Avalanche Tricolor: para lembrar das peladas jogadas na Saldanha

 

 

São Paulo 1×0 Grêmio
Gaúcho – Aldo Dapuzzo/Rio Grande

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Uma luta contra a bola, na foto de LUCASUEBEL/GRÊMIOFBPA


 

 

Tem um posto Ipiranga ali na esquina. Aqui próximo, um galpão com calhetão. E do lado de lá das cabines de rádio e TV, um muro ocupa o espaço que deveria ser de arquibancada. Em meio a tudo isso, o pessoal mantém um campinho de futebol que intercala grama com buraco. Às vezes, a turma chuta a bola meio alta, seja por falta de habilidade seja por intercorrências do campo, e vai parar lá em cima do telhado. Por sorte, o telhado é inclinado e a bola volta para alegria da gurizada.
 

 

Foi assim, diante destas cenas e com todo o respeito a história do time da casa que assisti ao jogo da noite de ontem, o último do Grêmio pela fase de classificação do Campeonato Gaúcho. Tinha cara de várzea apesar da pompa e circunstância no início da partida. E apesar da importância do jogo para o adversário que precisava de um bom resultado para não cair à Segunda Divisão.
 

 

Ao Grêmio, no máximo, definiríamos o confronto da próxima fase, pois a classificação entre os quatro primeiros já estava garantida, por isso levou-se time “alternativo” a campo – ao péssimo campo em Rio Grande, que, aliás, foi um dos motivos da dificuldade na troca de passe, além da falta de entrosamento e alguma limitação técnica.
 

 

Talvez a falta de ambição do time tenha me dado tempo para olhar para a partida com todas as peculiaridades descritas no primeiro parágrafo – sim, tudo aquilo acontecia em um jogo de futebol oficial e com a chancela da Federação Gaúcha – e me levado a lembrar dos tempos do futebol no campinho perto de casa.
 

 

Lá no Menino Deus não tinha posto de gasolina, mas tinha a porta de ferro do açougue do Seu Bernardo que servia de goleira. Tinha a venda do seu Ernesto na outra esquina, onde bebíamos água no intervalo da pelada. Tinha um bordel, tratado com todo o respeito pela gurizada que jogava bola. E tinha muros para tabelar e telhados sem inclinação que mantinha a bola refém como pena pelo chute mal chutado.
 

 

Bons tempos aqueles do futebol jogado lá na Saldanha Marinho, bem do ladinho do saudoso Olímpico. Tempos em que aos grandes do Rio Grande bastava jogar bola para estar na final. Hoje, tem gente que quase nem se classifica à próxima fase.

Porto Alegre entregue à violência me faz lembrar Chicago

 

Por Milton Ferretti Jung

 

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Porto Alegre já foi uma cidade relativamente tranquila. Não creio que tenha exagerado quando, num despretensioso texto para minha página no Facebook,a comparei com a velha Chicago que,se não me engano,era uma espécie de sede da máfia dos Estados Unidos e não somente nos filmes que nos acostumamos a ver essa famosa cidade. Ela não era fictícia,mas bem verdadeira. Já a cidade na qual moramos,especialmente nos últimos dias,sofreu uma transformação. Os bandidos locais estão ficando cada vez mais agressivos. A briga pelos pontos de venda do produto em que mergulharam com a cara e a coragem – os tóxicos de todos os tipos – torna-se muito mais violenta a cada dia que passa. O pior é que este recrudescimento não fica apenas nas vilas. Surge em um momento desastroso para a população: os funcionários públicos do governo gaúcho estão em greve. Encontram-se entre eles os que são responsáveis pela proteção do povo: os da Brigada Militar e Polícia Civil. A paralisação é mais do que justa. Os descontos nos salários,porém,não são. Mesmo os professores que não comparecem às escolas em que trabalham é pernicioso, com certeza,tanto para alunos e seus pais,mas não diz respeito à segurança,quem é que não sabe.

 

Quem acompanha a cobertura da mídia não desconhece o resultado trágico,inclusive,da perseguição empreendida pela Brigada Militar, na sexta-feira, que se estendeu por várias ruas e,uma bala perdida – quase sempre existe uma – atingiu um padeiro da Avenida Getúlio Vargas, no bairro Menino Deus, onde, aliás, vivi por muitos anos e meus filhos cresceram, sendo que um deles, o Christian, ainda mora lá. O padeiro, que morreu nesta terça-feira, levava para passear a cachorra da casa,antes que a sua família ocupasse os carros que os levaria ao litoral para aproveitar o feriado.

 

Com a manchete “Crimes e boatos elevam a sensação de insegurança ”a notícia da Zero Hora estampa a fotografia que acompanha o texto. Nessa,mostra o resultado da bomba explodida em Canoas,aliado a falsos alertas espalhados pelo WhatsApp. Até isso serve como uma espécie de arma para espalhar o terror por Porto Alegre e cidades vizinhas. “Assaltos ousados,arrastões,perseguições e arrombamentos,em apenas um dia em cinco agências bancárias pioraram ainda mais a sensação de insegurança como reflexo da paralisação da polícia no Estado.Essa parte do texto pertence ao atilado repórter policial Humberto Trezzi.

 


Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista e meu pai. Escreve no Blog do Mílton Jung (o filho dele)

Do Natal do Menino Deus

 

Poeta Alceu Sebastião Costa

 

Lisboa (Natal)

 

Há um Anjo postado, apreensivo, na porta da confraria.
Seguro segura os restos sertanejos da viola enluarada,
Que despencou na madrugada com uma asa quebrada,
Agora procura bom banho para tirar a poeira da estrada.
Superado o fastio junto da mesa farta e mui bem arrumada,
Antes de voltar à mágica função de maestro da banda,
O Anjo, ainda parado, tenta descobrir de que lado a fila anda,
Sem perceber a aproximação de uma horda inusitada,
Histericamente aos gritos, deixando para trás o fogaréu,
Um mar de labaredas querendo alcançar os limites do céu,
Desafio dos ousados incendiários, solidários aos salafrários,
Que, sem se importar com o brilho da esperada Estrela Guia,
Na trilha do pó, nas nervuras do nó, sem perdão nem dó,
Tingem de sangue o cenário de apocalíptico presságio,
Ignorando o lastro sagrado a unir a Família de José e Maria,
No seio da qual, segundo a Profecia, o Cristo nasceria,
Para remir os pecados do Mundo naufragado na selvageria.
Então o Anjo, assumindo o seu verdadeiro papel neste enredo,
Sereno, pede a palavra aos crédulos expostos ao medo,
Logo lhes dizendo da importância da Paz e da Tolerância,
Do sair da sombra, escolher o caminho, vir para a Luz,
Sentir a magia, a força da energia, as vibrações positivas
Do Natal do Menino Deus, chamado Jesus.

 


A imagem deste post é da Galeria de MGKMPhotography, no Flickr

Avalanche Tricolor: porque eu sou gremista

 

Bahia 1 x 0 Grêmio

Campeonato Brasileiro – Fonte Nova (BA)

 

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Estive em Porto Alegre neste fim de semana. Oportunidade para conviver e relembrar, pois mesmo com poucos dias de estada visitei lugares marcantes para minha vida, a começar pelo fato de que sempre reencontro-me com a casa na qual cresci e amadureci (ou nem tanto), na Saldanha Marinho, no bairro Menino Deus, onde moram meu irmão, Christian, e minha cunhada, Lucia, bem próximo do saudoso estádio Olímpico, que, aliás, permanece lá, sem o anel superior e com estrutura cicatrizada pelo tempo, sofrimentos e conquistas. Convidado por meu sobrinho mais novo, o Fernando, irmão da Vitória (de belo e significativo nome, não?), fui assistir a atividade de encerramento de ano escolar no Colégio Marista Rosário, o mesmo onde estudei quando ainda levava o nome de Nossa Senhora do Rosário. Por lá joguei bola, fui campeão de basquete, namorei muito, me esborrachei no chão, presidi o grêmio estudantil e participei de intensos debates clubísticos com os colegas que teimavam em torcer para times adversários – lembro que alguns eram SER Caxias, outros São José, Cruzeiro ou times de menor expressão. Apesar de não ter citado na frase anterior, também estudei, mas não era muito fanático por esta prática.

 

Curiosamente, a atividade desse sábado pela manhã era no teatro da escola, onde frustrei minha carreira de cantor, depois de ser afastado do coral pelo irmão Alduino. Registre-se, ele tinha toda razão. No palco do teatro, porém, tive algumas passagens artísticas nas encenações de fim de ano organizadas pela professora Tânia. Assim com o teatro mantém muitas das lembranças daquela época, apesar de renovado, encontrei-as também passeando nos corredores do prédio original da escola, com os azulejos verdes na parede e o piso quadriculado em preto e branco. A cantina ocupa o mesmo espaço, assim como a sala do professores e a do GER – Grêmio Estudantil Rosariense. Lembrei de algumas salas de aula, provavelmente devo ter confundido outras, e as achei muito parecidas, exceção à lousa que não é mais de giz. O pátio tem mobiliário novo mas sofreu poucas mudanças. Caminhar dentro do Rosário, ver a sala de troféus e algumas fotos do passado me emocionaram.

 

Fiz questão de visitar a Arena Grêmio, no bairro Humaitá, na zona norte de Porto Alegre. Por incrível que seja, até hoje não assisti a partidas de futebol na nova casa gremista e apenas havia apreciado a bela arquitetura nas vezes que aterrisei no aeroporto Salgado Filho. Se do alto, a Arena chama atenção, é de perto que se tem noção clara das suas dimensões e do que pode representar quando tomada de torcedores. Havia alguns visitantes como eu percorrendo o entorno e parte de suas dependências, tirando fotografia, guardando recordações e sonhando com os títulos que virão. Havia os que se preparavam para a competição esportiva mais importante no fim de semana, em Porto Alegre: a Corrida do Grêmio que, soube há pouco, reuniu 5 mil pessoas, no domingo pela manhã. Consta que outra atividade estaria marcada para sábado à noite, na avenida Padre Cacique, mas de menor relevância; não sei bem o que se sucedeu por lá.

 

Prestei muita atenção no movimento daqueles gremistas que encararam o forte calor deste fim de semana porto-alegrense, na forma carinhosa com que apreciavam os paineis com ilustrações do tricolor, no interesse pelos souveniers oferecidos na loja GremioMania e nas conversas paralelas entre amigos, casais e famílias. Havia orgulho e alegria entre os muitos que vestiam nossa camisa. Nenhum parecia se importar com as dificuldades e falta de resultado que se avizinharam. Afinal, não somos gremistas porque ganhamos a vaga sejá lá pra qual for a competição, ou porque vencemos mais um título; nem deixaremos de sê-lo apenas por uma ou outra temporada sem conquistas, ou por um elenco que não nos agrade por completo. Somos gremistas porque o destino nos colocou neste caminho; alguém muito especial, uma luz qualquer ou um momento incrível – de dor ou de alegria – fez explodir esta paixão.

 

Diante de tudo isso, a partida desta noite em Salvador e a possibilidade de ainda termos um lugar na Libertadores do ano que vem ficaram menores, quase irrelevantes. Mas que eu queria ter visto nosso time brigando e acreditando até o fim, não tenha dúvida, eu queria. Porque eu sou gremista!

A felicidade da prostituta incomoda muita gente

Das missas na Igreja do Menino Deus, em Porto Alegre, lembro de algumas passagens. As homilias realísticas do padre Tarcísio de Nadal eram provocantes, pois falava coisa que padre não costumava falar naquela época. Era final dos anos 1970, início dos 1980. Cutucava as carolas que sentavam na primeira fila de bancos da Igreja e lembrava que não bastava estarem presentes com roupa recatada e oração decorada se, ao saírem pela porta, cuspiam no chão diante de uma prostituta, na avenida Getúlio Vargas. Aquelas mulheres, referia-se as moças que faziam ponto mais à frente, têm de ser respeitadas como qualquer outra. Católicos não poderiam se dar ao direito de discriminar seres humanos, aprendi das suas falas.

 

Muita coisa mudou desde as domingueiras na Igreja, nem todas para melhor. Desde a semana passada, a imagem de uma prostituta gaúcha, que soube depois faz ponto na praça da Alfândega, a 20 minutos do Menino Deus, derrubou um diretor do Ministério da Saúde, constrangeu o Ministro e expôs o lado mais conservador da sociedade (e de colegas meus, também). A peça, você já deve ter lido sobre isso, foi criada em oficina que reuniu profissionais do sexo, como costumam dizer por aí, e buscava melhorar a autoestima destas mulheres, chamar atenção para o respeito que merecem e os cuidados que devem ter com doenças sexualmente transmissíveis.

 

O que pegou mesmo foi a frase usada em um dos cartazes: “Eu sou feliz sendo prostituta”. Que direito aquela mulher, olhando no meu olho, tinha de jogar na minha cara a felicidade dela? Este sentimento que muitos de nós não somos capazes de alcançar com a realização do nosso trabalho ou em meio a nossa família. Imagine ela, desrepeitada, cuspida – para lembrar as carolas do padre Tarcísio – e esquecida pela sociedade. Jamais poderia ser feliz. Uma falta de respeito desta senhora. Pensaram muitos.

 

Imediatamente, todos saíram a falar sobre o assunto e criticar o comportamento do Ministério da Saúde, que pressionado recuou da iniciativa, cancelou a campanha que circularia nas redes sociais, defenestrou o diretor do Departamento de Doenças Sexuais Transmissíveis (DST), Aids e Hepatites Virais do ministério, Dirceu Greco, e jogou fora a boa oportunidade de avançar nas políticas públicas para as populações mais vulneráveis. Deve imaginar que assim o problema da prostituição esteja resolvido.

 

No fim de semana, descobre-se que, sim, é possível ser prostituta e feliz, assim como ser jornalista, engenheiro, arquiteto, ou seja lá qual for a profissão que você escolheu, e ser feliz. A modelo do cartaz, Nilce Machado, de 53 anos, foi ouvida por Elder Ogliari, do caderno Aliás, do Estadão, e disse com todas as letras: “sou prostituta e feliz porque adquiri muito conhecimento, é na profissão que consigo ajudar minhas colegas, ganho meu dinheiro, não tenho patrão, faço meu horário, tenho minha liberdade, cuido da minha saúde … além disso, tenho uma bela família que me aceita como sou, prostituta e feliz”. Coisas que muitos de nós não conquistamos até hoje. Por digna que é, teve mais coragem do que o ministro Alexandre Padilha. Além de falar do tema abertamente e não se esconder nas esquinas, anunciou seu descontentamento com a decisão do Governo Federal, disse que ficou aborrecida e não está mais disponível para campanhas no ministério.

 

Nas redes sociais, garotas de programa também criticaram a postura do governo. Monique Prada, por sinal tão gaúcha como Nice, e como as carolas do padre Tarcísio, lembrou, no Twitter, que a campanha “não tratava apenas de prevenção de DSTs, mas também da cidadania da prostituta”. Em outro texto, defendeu a legitimação da prostituição, acompanhada de cuidados especializados com saúde, diminuição do preconceito e garantia de diversos outros direitos: “a prostituição em si não fere a dignidade humana. As condições em que algumas colegas exercem sua atividade, sim”.

 

Ou seja, aqueles que não conhecem a situação das prostitutas, não convivem com elas, ou convivem como clientes sem respeitá-las, se apressaram em dizer que não é possível ser feliz assim. As prostitutas, discordam.

 

Saudades do Padre Tarcísio!