Avalanche Tricolor: um jogo sob o impacto da cintilação ionosférica

 

Goiás 0 x 0 Grêmio
Campeonato Brasileiro – Serra Dourada (GO)

 

Grohe_Fotor

 

O futebol é rico em expressões que tentam explicar o que acontece dentro de campo; claro que nessa diversidade há exageros e distorções. Durante muito tempo, se dizia do time que estava perdendo o jogo que teria de correr atrás do prejuízo. Parece que hoje estamos todos convencidos de que o objetivo mesmo é correr em busca do sucesso. Deixe o prejuízo para trás.

 

Acho curioso, também, quando comentaristas falam que o time joga por apenas uma bola, como se isto não fosse uma imposição da regra. Nesse caso, porém, justifica-se: a equipe mantém o jogo em banho-maria (e eis mais uma dessas expressões) a espera de um contra-ataque ou uma bola lançada para dentro da área adversária.

 

Com isso, lembro de outra expressão comum, que por muito tempo identificava o time do Grêmio: é forte na bola parada. É usada para times que fazem gols de escanteio ou falta. Tenho saudades de um gol assim, ultimamente está difícil até acertar cobrança de escanteio (não é, Fernandinho?). Acabo de lembrar de mais uma: joga com o regulamento embaixo do braço, que serve mais para as competições mata-mata. Já fomos bons nisso, também.

 

Para não cansar o caro e raro leitor desta Avalanche, registro a última: joga no erro do adversário. Serve para quem abre mão da posse de bola, marca forte e fica a espera do passe ou lançamento errado do time oposto.

 

A despeito da falta de graça e emoção da partida de sábado à noite, no Serra Dourada, fui surpreendido ao ser apresentado a outra expressão que não sabia ter relação com o futebol: cintilação ionosférica. Foi Milton Leite da Sport TV, narrador de primeira, quem a usou para explicar – não um fenômeno esportivo – os problemas no sinal de transmissão da partida. A imagem travava e impedia que soubéssemos como seria a conclusão da jogada, apesar de que pelo andar da carruagem já não esperava grande coisa mesmo.

 

A ionosfera, camada que está de 50 até cerca de 1.000 quilômetros de altitude, ajuda nas transmissões a longa distância. É uma espécie de espelho que reflete o sinal das rádios de ondas curtas e, no passado, por exemplo, permitia que ouvíssemos emissoras de outros continentes nos famosos Transglobe. Nela também são refletidas as ondas de televisão e o sinal de GPS. O espelho às vezes causa distorções, produzidas por irregularidades na distribuição de életrons (não se perca nos detalhes), especialmente entre o pôr do sol e à meia-noite, em regiões de baixa latitude, como o Brasil. Situação que piora com os períodos de máxima atividade solar.

 

Como se vê nem tudo que cintila é ouro, e esta cintilação, além de ter prejudicado a transmissão da TV, pelo visto, influenciou o desempenho do nosso time que, assustado com o calor de 34º e umidade relativa do ar em 11%, apesar do anoitecer, fez questão de jogar com o pé no freio. Havia momentos em que antes de a bola chegar, nossos jogadores já posicionavam o corpo para passá-la para trás. Quando alguém arriscava correr, terminava o lance extasiado. Verdade que alguns dos nossos craques, como Luan, sempre parecem jogar cansados. Aliás, porque ele faz tantos gols com a camisa da seleção e não repete este desempenho com a do Grêmio? Marcelo Grohe com seu mal-estar foi o personagem do jogo, seja por refletir fisicamente o que todos pareciam sentir, o que o levou a ser substituído, seja pela defesa precisa (e sortuda) que fez em contra-ataque inimigo.

 

Tinha a expectativa que, em Goiânia, recuperaríamos os pontos perdidos no jogo anterior, em São Paulo, o que nos colocaria dentro do G4. Parece-me, porém, que o desempenho que tivemos atendeu a estratégia combinada no vestiário, haja vista que sequer tentamos substituir jogadores com o intuito de dar mais dinamismo na partida. O entra e sai foi apenas para fazer mais do mesmo. Nossos comandantes têm mais paciência do que eu. E talvez estivessem cientes do risco que corríamos frente a cintilação ionosférica.

 

Que nos próximos e finais compromissos deste Brasileiro o fenômeno não volte a prejudicar o sinal da TV nem a vontade de jogar do nosso time.

Avalanche Tricolor: Democracia e futebol

Moro na borda do Morumbi, bairro que nesta quarta-feira viveu uma noite especial.

Desde o fim da tarde – fria como tem sido todas desta semana – havia uma agitação saudável pelas principais avenidas, que causava um murmurinho capaz de alcançar as ruas mais calmas da região. Havia muito congestionamento, também, de onde se podia perceber uma mistura de ilusão e confiança que tomava conta dos militantes que seguiam para a sede da TV Bandeirantes; e dos muitos torcedores que caminhavam para o estádio.

Democracia e futebol dominavam o ambiente. E assim que os dois jogos se iniciaram o esforço de cada partido e equipe para conquistar a vitória se evidenciava. Alguns dissimulados, outros nervosos. Gente que batia acima da canela, pessoas que tiravam de letra. O do estádio me parecia mais instigante do que o do estúdio, apesar de que este não deixou de ser esclarecedor.

Houve vacilos, como a bola que teimou em escapar das mãos do goleiro, como os dados estatísticos usados de maneira incorreta. Houve grandes lances, como a pergunta capciosa respondida de forma assertiva, como o chute de lado de pé que quase enganou o adversário, mas que gerou uma bela defesa.

De casa, ouvi a torcida se lamuriar quando o atacante perdeu a chance de gol e se vangloriar na hora do gol. Era uma barulho mais sincero do que aquele que vazava do estúdio onde assessores – os pagos e os partidários – tentavam demonstrar entusiasmo e intimidar o adversário (convenhamos, o futebol também tem disso).

No paralelo dos dois embates, destacaram-se até mesmo as lágrimas ao final. Ou tentativas de lágrimas, no caso dos políticos.

Tentar assistir a estes espetáculos ao mesmo tempo – com duas televisões ligadas a minha frente – talvez tenha prejudicado minha avaliação. Mas não me impediu de ver que tanto os candidatos no debate como os jogadores na decisão lutavam pelos objetivos que haviam traçado no início da disputa, suaram a camisa (ou o tailleur) para defender seus ideais, não deixaram seus torcedores/eleitores envergonhados.

No futebol, o vencedor ficou bem claro; na política ainda tem muito jogo pela frente, apesar de o nome dos favoritos serem bastantes conhecidos.

Foi uma noite especial esta no Morumbi – já não posso dizer o mesmo daquela que vi, mais cedo, também pela televisão, no Serra Dourada, onde meu time do coração empatou em 1 a 1 com o Goiás, pela Copa Sul-Americana.