É um privilégio viver em São Paulo, para alguns

 


Texto publicado, originalmente, no Blog Adote São Paulo, da Revista Época São Paulo

Favela do Moinho

 

Encontre um conterrâneo morando fora da terra natal e você notará nele uma ponta de desejo de voltar para casa um dia qualquer. É um sentimento normal para quem decidiu tocar sua vida distante de onde nasceu. De muitos amigos do Rio Grande do Sul que já vivem em São Paulo há algum tempo, costumo ouvir planos para o retorno – um trabalho que pretendem fazer, uma casinha que vão comprar ou uma história mal acabada que imaginam dar o ponto final. Tenho um amigo em especial que é carioca, fala com forte sotaque e torce para o Flamengo, estudou no interior paulista e mora na capital muito mais tempo do que viveu na cidade do Rio. Brinco com ele: “só você não sabe que é paulista”. Vive aqui, trabalha aqui, é feliz aqui, mas um dia, quem sabe, talvez …

 

Confesso que eu mesmo muitas vezes me refiro a casa em que morei na infância, no bairro do Menino Deus, em Porto Alegre, como “lá na minha casa” quando, na realidade, minha casa fica bem aqui na zona Sul de São Paulo, fui eu quem construí ao lado da minha mulher e onde meus filhos nasceram (perdão, filho nascer em casa é modo de se expressar, há muito que eles nascem nos hospitais). Ao contrário da maioria dos amigos que veio de outros Estados, não desenho meu futuro ou aposentadoria na capital gaúcha e não vai aqui nenhum sentimento de frustração com o Rio Grande do Sul, estado que admiro por uma série de fatores, apenas tenho dificuldade, neste momento, de imaginar minha vida longe de São Paulo, onde ganhei personalidade profissional e desenvolvi meu conhecimento. São tantas as oportunidades que encontramos e tão ricas as experiências que trocá-las por qualquer outro lugar não me parece viável.

 

Este sentimento, porém, não é compartilhado pela maioria das pessoas que vive em São Paulo, incluindo aqui os paulistanos de nascença, conforme mostrou com clareza a pesquisa IRBEM 2012, feita pelo Ibope e encomendada pela Rede Nossa São Paulo, na qual 56% dos entrevistados disseram que gostariam de deixar a cidade, índice que chega a incríveis 66% quando ouvidos moradores dos distritos de Aricanduva e Mooca. A diferença entre o que penso e o que pensa a maioria me parece facilmente explicável. São Paulo não é uma cidade para todos, beneficia muito mais uns do que outros e oferece oportunidades diferentes, muito diferentes como mostram os índices de desigualdade que fazem parte da mesma pesquisa. O índice de satisfação média na questão desigualdade social é de apenas 4,3 quando se trata de conseguir emprego, em uma escala de 1 a 10. O de acesso à saúde é de 3,9 e o à moradia de 3,8. Nem todos tem os mesmos serviços à disposição. Veja que dos 96 distritos em que a cidade é dividida 45 não têm biblioteca infanto-juvenil e 44 não têm biblioteca para adultos. As diferenças também ocorrem nas áreas de lazer, educação, transporte, saúde e tantas outras. Como alertou Oded Grajew, um dos fundadores da Rede Nossa São Paulo, em comentário no programa CBN São Paulo: “esta desigualdade é insustentável, causa de muitos dos males que enfrentamos”.

 

Sinto-me um privilegiado por morar em São Paulo, e aqui pretendo viver por muito tempo ainda, mas adoraria saber que nossos gestores públicos e todos os demais que se oferecem para encarar este desafio tivessem projetos para diminuir estas desigualdades. Seria um presente e tanto para a cidade que completa 458 anos, no dia 25 de janeiro, saber que um dia todos terão os mesmos privilégios que tive desde que cheguei por aqui, em 1991.

E segue o desrespeito ao espaço público

 

Rua ocupada

Por falar em desrespeito ao espaço público, é um mistério os motivos que levam a CET e a prefeitura de São Paulo a permitirem que o dono desta mansão no bairro do Morumbi impeça o estacionamento de carros diante de sua residência. Todos os dias, o privilegiado morador de São Paulo coloca cones e fitas para delimitar o local impedindo que cidadãos comuns tenham o direito de parar seus automóveis por ali. A rua onde o desrespeito se repete é a Albertina de Oliveira Godinho, uma travessa da Oscar Americano, do lado contrário do Hospital São Luiz. Se a Companhia de Engenharia de Tráfego tiver dúvidas, basta acessar o Google Earth e verá como é possível transformar em privado o espaço que é um direito do público, pois a imagem está “eternizada” na internet, também.