A difícil arte de não ser perfeita

Abigail Costa

@abigailcosta

Foto de Ramakant Sharda

Esse assunto vira e mexe está nos meus pensamentos, nas sessões de terapia, nas conversas com os amigos mais pacientes. Ninguém nunca de disse de forma direta: “você tem que ser ótima para ser aceita!”. Mas eu, sim, já disse para mim mesma várias vezes. Não com todas essas palavras “VOCÊ TEM QUE SER ÓTIMA” — talvez com quase todas.

Percebi  essa autopressão quando resolvi voltar à faculdade para um MBA,  anos atrás. Era pra ser um curso leve, gostoso, diferente: Gestão do Luxo, com duração de dois anos. Em três meses, os primeiros sintomas apareceram de forma tão dura e doída que fui parar no pronto-socorro. As dores no estômago eram persistentes tanto quanto a vontade em ser a melhor aluna do curso. 

Depois de muitas conversas com o Gastro e alguns dias de internação no hospital, me lembro do Dr Arthur Ricca ter sentado ao meu lado na cama e dito” “você não tem nada além de uma gastrite xexelenta; para de querer ser perfeita e vai cuidar da sua cabeça!”. 1×0 para o médico. Não entendi nada, mas fiquei feliz em não ter algo grave. Terminei o MBA com nota máxima e muitas cartelas de ansiolíticos.

Passados anos desse episódio, volto outra vez às cadeiras da faculdade para uma segunda graduação. Mal sabia que retornaria ao inferno já no primeiro mês de estudo.

São cinco anos para o curso de Psicologia, e logo percebi que novos sintomas estavam se instalando — insônia, aperto no peito e um medo terrível de ser desmascarada. Do quê? De não ser boa o suficiente!

Por causa dos meus cabelos grisalhos, já no primeiro dia de aula, de passagem no corredor, alguém me perguntou, você é professora? Bastou para ascender todas as luzes do “preciso ser perfeita”. Todas as disciplinas eram minuciosamente transcritas para o caderno (sim, eu gravava as aulas), além das anotações em sala de aula — inclusive, os suspiros dos professores… vai que eles sinalizavam alguma palavra não dita.

Me recordo de ter terminado um dia com as costas travadas. Fui parar na maca de uma massagista brilhante que não precisou de muita conversa para que ela me perguntasse: “por que você quer competir com você mesma? Qual a necessidade disso?”.

De novo tinha consciência do abismo em que eu despencava em queda livre mas não tinha a mínima ideia de como acessar o manual do paraquedas e voltar ao curso normal do voo.

Veio o isolamento social e o que estava ruim, degringolou. Pensava e dizia: “Não preciso provar nada pra ninguém!”. Ok! Mas ninguém me cobrava nada. O problema é que não conseguia ser eu mesma, tinha que ser a melhor, tinha de usar um personagem e personagem representa, é cansativo. Nesse meio tempo, conversava com amigos mais próximos ou não, com irmãs e terapeutas e descobri que essa necessidade de perfeição não vinha só com os  estudos, era no trabalho, em casa, na vida!

Pra começar, precisei de ajuda para reconhecer essa tarefa impossível de querer estar sempre em primeiro, da necessidade em sempre ser a primeira. Verdade que a parte mais fácil é reconhecer, aceitar — na prática tem sido um dia de cada vez. E confesso que embora seja difícil chega a ser engraçado. 

Agora, por exemplo, faço uma pós-graduação em Gerontologia (a ciência que estuda o envelhecimento). Não vou esconder que ainda transcrevo minhas aulas para o caderno. Estou melhorando, já não gravo mais! Pois bem, em um daqueles testes odiosos de “assinale a opção incorreta”, não prestei atenção e errei uma questão.  Fiquei sem a nota 10. Quando percebi ali o gatilho para desencadear um sofrimento e acabar com a minha tarde de férias, falei em voz alta (eu tenho essa mania): “Big, por favor, deixa disso, é só uma avaliação! Isso é perfeccionismo!”. 

Ao falar comigo mesmo, voltei para o meu “só por hoje”.  Sou boa! Só por hoje, eu não preciso ser perfeita!

E você? É perfeita? 

Abigail Costa é jornalista, tem MBA em Gestão de Luxo, é estudante de Psicologia na FMU, faz pós-graduação em Gerontologia, no Hospital Albert Einstein, e escreve como colaboradora a convite do Blog do Mílton Jung.

A busca pela imperfeição

Por Simone Domingues

@simonedominguespsicologa

Foto: IONEL BONAVENTURE / AFP Site CBN

“Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter;

repugna-la-íamos se a tivéssemos.

O perfeito é o desumano porque o humano é imperfeito”

Fernando Pessoa

Esparta foi uma das principais cidades-estado da Grécia Antiga, que mantinha sua soberania pautada na austeridade e disciplina militar. A educação espartana era rígida e visava preparar o povo para as lutas, através de treinamentos físicos intensos que promovessem força e resistência, capazes de levar à perfeição e, consequentemente, à derrota do adversário. As relações sociais e familiares ficavam em segundo plano, e aqueles que não se adaptavam a esse modelo eram punidos e excluídos da sociedade.

Os ideais espartanos de disciplina, resistência e superação de limites físicos foram muitas vezes cruciais, não apenas nas guerras ou disputas territoriais, mas também nos jogos olímpicos que eram realizados na Grécia Antiga.

Desde então, muitas transformações aconteceram nas Olimpíadas, como a inclusão de novas modalidades. No entanto, as exigências de perfeição as quais muitos atletas estão sujeitos permanecem semelhantes aos padrões helenos.

É necessário ser o mais rápido. É necessário ser preciso. Não há espaço para erros. Do contrário, o atleta depara com as consequências impostas ao simples fato de ser imperfeito. A busca pela perfeição pressupõe um ciclo nocivo à saúde física e mental, não apenas de atletas, mas de milhares de pessoas em todo o mundo.

Nessas situações, é muito comum que se estabeleçam metas elevadas para si, reforçando-se a crença de que as coisas devem ser feitas perfeitamente ou então não devem ser realizadas.

O curioso é que, diante das dificuldades que surgem, há uma tendência ao aumento da autocrítica e da ideia de incapacidade, fazendo com que a pessoa aumente ainda mais a sua meta e seja negligente com suas necessidades fisiológicas e seu bem-estar psíquico, perseverando nesse ciclo.

Certa vez perguntei a uma pessoa, que estava sobrecarregada com as pressões do trabalho, o que achava que poderia fazer para solucionar isso. Sua resposta foi curiosa: “ficar algumas horas a mais além do expediente, para poder me dedicar e checar o que já fiz para ter certeza de que não vou falhar”.

O resultado desse excesso de dedicação e da negligência com o autocuidado leva ao esgotamento físico e mental e à sensação de sobrecarga e exaustão. Sentindo-se frustrada, essa pessoa acredita que é insuficiente, incompetente ou incapaz. Isso aumenta significativamente a ocorrência dos transtornos de ansiedade, depressão e burnout.

Manter o equilíbrio nas traves da vida nem sempre é tarefa fácil. Na busca por saltos duplos e triplos, somados às piruetas para driblar o dia a dia, nossos movimentos ficam pouco harmoniosos, tropeçamos na aterrisagem e nosso solo se assemelha a um campo de batalha, no qual lutamos contra pressões, inseguranças, medos e, principalmente, nós mesmos.

Há uma cobrança excessiva para que dêmos conta, impecavelmente, de uma lista extensa demais.

Precisamos ser mais como Simone Biles.

Assumir as nossas dificuldades ou vulnerabilidades não é sinal de fraqueza. Assumir que não são somos robôs ou feitos de aço, que não precisamos e não queremos ser heróis, nos aproxima da nossa natureza, da nossa humanidade.

Somos imperfeitos!

Saiba mais sobre saúde mental e comportamento assistindo ao canal 10porcentomais

Simone Domingues é Psicóloga especialista em Neuropsicologia, tem Pós-Doutorado em Neurociências pela Universidade de Lille/França, é uma das autoras do canal @dezporcentomais no Youtube. Escreveu este artigo a convite do Blog do Mílton Jung

De desabafo

 

Por Maria Lucia Solla

 

Desabafo é vapor que assobia pela válvula, quando se está prestes a explodir. É o que está acumulado há tanto tempo que não dá para represar. É um descarrilhar inesperado que faz a gente escorregar, meter as mãos pelos pés, cair, se ralar, levantar, e mesmo sangrando gritar. Para não engasgar, para não sufocar.

 

Desabafo não é bafo; desabafo é vital e sua banda. É uma das últimas cartas que se tem na manga, é recurso derradeiro, mesmo que seja o primeiro.

 

Desabafo é pioneiro, toda vez.

 

Desabafo é como rolha de champanhe, sai apressado e desatento, de tanto armazenar desalento. E é bom ficar atento para não amordaçar o detento. É deixar fluir, cada um o seu. A seu modo, em cada canto, dando vazão ao desalento.

 

Para a pressão do desabafo que aumenta, ha duas saídas, expressão ou depressão. Solidão ou união.

 

Fui cara pintada, sou rebelde dos anos sessenta e confio na juventude que de alienada não tem nada, mas tenho medo de quem tenta pôr panos quentes na revolta, de quem tenta pôr ordem no caos. A cegueira intelectual só vê coerência no que pode apalpar, naquilo que serve ao seu próprio paladar.

 

De política sei quase nada, mas de gente sei um pouco. Não é preciso ser especialista para ver que a vida vai mal por estes lados do planeta, que o povo vive mal, estendendo a mão para alcançar promessas vãs, de migalha em migalha de pão para o corpo, esfomeado na alma e na dignidade que nem sabe mais o que é.

 

Pitaco para a solução? Que tal exterminar a obrigatoriedade do voto manipulado, do analfabeto comprado por tostão? Que tal arrumarmos nossa casa em vez de posarmos de bacana ajudando o povo de Havana? Que tal escola e saúde para o povo faminto em vez de facilitar a compra de automóvel e de tevê?

 

Estamos virando as costas para o ópio de cada dia, para o sorriso falso arquitetado por marqueteiros de plantão, para o populismo barato que nos custa tão caro.

 

Dá-lhe povo brasileiro! É hora do desabafo. Para diminuir a pressão no peito, para dar a Deus a mansidão patética de quem se contenta com merreca.

 

Queremos ricos, pobres e políticos ladrões na cadeia, ou este país, num piscar de olhos se incendeia.

 

Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung

Sexo temporão

 

Por Carlos Magno Gibrail

Sexo e personalidades

A hipertensão cresceu no Brasil e atingiu o alto percentual de 24,4%. Rio com 28% e São Paulo com 26% são as cidades mais atingidas.

Diante deste quadro preocupante, o Ministério da Saúde convocou uma coletiva de imprensa para alertar e orientar a população, divulgando o início de uma campanha para evitar a ansiedade que causa a hipertensão. A doença está associada a fatores genéticos, hábitos alimentares, obesidade e estresse.

“Fazer sexo ajuda”.

“As pessoas têm que se mexer. A pelada do fim de semana não deve ser a única atividade. Os adultos devem praticar exercícios, caminhar, dançar, fazer sexo seguro”.

“O deputado Darcísio Peronde falou cinco vezes ao dia. Mas acho que cinco vezes por semana está bom”.

Foram as palavras de José Gomes Temporão, Ministro da Saúde, no lançamento da Campanha contra a Hipertensão.

Os hipertensos, se não pertencerem ao perfil sexual de Michael Douglas, Tiger Woods, Vagner Love, estarão diante de mais um ponto de tensão. Todas as indicações médicas para tratamento podem ser regularmente contratadas. Menos, evidentemente, a proposição mais acentuada pelo Ministro. Sexo saudável e seguro não se vende regularmente em academias, ginásios, farmácias.

É claro que foi uma graça impertinente ao momento e ao cargo de Ministro.

A imprensa reagiu como esperado. Pegou a deixa e o papel de retransmissora apenas, dado o curioso do tema. Certamente, iria despertar o interesse do público consumidor de seus veículos. Foi o que se viu durante a semana, nos jornais, nas rádios, revistas, internet, e até chamadas insistentes como uma das atrações para o Fantástico de domingo. E, quem assistiu verificou a inexatidão técnica da orientação, pois o sexo tem pré-requisitos. Do contrário pode acarretar problemas e não solução.

Temporão conseguiu chamar atenção para a Campanha, mas a graça roubou a pegada técnica. Diferentemente do Fantástico, a maioria das publicações abordou apenas a questão da recomendação da prática regular do sexo. As demais condições a serem absorvidas, entendidas, traduzidas, pois são complexas, ficaram em segundo plano.

O item alimentação, por exemplo, tem através do tempo trazido dúvidas. Hoje, na cidade de Okinawa, onde pessoas de 100 anos pedalam pelas suas ruas, o alimento básico é a carne de porco, tão combatida por muitos. O vinho, o uísque, a carne vermelha, o ovo, o leite de vaca, o azeite, ora são proibidos ora são endossados. Para início e retomada de exercícios há medidas que não podem ser desconsideradas, porém nada foi esclarecido, mesmo a titulo de cuidados iniciais.

Sem dúvida, o Ministro deu o tiro no pé e, provavelmente, um pontapé nas vendas de preservativos e consultas médicas para esclarecimentos.

Bom jornalismo e marketing serão bem-vindos na comunicação da próxima campanha do Ministério da Saúde.

Carlos Magno Gibrail é doutor em marketing de moda e escreve às quartas-feiras no Blog do Mílton Jung. Consta que não tem problemas de pressão alta.