Por Antonio Quadrado
Ouça o texto “A lanterna” de Antonio Quadrado
Gira-fogo, gira-fogo… gira-mundo.
É junho, noite e frio!
Não fossem as lanternas, o duro breu da noite engoliria a todos.
Estamos chegando ao topo do morro, onde nos esperam; da arriscada aventura. Não foi fácil ao pequeno grupo cumprir a missão de afanar as batatas-doces, pinhões e, sobretudo, o quentão que as mães haviam preparado em fogueira montada na rua, frente as casas dos vizinhos – que sabiam se cotizar nos afazeres.
Não seria ali, sob os olhos dos adultos, que a turma iria passar o Santo Antônio; que abria o período das esperadas festas juninas.
Há pouco, de longe, já nos era possível avistar o giro das lanternas em nosso aguardo. Os rodopios circulares, verticais na lateral do corpo ou horizontais sobre as cabeças, só eram superados em destreza pelos movimentos em forma de oito-infinito, frontais ao corpo dos pequenos acrobatas.
O conjunto, dos sincronizados movimentos luz-calor, era de tal belezaque a visão turva, pós-quentão, certamente brotaria em lágrimas, mas que a fumaça das lanternas, faria desculpadas.
A sensação de liberdade que a companhia da turma,a distância dos adultos e a cobertura da noite propiciavam, precisava ser comemorada. Em nenhum outro período do ano seria possívelestar fora de casa depois da Ave-Maria. Não, ao menos, sem a surra de praxe.
Era junho, na periferia da provinciana e ingênua São Paulo, nos idos 60’s.Periferia, hoje quase centro, da principal megalópole do hemisfério sul.
Os garotos do pequeno grupo haviam cumprido a contento sua missão; por isso recebidos, quase como heróis.
As poucas canecas de alumínio, logo cheias do quentão pinga-gengibre-açucar,
eram repassadas entre todos, para dar à festa o clima que faltava.
Os cigarrinhos de machucho, cada um fazia o seu, mantidos acesos mais pelo fogo das lanternas do que pela destreza dos fumantes-recrutas.
Os pinhões eram facilmente divididos; não, as encarvoadas e escaldantes batatas-doces, que só as folhas dos jornais – dos balões-galinha – permitiam segurar para o corte das maiores, já que a grande quantidade de batatas surrupiadas, nunca era suficiente para atender toda a turma.
“Segura a lata, pô! Como cê qué que eu corte a abertura?”
A pedra martela a faca, há pouco subtraída aos olhos da mãe. A abertura de controle da ventilação vai sendo aberta na lata de óleo: uma lingüeta, furada do meio ao piso-dobradiça, na lateral mais larga da lata; de há muito guardada para a ocasião.
A parte superior, já tinha sido aberta. Por ela, e sobre as brasas emprestadas da fogueira, iriam sendo introduzidos os gravetos, sempre renovados, quando consumidos pelo calor do fogo,fonte da luz que permitia ao grupo se deslocar em segurança na noite em minguante.
Em seguida, com o auxílio do prego emprestado, seriam feitos os furos no topo superior das laterais mais estreitas da lata, por onde seria passado o arame de sustentação que permitiria, à mão, ficar longe do fogo e comandar as acrobacias pirotécnicas que, só funcionalmente, serviam para reavivar o fogo. De fato, a lúdica-estética era tudo o que contava.
Era essa imagem, da confecção da lanterna, que povoava a imaginação infantil, enquanto os olhos vislumbravam as, ainda visíveis, miríades de estrelas do céu paulistano daqueles, ainda-novos, tempos.
A imagem se completa: o efêmero vôo piro-fumegante do balão-galinha corta a cena. Uma folha de jornal, cujas pontas dobradas para baixo se juntam por delicada torção, é o que basta para que, ao ter as pontas incendiadas, leve ao céu preces e sonhos da molecada da Turma da Monteiros, da Vila Monumento.
Antonio Quadrado é ouvinte-internauta do CBN SP. Você pode participar do Conte Sua História de São Paulo enviando seu texto ou arquivo de áudio para contesuahistoria@cbn.com.br