Avalanche Tricolor: do Grand Slam à grande sofrência

Grêmio 1×0 Sportivo Luqueño
Sul-Americana — Arena do Grêmio, Porto Alegre (RS)

Riquelme comemora em foto de Lucas Uebel/GrêmioFBPA

Sentei à noite diante da televisão ainda sob o impacto da vitória de João Fonseca em Roland Garros, no meio do dia. O jovem brasileiro eliminou o francês Pierre-Hugues Herbert por três sets a zero, com autoridade e talento que saltavam aos olhos. Desde sua estreia no Grand Slam de Paris, tenho dividido com amigos e ouvintes o prazer de torcer por alguém que vence com brilho próprio — sem precisar de pênalti forçado ou gol chorado.

Minutos depois, a realidade me trouxe de volta à Arena. Bastaram alguns toques na bola para que o sofrimento habitual se escancarasse. Nem mesmo um adversário fragilizado foi capaz de facilitar a missão. O Grêmio não conseguiu apresentar um futebol minimamente agradável. Sequer o árbitro, figura tantas vezes questionada, servia de bode expiatório. Foi preciso, correto ao marcar o pênalti e justo nas expulsões dos paraguaios.

Mesmo com um a mais em campo durante boa parte da partida — e dois nos minutos finais — desperdiçamos a penalidade e mal conseguimos aproveitar a vantagem numérica. Dizer que estávamos com um time alternativo, poupando titulares para o Campeonato Brasileiro, pouco aliviava a frustração. Pelo contrário: aumentava a preocupação ao ver Mano Menezes recorrer a nomes que já deveriam ter sido deixados para trás há algum tempo.

Para tornar a noite ainda mais amarga, o empate entre Godoy Cruz e Atlético Grau, na Argentina, teve gosto de oportunidade perdida. Os argentinos chegaram a estar perdendo, mas reagiram, e com o empate em 2 a 2 mantiveram a liderança do grupo. Bastariam mais dois gols do Grêmio — contra um adversário com dois a menos — para que conquistássemos a vaga direta à próxima fase. Dois gols. Não parecia pedir demais.

O que consola este torcedor é a aparição de Riquelme. Saído do banco no segundo tempo, foi ele quem marcou o único gol da noite. Aos 18 anos, mesma idade de João Fonseca, decidiu a partida e salvou o Grêmio de um vexame maior.

Será que ao menos isso… pode me dar alguma ilusão?

Avalanche Tricolor: distante, mas nunca impossível

Grêmio 0x2 Inter
Campeonato Gaúcho – Arena do Grêmio, Porto Alegre (RS)

Foto: Lucas Uebel/GrêmioFBPA

Escrevo esta Avalanche a mais de 3.700 quilômetros de Porto Alegre. Aqui, o porto é das Pedras, no litoral de Alagoas. Vim para cá para aproveitar alguns dias de folga do trabalho na rádio. O mar é manso e morno. A maré baixa ao longo do dia, revelando piscinas naturais de águas claras. O sol a pino se põe no Rio Manguaba, berçário de um estranho e bonachão peixe-boi.

Nem fauna nem flora, nem mar nem rio foram suficientes para me desconectar do que aconteceria na capital gaúcha, no fim da tarde deste sábado. Impossível não ser tocado pelo que ainda representa a disputa de uma final de Campeonato Gaúcho. É verdade que, no início da temporada, maldizemos a competição, que nos obriga a enfrentar adversários bem mais frágeis, muitas vezes em campos incipientes. Mas, quando chega a decisão, todos queremos o título.

Sempre queremos o título!

A possibilidade do octacampeonato — mais remota do que quando a partida começou — e a necessidade do adversário de conquistar uma competição que não vence há oito anos (sim, o co-irmão é octa-derrotado no estadual) fazem desta final um momento especial para o futebol gaúcho.

Mesmo longe, era possível sentir a tensão que cercava o clássico — lá em Porto Alegre e aqui, em Porto de Pedras. Um nervosismo que não me impedia de enxergar que estavam frente a frente duas equipes em estágios distantes de preparação. Uma pronta desde o ano passado; a minha, ainda em processo de construção. Minha esperança estava depositada na pressão que a torcida poderia exercer na Arena e no esforço redobrado dos jogadores tricolores para superar a falta de entrosamento de um time que ainda tenta falar a mesma língua.

Esperança frustrada ainda no primeiro tempo, quando a distância entre as duas equipes ficou evidente. De um lado, a bola tinha origem e destino certos; do outro, a falta de sincronia impedia avanços coordenados. O Grêmio esteve longe daquele que, em algumas partidas deste início de temporada, nos fez acreditar que tínhamos um time. Não perdi a crença nessa ideia. Temos um elenco melhor do que nos últimos dois anos, e há lógica na formação da equipe. Mas as oscilações são preocupantes — já tinham aparecido na estreia da Copa do Brasil e na segunda partida da semifinal do Gauchão. E se repetiram no Gre-Nal.

Alcançar o título gaúcho neste ano não será tarefa fácil, embora não seja impossível. Antes, porém, será preciso viajar mais de 1.600 quilômetros até São João del-Rei, no interior de Minas Gerais — bem longe de Porto Alegre —, vencer nosso adversário na segunda rodada da Copa do Brasil e retomar o ânimo para a final no próximo sábado.

Guaíba é lago ou é rio? Tanto faz? Não é bem assim!

Foto: Evandro Leal/Agencia Enquadrar/Agencia O Globo, CBN

No início da semana, segunda-feira, quando no Jornal da CBN já traduzíamos ao Brasil o tamanho da tragédia que se realizava no Rio Grande do Sul, o foco de atenção estava para o que aconteceria na capital gaúcha, Porto Alegre. 

A água do Guaíba subia com velocidade e o desastre não havia sido maior, até então, porque o sistema de diques, em especial o do Muro da Mauá, no cais do porto, reteve parte da água. 

Naquele momento, uma confusão muito comum se fez: o Guaíba é um rio ou um lago? Em alguns locais, falávamos rio, em outros, lago. 

Nascemos no Rio Grande do Sul, chamando-o de rio, como, aliás, até hoje é identificado pelo IBGE e a Marinha do Brasil. Questionamentos sobre as características deste corpo hídrico, levaram o Guaíba a ser considerado como lago. O Governo do Estado adotou a denominação em 1998. 

Especialistas explicam que o Guaíba é híbrido, porque nas suas bordas tem características de lago, porém há um corredor central em toda a sua extensão que é a continuidade do Rio Jacui. E, portanto, tem características de rio.

Esta pode ser uma discussão apenas conceitual, mas você vai perceber que não é bem assim. 

Considerando o que está escrito no Código Florestal, de 1999, as áreas de proteção ambiental, que devem ser preservadas e não ter construções no seu entorno, no caso de um rio, com a dimensão do Guaíba, se estendem por até 500 metros. Sendo um lago, e em região urbana, podem ser ocupadas as áreas, a partir de 30 metros. 

Portanto, veja que ao adotar a denominação lago, a cidade “ganhou” 470 metros a mais para construir no entorno do Guaíba. Este entorno que hoje está tomado pelas águas e se estende por mais alguns quilômetros para dentro da cidade, destruindo casas, alagando moradias, matando pessoas — são quatro mores até agora na capital — e apagando lembranças e registros de milhares de famílias.

Portanto, se um dia surgir esse debate aí na sua cidade, banhada por um rio, por uma lago, por um corpo hídrico, lembre o que está acontecendo com os porto-alegrenses.

Porto Alegre de joelhos: a oportunidade de renascer surge nas margens do Guaíba

O dilúvio de 2024 em Porto Alegre, em foto de Ricardo Stuckert/PR EBC

A casa do Menino Deus foi esvaziada. Minha gente se mudou preventivamente para um lugar mais seguro, diante do alerta de enchente. O Guaíba, esse espaço d’água que chamamos de rio, mas é um lago, fica a dois quilômetros de distância. Está bem mais próximo, há três dias, retomando suas margens originais frente ao volume excessivo de água que recebeu dos rios que correm do interior do estado. Ainda há possibilidade de chuva forte e falência total do sistema de bombeamento, o que poderia tornar ainda pior o cenário atual.

As raras e boas notícias desta manhã de terça-feira são de que a ameaça de enchente na Saldanha Marinho, rua em que nasci e vivi, diminuiu. É provável que seja preservada desta desgraça que assola o Rio Grande do Sul desde a semana passada. Algo sem precedentes, mas previsível. A incapacidade de escutarmos os sinais da natureza impede, contudo, ações preventivas, nos leva a desdenhar dos riscos e desperdiçar dinheiro em obras e projetos urbanísticos desconectados da realidade ambiental que geramos ao longo dos anos.

Guri de calça curta, correndo pelos corredores da casa da Saldanha, ouvia meus pais falarem do dilúvio de 1941, que levou a cidade a se reinventar e criar uma rede de proteção com muros e diques. Por incrível que possa parecer, foi o que amenizou a tragédia atual. Sim, chega a ser irônico: a Porto Alegre do século 21 foi salva por uma tecnologia dos anos de 1960. 


Nos últimos anos, estava admirado com a maneira como a cidade havia se voltado para o Guaíba. A orla foi recuperada, com a criação de parques e áreas de lazer. Desde o cais, no centro antigo, até a região do estaleiro, no início da zona sul, a população retomou o espaço de convívio com o seu rio. Nas visitas à cidade, fazia questão de passar por essa região e, orgulhosamente, apreciar o mais lindo pôr do sol que já conheci. 

Hoje, a cidade está de joelhos para o seu rio. Alguns bairros estão embaixo d’água, outros tiveram de ser evacuados, falta energia e água potável para a maior parte da população. Ainda não se tem ideia da dimensão dos estragos e quanto tempo Porto Alegre precisará para se reerguer. A esperança, e eu me recuso a falência da esperança, é que a coincidência deste desastre com o calendário eleitoral, leve partidos, políticos e eleitores a priorizarem projetos urbanístico que reinventem a cidade.

Temos de aprender com essa tragédia. É preciso cobrar dos candidatos uma revisão do planejamento urbano para garantir que novas construções e reestruturações de áreas sejam realizadas com a resiliência climática em mente, incluindo o aumento da área verde e a redução da impermeabilização do solo.

Será necessário, ainda, investimento nas tecnologias mais avançadas de barreiras e diques; expansão das áreas úmidas naturais próximas ao rio; implementação de sistemas de drenagem urbana sustentáveis; desenvolvimento de um sistema de alerta precoce com sensores e tecnologia de dados para monitorar os níveis de água e prever enchentes; e a criação de grupos comunitários de resposta a emergências para fortalecer a proteção local e a capacidade de resposta coletiva. 

À medida que as águas recuam, a oportunidade de renascer surge nas margens do Guaíba. As mudanças climáticas são uma realidade incontestável e responder a elas com resiliência e adaptabilidade não é apenas uma escolha, mas uma necessidade urgente.

Avalanche Tricolor: só o Grêmio para fazer minha Porto Alegre!

Grêmio 3×2 Caxias

Gaúcho – Arena do Grêmio, Porto Alegre/RS

Foto: Lucas Uebel/GrêmioFBPA

Se haveria uma noite para voltar à minha Porto Alegre a noite seria a de hoje. Que maravilha de noite seria esta ao lado dos amigos que lá deixei. 

Inspirado na poesia de Mário Quintana, poeta querido da minha cidade, andaria pelas ruas encantadas que nem em sonhos sonhei. E pelas ruas que passaria, cantaria em voz alta a alegria de amar o time que sempre amei!

Na festa de 252 anos da minha cidade, comemoraria com todos os torcedores a vitória do nosso Grêmio, que mesmo tendo conquistado o mundo, jamais esquecerá que nasceu porto-alegrense.

Orgulhoso de sua origem, nossa camisa tricolor ostentou, na partida de hoje, lugares que já visitei: a Catedral onde pelo Grêmio rezei, a Goethe em que títulos comemorei e o Olímpico, que jamais esquecerei. 

Aproveitaria-me da luz de uma lua minguante que nesta noite de festa se espraia pelas esquinas esquisitas a destacar tanta nuança de paredes — e lá vem os Quintanares a me animar. Olharia “o mapa da cidade como  quem examinasse a anatomia de um corpo …” e sairia a procura de outros gremistas para comemorar. 

Encontraria Diego, Franco, Mathias, Walter e o guri Gustavo e com um abraço forte compartilharia meu orgulho de ser gremista, de torcer por este time, o único time desta cidade capaz de fazer de Porto um lugar realmente Alegre, nesta noite de aniversário.

Avalanche Tricolor: Gre-nal sem VAR é várzea!

Inter 3×2 Grêmio

Gaúcho – Beira Rio, Porto Alegre/RS

Foto de Lucas Uebel/GrêmioFBPA

O caro e cada vez mais raro leitor desta Avalanche já leu textos em que descrevi cenários que encontramos nos jogos do campeonato gaúcho. Arquibancadas precárias e torcedores amontoados na laje de casas vizinhas para assistir aos jogos. Vestiários em que mal cabem o elenco completo durante a preleção dos treinadores. E gramados esburacados e impróprios para futebol. 

Hoje, acrescentamos mais um elemento nesta várzea: um clássico da dimensão do Gre-nal sem o recurso do VAR. Responsabilidade daqueles que no início da competição aceitaram essa regra esdrúxula e ultrapassada. Aos desavisados, a explicação: os clubes que disputaram a competição decidiram que não haveria o recurso eletrônico em nenhum jogo da primeira fase por uma questão financeira. 

Soube-se que no meio da semana, os dirigentes da dupla Gre-nal teriam aceitado pagar a empresa responsável pelo VAR, chegaram a depositar o dinheiro na conta, mas enquanto os funcionários se deslocavam para Porto Alegre foram informados que o recurso não teria sido autorizado. Até agora não entendi se isso se deu porque não houve unanimidade entre as demais equipes, o que era uma exigência do regulamento. 

O fato é que em um estádio de Copa do Mundo, com a presença das duas maiores torcidas do Rio Grande do Sul, a do Grêmio e a do Inter (necessariamente nesta ordem), com equipes que fazem investimentos milionários e capacitadas a oferecer um futebol de qualidade, fomos obrigados a assistir a um jogo em que não cabia revisão às decisões de campo do árbitro que, como se sabe cada vez mais, é limitado na sua atuação – e aqui não estou sequer entrando no mérito da qualificação deste que apitou a partida, pois é considerado um dos melhores que temos no país. Uma várzea!

A despeito disso, ao Grêmio cabe entender o que motivou a derrota deste início de noite, em Porto Alegre, e, principalmente, coloca-lá na devida dimensão. Primeiro, identificar seus pontos positivos e enaltecer a impetuosidade de Gustavo Nunes que, não podemos esquecer, tem apenas 18 anos e joga como gente grande. Depois, ajustar a marcação em uma faixa do gramado em que saíram os dois gols e o pênalti fatídico. E, finalmente, conscientizar-se de que esse resultado significa praticamente nada na missão maior que é ser heptacampeão desta várzea!

Avalanche Tricolor: eu vim ver o Grêmio e venci!

Grêmio 1×0 Atlético MG

Brasileiro – Arena Grêmio

Ronald comemora o gol da vitória em foto de Lucas Uebel/GrêmioFBPA

Estar em Porto Alegre é estar em família. É reviver o passado. É relembrar a vida que se foi e me trouxe até aqui. É homenagear os que me legaram a carreira que percorri e reencontrar o principal protagonista da minha história nas casas que frequentei quando criança, nas ruas pelas quais passei na adolescência e nas esquinas que me provocavam a escolher um caminho em busca do amadurecimento — eu mesmo.

Todas essas sensações percorrem as veias e mexem com as emoções quando chego à cidade. Estando aqui não há como esquecer o quanto minha história com o Grêmio foi importante — mais do que o time de futebol, aquele espaço que hoje é ruínas, muito próximo da casa em que vivi e me abriga sempre que visito a capital gaúcha foi meu palco de vida, onde forjei parte da personalidade que me representa, construí relações familiares e fraternais e aprendi a valorizar tanto vitórias quanto derrotas.

Estar na Arena, na noite desse sábado, ao lado do Christian, meu irmão, e da Jacque, minha irmã, é evocar aos céus a presença daquele que me fez gente e gremista — meu pai, que nos deixou há quatro anos em um 28 de julho. Por isso, mais do que o resultado, o que me importava era a solenidade do ato: vestir a camisa do Grêmio, sair de casa em direção ao estádio com meus irmãos, sentar-me em uma cadeira e ao lado deles torcer pelo que desse e viesse.

Veio uma vitória que nos projetou à vice-liderança do Campeonato Brasileiro. Vitória sofrida! Nem tanto pela forma como se construiu. O gol chegou cedo em uma cobrança de escanteio que foi concluída nas redes por Ronald, de apenas 20 anos, que está no clube desde pequeno e estreou hoje realizando o sonho de todos nós que já fomos um guri gremista.

O sofrimento deu-se na sequência quando o adversário se adonou da bola. Mesmo que não tenha sido capaz de transformar esse ato em superioridade técnica, exigiu uma atenção redobrada dos nossos marcadores. Nesse quesito, Walter Kannemann foi a referência do torcedor, foi gigante ao anular toda e qualquer tentativa de ataque. Nas vezes em que as ações passavam distante da intervenção de nosso zagueiro, Grando voltou a ser grande. Defendeu as bolas que por ventura não eram interceptadas por nossos defensores. E o fez mesmo naquelas em que o nível de dificuldade exigia rapidez e habilidade.

Saber sofrer é preciso. E o gremista ontem aprendeu mais um pouco. Entendeu o momento da equipe, apoiou do início ao fim, e comemorou de gol marcado a bola despachada pela lateral; de gol anulado a cartão amarelo para o adversário —- foi a primeira vez que assisti à revisão do VAR no estádio, e gostei, especialmente porque foi providencial. Sabia que os três pontos se faziam necessários e a torcida esteve ao lado do time — uma prévia do que acontecerá na quarta-feira, na Copa do Brasil. 

Nenhuma ausência no gramado me fez frustrar a expectativa de estar na Arena, porque vim a Porto Alegre, vi o Grêmio e venci (dentro e fora do campo)!

Avalanche Tricolor: o bom filho a casa torna

Grêmio 2×1 Ponte Preta

Brasileiro B – Arena Grêmio, Porto Alegre/RS

Uma torcida empolgante em foto de Mílton Jung

A casa onde morei ainda está por aqui. Também está a casa onde me descobri. O estádio onde forjei minha personalidade se sustenta como pode, mesmo que aos pedaços — suas linhas são visíveis na vizinhança. Por outros cantos que passeei, na cidade em que nasci, me reencontrei. Porto Alegre está cheia das minhas marcas tanto quanto eu tenho as dela. Nestes primeiros dias de férias, fui apresentado a novos espaços e paisagens que me conquistaram. Cenários recuperados. Outros recriados. 

Nesta toada de saudade e orgulho, de emoção e lembranças, voltei à Arena para assistir ao Grêmio, neste sábado. Fazia pouco tempo que havia estado por lá. E encontrei um clima bem diferente daquele início de campeonato. O torcedor está mais crente das suas possibilidades, apesar das desconfianças de plantão —- comuns para quem vivenciou o desastre de 2021. Ao menos descobriu que, a despeito dos limites do time, sua força será essencial para a retomada do rumo.

Logo que entrei na Arena, ouvi o hino ser entoado, em um coro puxado pelos alto-falantes. Em seguida, outras músicas ecoaram nas arquibancadas, inspirados na cantoria promovida pela turma da Geral. Alguns jogadores, mais do que outros, eram ovacionados. E empurrados pelo incentivo do torcedor. A maioria que estava lá, dentre velhos e adultos, jovens e crianças, queria mesmo é ver o ídolo que a casa torna: Lucas Leiva.

E enquanto Lucas não vinha, o time entregava o que tinha de melhor para o momento: uma intensidade incrível na marcação, velocidade na retomada da bola, e imposição sobre o adversário. Nem sempre tudo isso chega acompanhado do talento querido, mas é o suficiente para empolgar o torcedor.

Que empolgação! Há muito não assistia à torcida do Grêmio cantando quase toda a partida. Vibrando pelas pequenas conquistas. Comemorando lances banais. Emitindo uma energia que impulsionava o time à frente. Com um clima desses nada parecia capaz de nos impedir de chegar ao gol. Chegamos logo aos nove minutos e de forma magistral: um lançamento preciso de Villasanti que surpreendeu o zagueiros e encontrou Diego Souza, em condição legal, dentro da área. A bola morreu no peito dele e de bicicleta foi para o fundo da rede. 

Que explosão! Foi tamanha que muitos sequer perceberam que havia o risco de o gol ser anulado, e seguiram comemorando enquanto havia a checagem da imagem pelo VAR. Nesse ritmo alucinado, a pressão foi ainda maior. E antes de meia hora de jogo, em nova escapada veloz, Ferreirinha chutou no travessão e Campaz completou para o gol.

Quando o segundo tempo chegou, algo estranho aconteceu: mesmo com o time tendo desaparecido em campo, os torcedores seguiam cantando e pulando. É como se ninguém acreditasse que alguma coisa poderia dar errado na tarde desse sábado. O entusiasmo aumentou assim que Roger acionou Lucas Leiva no banco. A comemoração do torcedor era tal que muitos sequer viram que o Grêmio havia tomado um gol na cobrança de escanteio. Mais do que isso: que o Grêmio sofria forte pressão e corria riscos de desperdiçar os três pontos dentro de casa.

Até o apito final, a dúvida sobre o resultado persistia, dados os perigos que nos expomos. De certo, mesmo, só a forma como os torcedores — a ampla maioria deles —- decidiram abraçar o time, fenômeno que tenho identificado há algumas rodadas e, hoje à tarde, se comprovou em plena Arena do Grêmio.

Tive o prazer de vivenciar tudo isso, ao lado de gente querida, amigos e mais de 41 mil torcedores, em Porto Alegre. Voltar para essa casa me remete à felicidade dos tempos de guri, que me faz desejar começar tudo de novo, sempre ao lado do Grêmio, onde o Grêmio estiver!

Avalanche Tricolor: “nos f…..”, mas tô feliz!

Grêmio 0x1 Chapecoense

Brasileiro B – Arena Grêmio, Porto Alegre/RS

Foto de Lucas Uebel/GrêmioFBPA

Mal havia estraçalhado um X gigantesco na mesa mambembe de uma lanchonete da Cidade Baixa, quando o rapaz vestindo o casaco da Torcida Jovem, evidentemente embriagado, olhou para nós, reconheceu as cores de nossas camisas e tascou em alto e constrangedor som: “nos fudemo (sic)“. Respondemos com uma gargalhada à sentença definitiva sobre o que havia acontecido horas antes no bairro do Humaitá.

Rir da desgraça própria, dizem, é sinal de inteligência. Ali, foi a reação possível pelo inusitado da fala e uma combinação estranha entre a má-digestão proporcionada pela derrota na estreia do Grêmio na Série B, diante de sua torcida, e a difícil digestão de um sanduíche turbinado de  coração, calabresa, bacon, ovo, queijo, maionese, ervilha e milho, que aqui, em Porto Alegre, costumamos chamar intimamente de X —- apesar de o queijo que dá origem ao neologismo ser apenas um imperceptível detalhe. 

A passagem do moço gremista, bêbado e desbocado, tanto quanto certeiro, foi rápida. Em segundos, ele já havia se voltado a outro interesse, enquanto nós ficamos à mesa lembrando alguns dos momentos vivenciados na Arena. Ao lado de meus filhos, sobrinho e irmão tive o prazer de voltar a um estádio de futebol e assistir, ao vivo, a um jogo do Grêmio. A despeito da performance de nosso time e da frustração do resultado, estar na Arena me fez um cara feliz, nessa sexta-feira. A presença no estádio move com minha memória afetiva, e me afasta de realidades que prefiro esquecer. 

Cresci em um estádio de futebol, no caso o Olímpico, que agora é apenas ruínas na vizinhança de onde escrevo essa Avalanche. Foi lá que forjei minha personalidade, aprendi a trabalhar em equipe, entender o valor de uma amizade, conviver com os diferentes, saborear as vitórias sem ser prepotente e tolerar as derrotas. Sentar-me ao lado das pessoas que amo para ver uma partida na “arquibancada” —- e as aspas se justificam porque hoje preferem dar nomes mais chiques para os espaços que os torcedores ocupam —  tem um significado que vai além do do jogo em si. Ainda bem, porque se minha alegria dependesse dos resultados alcançados até aqui, convenhamos, só me restaria dizer o mesmo que o torcedor anônimo que encontrei na lanchonete.

Avalanche Tricolor: (des)memórias de Porto Alegre que comemora 249 anos

Juventude 2×1 Grêmio

Gaúcho – Montanha dos Vinhedos, Bento/RS

A mais bela paisagem de Porto Alegre: a Arena Grêmio e o pôr do sol

Já vivo há mais tempo em São Paulo do que em Porto Alegre. São 30 anos aqui na capital de 57 de vida. Foi lá no Rio Grande, porém, que vivi os mais marcantes na formação de meu caráter e personalidade. De pequeno, segurando a mão do pai e da mãe; de criança, correndo com os amigos  na calçada da Saldanha; de adolescente, batendo bola nas quadras e beijando no escurinho do cinema; até ser jovem, primeiro sem muita responsabilidade, fazendo aquelas coisas que hoje nos fazem pensar “como é que eu sobrevivi?”, para depois ser do tipo que tinha de pagar as próprias contas.

Saí por acaso de Porto Alegre, quase sem querer, para uma viagem festiva em São Paulo, quando deparei com a oportunidade de ouro na vida profissional. Tive tempo de voltar para Porto Alegre, jogar todas as roupas na mala, colocar o fusca grená à venda e dar um beijo nos mais queridos. Ainda passei lá no Zelig, o bar do Pio, ponto de encontro, bebedeiras, namoros e choradeira de muitos anos, na Cidade Baixa. No dia seguinte, um primeiro de janeiro, desembarcava na cidade que, hoje, é cenário de outros momentos muito importantes na minha vida. Deles conto em outra conversa. 

Hoje, estou aqui ocupando o espaço de uma Avalanche —- em que o desafio seria garimpar valores e aprendizados na primeira derrota, lá em Bento Gonçalves, do time de jovens que está disputando o Campeonato Gaúcho — para falar de Porto Alegre porque minha cidade completa 249 anos, nesta sexta-feira, 26 de março. Aprendi na escola que a cidade foi fundada por casais açorianos que desembarcaram no Porto das Pedras, no século 18. Construí a fantasia  de que sendo casais, teriam chegado em pequenas embarcações a remo, nas quais as moças estariam de chapéu largo e vestindo longo, enquanto os moços vestiam-se elegantemente de cartola, casaco e colete. Impossível, tendo todos vindos de tão longe. 

Nossa imaginação é capaz de construir histórias que jamais vivemos e as contamos como se verdadeiras fossem. É efeito do cérebro que para rodar em alta velocidade deixa de lado algumas informações, inventa coisas e manipula pensamentos.

Se eu disparar a contar as experiência marcantes de Porto Alegre é possível que alguém mais próximo venha me cochichar no ouvido de que não foi bem assim que aconteceu.

O amor não era tão apaixonante, a beleza tinha lá suas distorções e as aventuras que acredito ter vivido eram até meio sem graça

Independentemente dessa realidade e sem saber ao certo o quanto do que lembro é ilusão, Porto Alegre é meu chão —- é onde tive meus primeiros traumas e prazeres. Muito do que experimentei lá, trago no meu comportamento, mesmo que hábitos tenham sido abandonados no meio do caminho. E agradeço de coração a todos que me ajudaram a viver e a aprender naquela cidade.

Quem sabe, para a passagem do próximo ano que nos levará a marcante data dos 250 anos, não dedique mais espaço neste blog para contar as histórias nas quais é provável tenha sido apenas um observador mas que as transformarei em memoráveis, até que me provem o contrário.