Dez Por Cento Mais: mindfulness e auto-compaixão são caminhos para uma vida mais plena

Foto de Yan Krukau

Em uma sociedade onde a crítica, comparação e busca incessante pela perfeição frequentemente dominam nossos pensamentos, é fundamental acolher a nós mesmos com gentileza e compreensão, reconhecendo nossas imperfeições como parte essencial de nossa humanidade. Fenícia Andrade, psicanalista, destacou a importância da auto-compaixão em nossa jornada de autoconhecimento e bem-estar no programa Dez Por Cento Mais.

A entrevista conduzida por Abigail Costa e Simone Domingues começou com uma reflexão sobre como a mente humana muitas vezes se torna uma inimiga de nosso próprio crescimento. Fenícia ressaltou que nossa mente pode sabotar nossos esforços quando alimentamos crenças disfuncionais enraizadas em nossas experiências passadas, especialmente da infância, resultando em profecias autorrealizáveis que minam nossa confiança e nos impedem de buscar oportunidades.

O poder transformador do mindfulness

Fenícia também explorou como nossa atenção frequentemente é desviada por estímulos externos e internos, tornando desafiador manter o foco. Durante a entrevista, ela enfatizou a importância de viver o momento presente e como o mindfulness pode aprimorar nossa qualidade de vida. A mente humana muitas vezes se prende a pensamentos sobre o passado ou preocupações com o futuro, resultando em ansiedade e estresse. No entanto, o mindfulness nos permite direcionar nossa atenção para as sensações presentes, proporcionando uma experiência mais rica e equilibrada do mundo ao nosso redor.

Fenícia explicou que o mindfulness envolve a prática de observar nossos pensamentos sem julgá-los, permitindo-nos entender melhor nossos padrões de pensamento e nos afastar de pensamentos negativos ou preocupações desnecessárias. Ela também compartilhou técnicas simples que todos podem incorporar em suas vidas diárias para praticar a atenção plena, como prestar atenção às sensações ao escovar os dentes, tomar banho ou realizar tarefas comuns.

A necessidade de exercitar a auto-compaixão

Um aspecto crucial discutido na entrevista é a Auto-Compaixão. Fenícia comparou a autoestima, muitas vezes baseada em sucessos e realizações, com a auto-compaixão, que se estende ao cuidado e aceitação de nós mesmos em momentos de falha e dificuldade. Ela destacou como a cultura muitas vezes valoriza a modéstia em detrimento da auto-aceitação, especialmente no caso das mulheres, que são frequentemente ensinadas a não se elogiar.

Fenícia ressaltou a importância de reconhecer que somos seres humanos, não perfeitos, e que todos cometemos erros e enfrentamos desafios. A auto-compaixão nos permite abordar essas dificuldades com uma mentalidade de cuidado e compreensão, em vez de autocrítica severa.

Ela sublinhou que a jornada para a autodescoberta e o bem-estar requer a disciplina de reconhecer nossas próprias necessidades e tratar a nós mesmos com a mesma compaixão que estenderíamos a um amigo querido. É uma mensagem poderosa que nos convida a abraçar nossa humanidade e buscar uma vida mais plena através da auto-compaixão.

Dica Dez Por Cento Mais

“Bora ser feliz agora”. Aproveitando o bordão que usa no podcast que apresenta, Fenícia Andrade deixou sua Dica Dez Por Cento Mais. Lembrou que costumamos adiar nossos planos para segunda-feira, para o próximo ano, para quando os filhos crescerem, para quando nos aposentarmos:

“A vida está acontecendo agora, no presente. Então começa a agir. Use qualquer ferramenta. Pode ser as que eu tenho para dar, pode ser entrar na dança, no jazz. Qualquer coisa que tire um pouco desse turbilhão do dia a dia das preocupações e te faça relaxar, dar risada, igual quando a gente tinha 18 anos, que parecia boba alegre. É isso: resgatar essa alma mais livre e leve”.

Assista ao programa Dez Por Cento Mais

O programa Dez Por Cento Mais apresenta uma nova entrevista ao vivo toda quarta-feira, às oito da noite, e pode ser assistido no YouTube. A apresentação é feita pela jornalista Abigail Costa e pela psicóloga Simone Domingues.

Um minuto de silêncio

 

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Ocupar-me com o silêncio, por menor que seja o tempo que tiver para essa prática. Esse é o presente que quero me dar a partir deste Natal. Duvido de minha capacidade em atender-me — mas como duvidei da maior parte das coisas que fiz na minha vida, quem sabe mais uma vez não frustro minha expectativa.

 

Hoje ensaiei essa ideia e, confesso, foi muito,  muito difícil mesmo silenciar a mente com tantas vozes falando comigo.

 

Tinham os parentes — e ainda bem que estão em volta da gente —-, que contavam suas histórias, a maior parte já conhecida ou com fim previsível, mas necessárias para nos dar a noção de pertencimento. Pertencer a uma família me ajuda muito a sobreviver. Seria muito triste perder esse sentido. Uma tristeza que tem se construído aos poucos neste fim de ano, desde que percebi que uma das mais marcantes vozes da minha vida está se calando.

 

Aqui ao lado tinha outra família, que conversava na vizinhança, em um diálogo que não conseguia entender, mas também pouco me importava, pois estava ali cumprindo sua única função naquele momento: me azucrinar os ouvidos. Os vizinhos sempre parecem falar mais alto do que deviam e, desconfio, a culpa é da arquitetura de nossas casas e não necessariamente do mal comportamento deles.

 

O cachorro preso em um quintal qualquer da redondeza também faz seu barulho. É um latido seco, contínuo, interminável, irritante — até cair na monotonia e descobrirmos que já não somos mais capazes de distingui-lo em meio a todos os outros barulhos, apesar dele continuar presente.

 

Outras vozes se misturam na minha tentativa de ficar em silêncio —- vozes que se expressam em mensagens que insistem em acender a tela principal do meu celular. Já tirei o som das notificações, mas não tenho coragem de calá-las por definitivo. Bastaria desligar o aparelho. Abandoná-lo em um canto. Às vezes tento, mas quando vejo, lá está o celular novamente nas minhas mãos. Disfarço a mente jogando em uma frenética tentativa de chegar ao fim de um jogo sem fim. Dedilho uma série de informações e busco imagens sem parar. Jogo mais um pouco e se tento iniciar uma leitura, não consigo ir além de alguns parágrafos —- a tela pequena do celular cansa a vista, é a desculpa que me dou. Por que não trocar por um livro? Não dá, as mãos estão ocupadas no celular.

 

Nenhuma voz me incomoda mais do que a minha própria voz — que não se cansa, não cala nunca. Nem quando me ajoelho diante do altar. Ali, quero apenas ouvir a voz de Deus, mas insisto em falar com Ele. Agradeço, peço, me desculpo. E de repente me dou conta que tudo aquilo se transformou em um monólogo onde só minha voz está ecoando dentro da minha cabeça. E o que Deus tem a me dizer? Perdão, não consegui ouvir.

 

Às vezes, enquanto dirijo, penso em ficar quieto comigo mesmo. Desligo o som do rádio, deixo os vidros fechados e conduzo o carro acreditando que estou no piloto automático. Mas o simples fato de parar para pensar, me leva de volta ao barulho das muitas vozes que me envolvem — as minhas, as outras, as da consciência … putz … essas são as piores, pois nos fazem dialogar com os erros do passado, tentam reconstruir conversas que sequer temos certeza que ocorreram algum dia. E o que antes estava ressonando apenas na minha mente, escapa pela boca e torço para que ninguém mais próximo perceba essa loucura.

 

No exercício que fiz hoje, ficou evidente que a tarefa de silenciar não será tão simples assim. Acostumamo-nos aos barulhos internos e externos. Estamos sempre pescando uma voz, um pensamento, uma mensagem ou uma referência —- parece que se encontrarmos a ausência de som nos desligaremos por completo do ambiente em que vivemos e o medo de não saber onde estamos, me causa agonia.

 

Vou insistir neste desafio, mesmo que minha desconfiança fale mais alto. Vou tentar amanhã, depois, outro dia qualquer. Em casa, na Igreja, no carro ou onde eu estiver. Quero me dar o direito a ao menos um só minuto de silêncio. Em vida.

De meditação

 


Por Maria Lucia Solla

 

 

Você medita? Não sou meditante modelo, mas tenho experiência na Meditação Transcendental para afirmar que se meditasse duas vezes por dia, como recomendado, metade dos meus problemas estourariam feito bolhas de sabão; aquela metade que contem ansiedade, enfermidade, medo, criticismo, e outros venenos. Então por que não medito regularmente para me livrar do que me traz rugas mais profundas, olheiras mais escuras, taquicardia, urubus no plexo solar… Pelo mesmo motivo que tomava refrigerante mais do que devia, que como chocolate muito mais do que devo, que ainda me sento torta no sofá, com o iPad no colo e a cabeça enterrada no peito. Pelo mesmo motivo que ainda penso negativo durante mais tempo do que devia, que me irritava no trânsito, que ainda sou escrava de alguns apegos, que estudo menos do que gostaria, que sou muito menos tolerante do que um dia pretendo ser, que sou uma pessoa pior do que aqueles que me rodeiam gostariam que eu fosse.

 

Auto-sabotagem.

 

Tem fases em que consigo meditar livre e mansamente, mas preciso confessar que essa disposição não tem feito parte do meu dia a dia, há tempo. Ou não medito ou, se medito, não consigo ficar quieta por muito tempo. O pé cheio de manha não para quieto, e a cabeça enreda enredos mascarados de realidade. É quando mais preciso, eu sei. E daí? A gente sabe coisa demais e põe em prática coisa de menos. Medida certa? Como boa anarquista de coração, acredito que a medida certa seja diferente para cada um. Somos perto de sete bilhões de pessoas sobre a face da terra e, portanto, o mesmo número de receitas diferentes. Todos feitos dos mesmos ingredientes, com dosagem diferente. Se você tem noção do que se faz numa cozinha além de abrir a geladeira, entende o que quero dizer. Tem receita que não aceita um ingrediente, que cai feito luva em outra.

 

E isso me leva a pensar no equilíbrio que a gente persegue, tentando dosar a vida que leva, minuto a minuto. Sem trégua. Pois hoje, na minha sentada para meditar, no processo de acalmar a mente, enquanto ela dava guinadas circenses e derrapava nas curvas de meus neurônios neuróticos, percebi o peso do meu corpo no assento do sofá. Aqui está o exemplo de equilíbrio perfeito, pensei. Meu corpo não exerce pressão maior do que meu peso, sentada assim feito índio fumando cachimbo, sem tentar um braço de ferro (se bem que a expressão não se encaixe nesse caso) com o assento do sofá que também faz o que pode. Me suporta. Equilíbrio e respeito. Cada um na sua. Ah, sonho…

 

E vinte minutos depois, sem tirar nem pôr, abri os olhos e tinha meditado como fazia tempo que não conseguia.

 

A meditação não é ensinada na escola porque não paga imposto, não cobra dízimo e não dá lucro para comando de laia nenhuma.

 

A meditação, ao menos a minha, não tem sido praticada antes do dia começar com a abertura da agenda, porque o caos é o regente da vez e, portanto, tudo o que traz paz deve ser eliminado e, se isso não for possível, ao menos coberto com o véu do ridículo. Assim que eu, ridiculamente, continuo buscando paz, útero gerador de equilíbrio e cidadania. Faço parte, com muita honra, da tribo dos loucos, dissidentes do caos.

 

Para você, paz durante a semana que começa, e até a semana que vem.

 

Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung