Entre o luto e o ouro

As emoções se entrelaçaram de forma contraditória, nestes últimos dias. Fomos levados a extremos que desafiam nossa compreensão e nossa capacidade de reação. Na sexta-feira, uma tragédia se abateu sobre Vinhedo, no interior de São Paulo, onde um avião caiu, levando consigo as vidas de 62 pessoas. Naquele mesmo instante, estávamos tomados pela euforia dos Jogos Olímpicos de Paris. Acompanhávamos em êxtase o ouro conquistado pelas atletas brasileiras do vôlei de praia, Ana Patrícia e Duda; a prata do canoísta Isaquias Queiroz; e o bronze de Alison dos Santos, no atletismo.

Essa dualidade de sentimentos, de dor e de celebração, nos coloca diante de um desafio único, tanto para o público quanto para nós, jornalistas. Eu já estava fora do ar quando o acidente aéreo foi confirmado e acompanhei à distância a tentativa dos colegas na redação em equilibrar a cobertura de uma tragédia de proporções tão devastadoras com a exaltação de conquistas esportivas que simbolizam o esforço, a superação e o orgulho de uma nação. Como transmitir a dimensão de uma perda irreparável sem deixar de reconhecer o mérito e a felicidade daqueles que, após anos de dedicação, alcançaram o topo de suas carreiras?

O escritor e filósofo Albert Camus, em sua obra “O Mito de Sísifo”, explora a ideia do absurdo da existência, uma sensação que muitos de nós experimentamos quando confrontados com situações como essas. Camus argumenta que, mesmo diante do absurdo, o ser humano deve buscar significado e continuar sua jornada. Essa visão pode nos ajudar a entender que a celebração das conquistas olímpicas não diminui a gravidade da tragédia aérea, assim como o luto pelas vidas perdidas não deve obscurecer a alegria daqueles que alcançaram o sucesso. 

Da mesma forma, o filósofo Friedrich Nietzsche, em “Assim Falou Zaratustra”, explora a profundidade da existência humana e os extremos que vivenciamos, como a dor e a alegria. Nietzsche nos desafia a abraçar a vida em sua totalidade através do conceito do “eterno retorno”, que propõe que cada momento, seja de felicidade ou de sofrimento, deve ser vivido como se estivesse destinado a se repetir infinitamente. Essa ideia nos convida a aceitar a convivência desses sentimentos contrastantes e a encontrar uma forma de viver que permita honrar tanto a memória das vítimas quanto celebrar o triunfo dos atletas, sem arrependimentos.

O papel do jornalismo, nesse contexto, é justamente o de ser o mediador entre esses extremos, oferecendo ao público uma cobertura que respeite a gravidade da tragédia e, ao mesmo tempo, celebre os feitos daqueles que superaram limites para representar o país no cenário internacional. Não podemos permitir que a existência de um fato desmereça o outro. A dor e a alegria, o luto e a celebração, fazem parte da condição humana e, como tal, devem ser abordados com a devida sensibilidade e respeito.

Ao final, cabe a cada um de nós, como indivíduos e como sociedade, aprender a lidar com essa dualidade, reconhecendo que, apesar de estarmos imersos em uma realidade que nos apresenta cenários tão distintos, somos capazes de encontrar força para seguir em frente, carregando em nossos corações tanto as lágrimas da perda quanto as da vitória.

Avalanche Tricolor: nossos meninos de ouro

 

Flamengo 2×1 Grêmio
Brasileiro – Mané Garrincha/Brasília

 

futebol

 

O estádio Mané Garrincha mantinha resquícios dos Jogos Olímpicos que passaram por lá. No alto do túnel por onde as duas equipes entrariam no gramado, a marca Rio2016 aparecia em destaque. Assim que a vi, lembrei de Luan e Walace e a conquista de ambos no dia anterior. Os dois meninos gremistas que saíram do banco e ajudaram a por ordem na equipe brasileira. Uma garotada que amadureceu durante a competição, colocou a bola no chão, teve talento para passá-la e se movimentou em campo com maestria.

 

Walace, mais atrás do que Luan, deu segurança à defesa e jogou como volante moderno, que desarma, eleva a cabeça e não se limita a tocar a bola para o companheiro mais próximo. Tenta sempre o mais bem colocado, aquele que pode dar sequência na jogada. Ainda tem a aprender, é lógico. Às vezes, ele esquece que na posição em que está faz parte do roteiro o chutão de bico para frente.

 

Luan, mais à frente do que Walace, manteve na seleção o toque refinado na bola que estamos acostumados a ver. Movimentou-se com desenvoltura como se veterano fosse. Rodava no meio de campo em busca da melhor jogada. Tocava para seus companheiros, deslocava-se para facilitar o passe dos companheiros e apareceu dentro da área para marcar quando foi exigido – como se estivesse no Grêmio. A cobrança de pênalti que encaminhou o ouro brasileiro foi a síntese do futebol elegante que imprime em campo.

 

Eles não eram os titulares quando a Olimpíada começou, mas os percalços nas primeiras partidas os levaram para o time. E ao entrarem, os dois provaram que de lá não deveriam sair. Tiveram talento e personalidade para assumirem o posto que lhes dariam o mérito de fazer parte da primeira equipe de ouro olímpico do futebol brasileiro.

 

Hoje, nossa bandeira tem uma estrela dourada para celebrar Everaldo que foi tricampeão mundial, em 1970. Já podemos pensar em ter mais duas para representar o ouro olímpico que ajudamos a garimpar.

 

Sobre a partida da manhã desse domingo, assim que os dois times deixaram aquele túnel com a marca da Rio2016 em destaque, percebi que Luan e Walace não estavam ali e fariam falta. E fizeram mesmo!

Conte Sua História de SP: o Centro dourado do meu avô

 

Por Mariana Pereira da Rocha Cruz
Ouvinte-internauta da CBN
 

 

 

 

Aos 85 anos foi meu avô quem me fez enxergar São Paulo da maneira que vejo hoje. João Baptista Pereira Netto não é simplesmente um joalheiro ou ourives. Dedicado, faz do trabalho um lazer, do pó a peça e das jóias, pequenas obras de arte que vende com preço justo e honesto, muitas vezes criticado por minha avó, dona Ofélia.

 

 
Nasceu no bairro Santa Cecilia, cresceu ao lado de seus sete irmãos. A educação se dividiu entre o jeitão descontraído da minha bisa italiana e do meu biso português, que até bebericava sua cachaça, mas por um pouquinho só não foi padre.

 

 
A Igreja Sagrado Coração de Maria foi pano de fundo de toda uma infância, pobre é verdade, mas nem por isso infeliz. São muitas as histórias que meu avô costuma me contar em sua oficina. Entre uma peça e outra, ele descreve o centro da cidade de São Paulo e as ruas onde costumava brincar ou ver os bondes passarem.

 

 
Com o rádio sempre ligado, aumenta o volume quando o assunto é Corinthians, grande paixão e ,possivelmente, um dos únicos assuntos que consegue tirá-lo do sério. Cresceu na Santa Cecília, construíu família em Pinheiros e devido a queda nas obras da linha Quatro do Metrô veio morar no Butantã, bem perto da minha casa.

 

 
Não reclama dos acontecimentos da vida, aliás não costuma reclamar. E eu devo confessar: só agradeço de poder estar ainda mais próxima de meu avô. Enquanto admiro seu trabalho de artesão ele me conta do dia em que foi escolhido para provar a Coca Cola quando chegou ao Brasil. Foi ali na Praça Ramos de Azevedo, no antigo Mappin. Também conta dos títulos da seleção brasileira via rádio, ou através de auto falantes que podiam ser ouvidos na Rua Direita, ou na Praça da Sé.

 

 
Anhangabau, Praça da República, Praça Ramos: aí passaram todos os principais eventos da vida de meu avô. Notícias, paqueras, trabalho… Hoje é um grande sacrifício para um jovem da minha idade se locomover até o centro. Pensa-se no trânsito, nos moradores de rua, na sujeira, nos usuários de droga, no preço dos estacionamentos. Pensa-se muito até a desistência.

 

 
Comigo é diferente. Ir ao centro da cidade com meu avô é descobrir uma São Paulo encantadora. Enquanto andamos na procura das pedras perfeitas ou vamos ao encontro de um antigo amigo dele, onde compra o ouro em pó, consigo vislumbrar São Paulo em sua mais perfeita elegância. Em um piscar de olhos, os postes são de ferro, os homens de chapéu, as mulheres de vestido… E o centro da cidade palpita …

 

 
João Baptista Pereira Netto, homem de fala mansa, trejeitos calmos e pacientes, é uma antítese em meio à confusão da cidade. Neste mundo em que todos trabalham demais, engolem a comida e ganham apenas o suficiente para pagar as muitas contas, ele é um dos poucos privilegiados que pode se dar ao luxo de viver da sua arte. Nas suas palavras, um verdadeiro presente de Deus.

 

 
Nas minhas palavras apenas posso agradecer por ter esse avô que me fez enxergar que a Vila Madalena, Vila Olímpia, Itaim, Moema, Jardins, são sim bairros lindos e jovens, cheios de restaurantes e lojas … mas que a história e o pulsar de São Paulo estão mesmo no centro dela.

 

 
 
Mariana Pereira da Rocha Cruz é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Conte você também mais um capítulo da nossa cidade: agende entrevista em audio e video no Museu da Pessoa pelo e-mail contesuahistoria@museudapessoa.net. Ou envie seu texto para milton@cbn.com.br. Ouça outras histórias de São Paulo no meu Blog, o Blog do Mílton Jung.