No planejamento das férias, antecipar gravações e deixar material preparado para os dias de ausência ao trabalho são algumas das tarefas a serem cumpridas. As minhas começam no segundo semestre do próximo mês, mas como o seguro morreu de velho, melhor gravar agora, enquanto tenho tempo e agenda, do que chegar em cima da hora e pisar na bola com a turma da rádio —- em especial os ouvintes. Por isso, nessa semana que chega a metade, já gravei um episódio no Mundo Corporativo na segunda, gravo outro nesta quarta e repito a dose na sexta.
No programa gravado segunda — que já pode ser visto na internet e vai ao ar em uma das edições de outubro do Jornal da CBN — entrevistei César Souza, que é consultor, palestrante e escritor. Falamos do livro “O Jeito de ser Magalu”, no qual faz observações sobre como o Magazine Luiza foi construído e aplica alguns conceitos que ele próprio desenvolveu na carreira. Caso do princípio da clientividade — um contraponto a luta frenética das empresas em terem competitividade, o que as obriga a focar no competidor (ou no concorrente) em detrimento do cliente.
Na conversa — sobre a qual escreverei mais especificamente em texto que será publicado aqui no blog no dia em que o programa for transmitido na rádio —, César contou a história de Luiza Trajano Donato, a Dona Luiza, que quando comprou a primeira loja foi à rádio local convidar os ouvintes a escolherem o nome do novo negócio: Magazine Luiza foi o nome vencedor. Ganhou um nome, o engajamento dos ouvintes e a publicidade para a marca que estava sendo lançada.
“O marketing sempre correu em nossas veias, mesmo quando a gente não tinha dinheiro para marketing”
É o que ensina Luiza Helena Trajano, a sobrinha da Dona Luiza, inspirada na história que marcou o início de uma das maiores redes de varejo do Brasil.
No mesmo dia em que ouvi a história contada por César Souza, um dos meus filhos foi ao aplicativo encomendar comida para todos da casa. Assim que os potes de poke, com seus cubinhos de carne e peixe cortados, acompanhados de arroz e outros salamaleques saborosos, chegaram, me chamou atenção um post it colado na embalagem com caligrafia bem desenhada:
“Você nos inspira. Sua avaliação é muito importante!”
Nada mais simples, pessoal e conquistador. Tão simples, pessoal e conquistador quanto barato. Uma mensagem que transmite carinho e preocupação com o cliente, e nos convida de maneira genuína a avaliar o serviço prestado. Dei cinco estrelas para o pessoal do Hawaiian Pok, é claro. E relembrei das gurias da Trajano, a Tia Helena e sua sobrinha: dá pra fazer marketing mesmo quando não se tem dinheiro para marketing.
A chegada do capital chinês para irrigar terras secas de prosperidade onde o ideal americano florescia de forma exuberante no passado, descrita no documentário American Factory, que recebeu o Oscar da categoria, em 2020, revela as transformações que o mundo industrial enfrenta neste século. Os Estados Unidos, potencia maior, assistiram à destruição de parte do seu parque fabril por estarem amarrados em regras operacionais e trabalhistas incapazes de competir com os resultados alcançados por fabricantes chineses que usam a força de um regime que ainda se apresenta como comunista, mesmo que tenha absorvido princípios do capitalismo, conhecido por Capitalismo de Estado.
A câmera não-intrusiva que acompanha os movimentos dos protagonistas do documentário —- da cúpula ao chão de fábrica —-, sem censura, nos mostra muito além dessa luta entre capital e trabalho. Ao passear pela nova fábrica de vidros automotivos da chinesa Fuyao — propositalmente chamada Fuyao Glass America —, construída onde antes flanava a bandeira de um dos maiores símbolos da economia americana, a General Motors, em Moraine, Ohio, os documentaristas desvendam como é difícil construir e desconstruir culturas organizacionais quando o mesmo espaço é ocupado por pessoas que foram forjadas sob regimes tão diversos.
Os americanos são muito devagar, diz um executivo chinês sem se importar com a câmera ligada ao seu lado. Considera-os mimados:
“tem de fazer como para escovar um burro — sempre a favor do pelo; se for no sentido contrário, há o perigo de levar um coice. ”
Entre máquinas e peças, americanos resmungam pela falta de respeito dos novos donos da fábrica aos direitos dos trabalhadores e se escandalizam com a insegurança física e operacional com que agem os chineses, tanto nas plantas industriais da China quanto na dos Estados Unidos.
Duas realidades que parecem irreconciliáveis.
Bobby, um negro americano na casa dos 55 anos, com uma só frase resume o drama que todos vivem naquele ambiente:
“A GM me proporcionou uma ótima vida. Isso acabou quando ela fechou as portas. Nunca mais vamos ganhar uma grana tão boa na vida. Aquilo ficou no passado”.
Para referência: o salário que era de 29 dólares por hora, caiu para 14; os 30 minutos reservados ao almoço, não são remunerados; o trabalho se estende aos fins de semana; desperdícios de segundos são punidos com demissão. A máquina chinesa não para nunca e por isso se submeter às ordens de um sindicato é inconcebível —- os executivos da China não medem esforços para impedir a entrada desta instituição até então sagrada no campo trabalhista americano. E têm sucesso na empreitada.
O documentário observacional —- como os críticos de produção cinematográfica o definem — permite que as diferentes vozes surjam expressando de forma transparente e com o sotaque natural de cada nação o choque de cultura que se trava na fábrica. Ao espectador que assiste ao embate, ora surpreso pela sinceridade das falas ora indignado pelo sofrimento que trabalhadores —- sejam americanos sejam chineses —- são submetidos, recomenda-se que reflita sobre como essa engrenagem cultural funciona no seu ambiente de trabalho.
Mesmo que aparentemente estejamos distantes do embate entre o modo de vida e de produção dos Estados Unidos e da China, sabemos que os processos de gestão extrapolam fronteiras desde sempre. Está aí a história a nos mostrar as muitas tentativas de implantarmos modelos como o Fordismo e o Toyotismo —- não por acaso um de berço americano e outro, asiático —- aqui no Brasil. Algumas vezes com sucesso, outras precisando tropicalizar a forma de agir.
Além dos processos de produção, uma reflexão necessária —- e ainda mais importante —- neste momento é quão flexível pode ser a cultura da sua organização para entender as transformações inevitáveis da sociedade contemporânea. No Brasil, estamos assistindo a um forte movimento de conscientização que impõe mudanças internas na gestão das empresas com a busca da diversidade de gênero, de raça e social, dando direito ao trabalho a populações discriminadas e a minorias.
As ações mais contundentes e recentes surgiram por iniciativa do Grupo Magazine Luiza e da Bayer que lançaram programas de trainees exclusivamente para negros com o objetivo de incluir minorias nos locais de trabalho. Ao mesmo tempo que o anúncio da iniciativa recebeu o apoio de grupos e indivíduos que defendem a igualdade racial; surgiram críticas ao que passou a ser identificado como discriminação invertida.
Onze ações por promover prática de racismo foram apresentadas ao Ministério Público do Trabalho de São Paulo sob a justificativa, segundo texto de um dos denunciantes de que a medida adotada pelo Magazine Luiza “impede que pessoas que não tenham o tom de pele desejado pela empresa” participem do processo seletivo. Um integrante da Defensoria Pública da União, Jovino Bento Junior, abriu Ação Civil Pública de R$ 10 milhões contra o grupo de varejo por entender que não se trata de um sistema de cotas mas de “contratação exclusiva de trabalhadores de determinada raça ou etnia em detrimento de outras que ao invés de promover igualdade de oportunidades gera exclusão de determinados (muitos, no caso) grupos de trabalhadores”.
O Ministério Público de Trabalho, em São Paulo, indeferiu todas as ações sob a justificativa de que não houve violação trabalhista, mas uma ação afirmativa de reparação histórica. Onze defensores públicos, do Grupo de Trabalho Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União, publicaram uma nota de repúdio à postura do defensor Jovino Bento Júnior por não refletir “a missão e posição institucional da Defensoria Pública da União quanto à defesa dos direitos dos necessitados. Mais do que isso, contraria os direitos do grupo vulnerável cuja DPU tem o dever irrenunciável de defender”.
À crítica de que o processo seletivo do Grupo Magazine Luiza e da Bayer é discriminatório, pois permite a contratação apenas de indivíduos de uma raça, contrapõem-se a ideia da Discriminação Positiva, figura que surgiu como forma de oferecer justiça social.
“(A Discriminação Positiva) procura estabelecer equilíbrios e garantias para pessoas que historicamente, encontram-se em grupos excluídos pela sociedade. Tal instituto é o responsável por trazer as ações afirmativas, como a Lei de Cotas, o Estatuto do Deficiente, regras que possuem o intuito de inserir na sociedade aqueles que são excluídos” —- justificam Oliveira e Fagundes, em artigo escrito para o site Consultor Jurídico.
Em entrevista ao jornal O Globo, edição de 15 de outubro de 2020, o vice-presidente de Finanças da Bayer, Maurício Rodrigues, explicou a decisão da multinacional em criar o programa para candidatos negros:
“No passado, tinha a questão de que era preciso formar as pessoas, que não era possível contratar porque os negros não tinham formação etc. Já não era 100% verdade naquela época, mas as pessoas conseguiam ganhar com essa argumentação. Passados 15 anos, hoje a gente tem um contingente de pessoas bem formadas muito grande. E essas pessoas estão cada vez mais demandando espaço, também com as mídias sociais dando voz. E, dentro das empresas, há cada vez mais um interesse genuíno no que a diversidade pode proporcionar”
Em sintonia com a afirmação do executivo da Bayer, o Instituto Identidades Brasil, que atua em defesa da igualdade racial, diz que triplicou o número de negros com ensino superior, nos últimos dez anos no Brasil e isso não se reflete nas corporações sobretudo no alto escalão. É preciso mudar a cultura, torná-la mais inclusiva, disse em entrevista ao programa Mundo Corporativo, da rádio CBN:
“É uma pauta que tem de ser transversal; não é uma pauta só de recrutamento; é uma pauta de posicionamento; é uma pauta de comunicação; é uma pauta estratégica para toda a empresa que quer crescer para além de olhar só a metade da população do Brasil. Tem de olhar a população por inteiro”.
A partir dessa afirmação, a reflexão que se faz necessária é se, além das iniciativas empresariais, que buscam incentivar a inserção do negro no mercado de trabalho e, especialmente, a ascensão a postos de liderança, existem trabalhos internos nas corporações para que essas pessoas até então consideradas “estranhas” ao ambiente organizacional sejam recebidas com o devido respeito.
Políticas organizacionais que inspirem a inclusão terão tanto sucesso quanto conseguirem tornar a diversidade um movimento genuíno na base de seus trabalhadores. A inclusão de negros, apenas para ficarmos no campo da igualdade racial, tem de ser absorvida por todos os colaboradores e para tal é necessária uma mudança da cultura das empresas, acostumadas até aqui a manter em um mesmo ambiente pessoas que pensam e agem da mesma maneira. A diversidade é tanto uma necessidade quanto um desafio interno e externo das empresas no Brasil.
Aos colaboradores que ainda se sentem incomodados com a “nova concorrência”, vale lembrar o que disse Bobby, um dos protagonistas do documentário American Factory, já citado neste trabalho: “aquilo ficou no passado” —- neste caso, ainda bem. Porque o futuro, não tem mais como evitar, é de quem investir na diversidade. E adaptar sua cultura organizacional a essa realidade mais rica e promissora.
Em tempo: a Fuyao Glass American que teve prejuízos no seu primeiro ano de operação nos Estados Unidos, em 2014, lucrou 24 milhões de dólares americanos, em 2018, aumento de 30% em relação ao ano anterior. Tem 2.500 funcionários americanos e chineses, apesar do forte investimento em automação. “Havia uma diferença cultural, mas passamos e conquistamos a confiança deles”, acredita Jeff Liu, CEO da Fuyao Glass American, em entrevista ao site Xinhua, dedicado a notícias da China e publicado em versão em português.
“A gente nunca acreditou que a loja física ia morrer, o que a gente acredita é que ela muda de papel” — Luiza Trajano, Mundo Corporativo
Agilidade na busca de solução, assistência aos colaboradores, compartilhamento de conhecimento com os parceiros de negócio e solidariedade a micros, pequenos e médios empreendedores. Esse é um resumo das ações adotadas pelo Grupo Magazine Luiza diante das dificuldades impostas pela pandemia, a necessidade de manter fechadas 1.100 lojas em todo o Brasil, colocar toda equipe administrativa em home office e perceber que a transformação digital seria a única saída para o varejo.
Para definir a intensidade da mudança provocada pela Covid-19 nos negócios e na vida das pessoas, a empresária Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho Administrativo do Magazine Luiza, disse que é como se o grupo tivesse vivido 50 semanas em cinco dias. Em entrevista ao jornalista Mílton Jung, no programa Mundo Corporativo, da CBN, Trajano falou de como encarou este desafio:
“O que eu estou tentando fazer é aprender cada dia e viver cada momento. Porque ninguém sabe … E tentar diminuir o desemprego, tentar fazer as empresas sobreviverem; porque saúde é o que importa, mas o emprego dá dignidade para as pessoas e diminui o desnível social”
Como o comércio eletrônico, através da plataforma Magalu, já estava consolidado, o fechamento das lojas físicas pela quarentena imposta nas cidades brasileiras foi mais facilmente absorvido pelo grupo de varejo. Luiza Trajano disse que a preocupação foi tornar a plataforma também acessível a outros varejistas que não tinham operações digitais —- especialmente autônomos, pequenos e médios empresários. Segundo ela, uma série de medidas foi adotada permitindo a entrada de 160 mil pessoas que puderam vender seus produtos e cerca de 30 mil que se tornaram vendedores dos produtos da Magalu. Além disso, todos tiveram oportunidade de receber treinamento e se preparar para se adaptar para as mudanças.
” … mas o que eu estou falando para os pequenos e para os grandes, é que o digital é uma plataforma; procura a associação da sua cidade, procura o marketplace, ele não vai atrapalhar a loja física, mas era difícil porque as pessoas têm medo, as pessoas não acreditam, as pessoas estão muito bem no físico, e acham que isso não é verdade, mas a pandemia fez isso, né, em 10 dias todo mundo teve de entrar no digital”
Sobre o futuro dos shoppings e das lojas físicas, Luiza Trajano mantém a ideia que defende desde o início de sua carreira como varejista: acredita de que as lojas continuarão tendo seu espaço e necessidade, apenas com funções diferentes. Hoje, por exemplo, as lojas da Magazine Luiza também são centro de distribuição que tornam mais ágil a venda eletrônica.
“Se você não tiver o físico, você não forma a cultura”
No Mundo Corporativo, Luiza Trajano comentou das campanhas que o grupo desenvolve em defesa da mulher, uma missão assumida por ela não apenas na empresa que lidera, mas à frente do “Mulheres pelo Brasil”, que já atua em todo o país.
A entrevista completa você assiste no canal da CBN no You Tube e pode ouvir em podcast. O programa vai ao ar aos sábados no Jornal da CBN, e domingo às 10 da noite, em horário alternativo. Colaboram com o programa Juliana Prado, Guilherme Dogo, Rafael Furugen, Alan Martins e Débora Gonçalves.
Hoje, quem desejar ter uma visão do varejo do futuro é fácil. Não precisa mais ir até a China, basta verificar os índices e resultados alcançados pelo Magazine Luiza publicados recentemente sobre o último trimestre.
Com 22,3 milhões de clientes na base, recebe visita mensal de 12 milhões pelo aplicativo e oferece 8.100 “vendedores associados” com 7,5 milhões de itens em 36 categorias de produtos em seu Marketplace.
Esse fantástico unicórnio do Marketplace, precisou de apenas seis meses para atingir o 1 bilhão de reais, enquanto o Magazine Luiza físico precisou de 42 anos para chegar a unicórnio, e o e-commerce, 10 anos.
O crescimento exponencial da operação digital, iniciada em fins de 2016 e entregue a Felipe Trajano, o filho da Luiza Trajano, teve criatividade e agilidade. Empresas de aplicativos e logística foram incorporadas pela compra, assim como recentemente a NETSHOES e a ZATTINI.
É interessante ressaltar que mesmo diante de fortes investimentos o setor digital apresentou lucro.
Ao mesmo tempo, o mundo físico do Magazine Luiza não perdeu o pique. Desde a operação “Copa do Mundo” com a campanha Sai Zica, que resultou na venda de um milhão de aparelhos de TV, até a recente campanha Smartphoniza Brasil, estimulando a troca de celular, levando a financeira do grupo Luizacred a atingir no fim de junho o montante de 9,5 bilhões de reais.
Aqui o OMNICHANEL é uma realidade, e as lojas se transformam em pontos de distribuição. O Retira Loja, que permite a entrega na loja das compras digitais utiliza mil lojas em 16 estados e corresponde a 35% das entregas.
A entrega expressa realizada em até 48 horas atinge 40% dos pedidos em 290 cidades.
Na grande São Paulo, em Campinas e em Belo Horizonte as entregas são feitas no mesmo dia.
A venda comparativa de abril, maio e junho teve um aumento de 24,4% em relação ao ano anterior, que já tinha sido bom, em decorrência do Sai Zica.
As lojas físicas cresceram 9%, e a base do Cartão Luiza evoluiu 24% com 4,6 milhões de cartões.
É preciso observar que a Netshoes só contribuiu com 15 dias de participação nestes dados.
O Ebtida apresentou 304 milhões de reais de lucro com margem de 7,2%.
Para quem gosta de afirmar que na prática a teoria é outra, a Magalu é um desafio, pois a agilidade e competência em aplicar os conceitos, que muitos práticos duvidavam, trouxeram ao sucesso de agora.
Carlos Magno Gibrail é consultor, autor do livro “Arquitetura do Varejo”, mestre em Administração, Organização e Recursos Humanos. Escreve no Blog do Mílton Jung.