Por Maria Lucia Solla
![emptiness2[1]](https://miltonjung.com.br/wp-content/uploads/2012/11/emptiness21.jpg?w=501&h=395)
Semana passada fiquei boa parte da tarde num dia, e boa parte da tarde dois dias depois, num laboratório de análises clínicas, desses que têm equipamento para ver do avesso e de frente para trás, passando por um processador de gente que me fez esperar por mais de hora e meia, atendida por meias-indicações enquanto pedem para que o paciente – e haja paciência – chegue com meia hora de antecedência ao local, em jejum, etc e etc. Tortura também foi preencher um questionário minucioso e esperar, esperar, esperar, depois de efetuar o pagamento, é claro. Por pagar também fui penalizada. Tive que subir dois lances de escada porque as máquinas para pagamento com cartão ficam bem acomodadas dois lances de escada acima, e é o paciente quem tem que se mexer. Dois dias e mais um grave aborrecimento e meio depois, voltei para retirar o resultado de uma ressonância magnética. Antes de mais nada era necessário que eu ao menos reportasse comportamento anti-ético, agressivo e desrespeitoso de uma das atendentes técnicas. Foi quando fiquei sabendo que, para isso, deveria me dirigir à sala vip do laboratório, para conversar com a responsável pelo setor. Sala vip? Nem sabia que existia uma aqui. Sim, era uma sala enorme e triste que estava às moscas. Rica e vazia. Gelada, como toda sala vip, e impessoal. Uma sala reservada a pacientes pagantes, independentes ou carentes de plano de saúde. Indiscriminadamente, daí para frente.Você é pagante? Então não pega senha e não espera na fila. É só pagar sem acionar o plano de saúde. Na sala vip do Diners você é premiado por ter um cartão. Ali, por não ter. Enigmas da vida.
Agora, vamos combinar que quem chega a um lugar como esse, onde você vai ter o braço furado, onde vão literalmente tirar teu sangue, examinar teu xixi e teu cocô, tem maior probabilidade de estar sofrendo do que de estar feliz. Para cada anúncio da chegada de um nenê desejado, quanto fígado, quanto pulmão, quanto cérebro, hormônio e osso e músculo e sangue e rim e pele em desequilíbrio, botando em risco não a ida a uma festa, a compra de um vestido ou uma unha quebrada, mas ameaçando a continuidade da vida. Para cada anúncio de está tudo bem, quanta notícia de desesperança, de dor e de solidão. Não é uma sala onde abunda energia de alegria. O ambiente é pesado e, por falar nisso, toda a decoração, cor, iluminação, é tudo triste e te convida a sair dali o mais depressa possível.
E foi o que fiz. Saí dali o mais rapidamente que consegui, mas já me sentindo tão desesperançada, tão triste que nem sei dizer. Aquele é um lugar que só existe porque tem gente doente que precisa de ajuda, de acolhimento de atenção, de compaixão, sem falar em respeito e consideração, qualidades que são fáceis de reconhecer no primeiro olhar, no sorriso da chegada, não só no cabelo uniformizadamente puxado para trás e as unhas feitas. É preciso nos refazermos. Todos.
Maria Lucia Solla é professora, realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung