economizarmos preferíamos mesmo o ônibus. Parávamos no Parque Dom Pedro II, subíamos a Ladeira Porto Geral, logo a rua Direita, a praça Patriarca, depois Viaduto do Chá. Passávamos pelo Teatro Municipal, sempre fervilhando de gente elegante. Pela Pitt, com sua vitrine e luminoso imensos. Descíamos a Conselheiro Crispiniano e estávamos na São João.
Lembro das ruas cheias de vida, as pessoas que desciam apressadas para o Largo do Paissandú ou Praça do Correio, talvez para pegarem o ultimo ônibus ou quem sabe a última sessão de cinema.
A avenida São João com seus cinema: o Art Palácio, tão imponente. Havia outros, Olido, Comodoro, Ritz …
Nossas vidas estavam ligadas à São João. Viam-se as pessoas entrando nos cinemas, felizes para a sessão. Falando alto. Os filmes eram os últimos lançamentos de Hollywood. Casais que passavam por nós, por vezes caminhavam na noite quente se deliciando com um sorvete ou apenas comendo pipoca. O mundo não importava a eles! Nem a nós!
Nosso “point” era a livraria Avenida com sua entrada discreta, seus engraxates, a charutaria e a lanchonete. Sentávamos para tomar café e jogarmos conversa fora. Por vezes uma paquera, nada mais que isso. Às vezes, folheávamos uma revista, ríamos e comprávamos livros, principalmente os de química.
Andávamos pela São João, uma ou outra vez um filme ou uma caminhada até a Alameda Nothman com suas casas noturnas. Tomávamos mais café, refrigerantes … Quando a fome apertavam descíamos para comer um lanche frio no Largo do Paissandú. Andávamos pela madrugada despreocupados. E as pessoas sem qualquer vontade de ir embora, lotavam a avenida e as ruas laterais, davam vida ao lugar. Grupos vindo de um lado, outros no sentido contrário. Riam! Brincavam entre eles.
Muitas vezes saíamos em direção a Ipiranga, o Bar Brahma. Quantas vezes pudemos ver o Adoniram por lá. Sentado, tomando sua cerveja rodeado de amigos. Acredito que muitos sucessos tenham tido inspiração ali.
Fim de madrugada, às vezes chegávamos à Ipiranga e alguns bares estavam fechando. A população noturna das boates da região tomava seu rumo, por vezes em direção a São Luís ou República para pegar um táxi ou mesmo o elétrico que ali faziam ponto.
Nós, agora como outros, íamos em direção ao Parque Dom Pedro II. Jessé tinha um longo caminho, era o único que morava em Guarulhos. A noite tinha sido boa. Afinal fugíamos de uma semana trivial. Tínhamos nos divertido como tantos naquela noite.
Após a despedida do Jessé, tomávamos o ônibus rumo a zona leste. Pelo caminho íamos nos despedindo. Hoje nem sei por onde eles andam. A vida nos fez perder contato.
Hoje, alguma coisa acontece no meu coração, a cidade que eu amo, tão abandonada foi tomada pelos drogados e camelôs. Cada esquina está marcada pela violência e degradação. Hoje, porém, eu vi que tenho muito a ver com essa cidade e sou um dos responsáveis, pela omissão, no que ela se tornou.
Agora cruzo a Ipiranga e a Avenida São João, como cruzo as ruas do centro de São Paulo, e alguma coisa acontece no meu coração.
O Conte Sua História de São Paulo vai ao ar, no CBN SP, aos sábados, após às 10h30. Tem a sonorização do Cláudio Antonio e narração de Mílton Jung. Para participar, envie texto para milton@cbn.com.br
Lembrar dos anos de 1960 leva-me de volta aos tempos da esquina da Ipiranga com a São João, em frente ao Bar do Jeca, famoso na época. Do outro lado da avenida, o Bar da Brahma.
Todos os finais de semana, eu e os amigos de Avaré, interior paulista, nos reuníamos para apreciar as garotas que passeavam pelas calçadas, faziam a volta pela Barão de Itapetininga, Dom José, passando ao lado de cinemas e cafés.
Que bom recordar essa época: amigos como o Flavinho, o Ximbica, Marcelino, Hadel Aurani (campeão de judô) Paulinho Curiati, e outros que já partiram como o Mauricio – o Gordo, Valdir, Wellington – o Urutu … era o ponto de encontro da turma de Avaré, gente que fez o ginásio juntos, o curso científico no Coronel João Cruz, a escola de técnico de contabilidade do Padre Celso, Instituto Sede Sapience tudo lá em Avaré.
Depois todos foram para capital para continuar os estudos em faculdades e também trabalhar, pois os empregos no interior erram escassos e faculdades não existiam na maioria das cidades com até 50 mil habitantes.
Essa esquina, a Ipiranga com a São João, veio ficar famosa pela música de Caetano Veloso e hoje, quando ouço, me traz muitas lembranças dessa época, pois vivo em Fortaleza, Ceará, e, graças a internet, posso continuar o contato com esses amigos que não vejo, ao vivo, há 40 anos.