Conte Sua História de São Paulo: o abraço que não dei no Doutor Sócrates

Humberto Andrade

Ouvinte da CBN

Foto: Acervo/Gazeta Press – 11/12/1982

Pouco depois que me mudei para São Paulo, no fim dos anos de 1990, eu trabalhava em uma obra no Brooklin Novo, próximo à Av. Berrini e fui almoçar no shopping D&D. Num dos corredores, eu o vi saindo com a esposa de um restaurante. Ele passou por mim na direção contrária e foi … eu fiquei paralisado olhando. Era ele, Doutor Sócrates, meu ídolo de infância.

Aquele time do Corinthians do bicampeonato paulista, 82/83, da Democracia Corintiana, me marcou muito. Foi a afirmação de um menino de nove, dez anos, que me dera a certeza que seria corintiano por convicção. Até então, era corintiano apenas por influência do meu pai, desde o nascimento. 

Naquele instante, que não sai da minha lembrança, hesitei em chegar até ele. Tive vergonha e pensei que se o chamasse poderia ser indiscreto e atrapalhar.

E Sócrates foi caminhando em direção ao fim do corredor, lentamente, até sumir de vista.

Me arrependo de não ter puxado assunto e ter falado com ele qualquer coisa.

Fico pensando como seria. Poderia ter gritado:

Sóócrateesss!

E apertando sua mão, agradeceria:

Obrigado!

– Obrigado pelo quê? – imagino que ele perguntaria, sério e em tom filosófico.

Obrigado por tudo, por tudo! – eu responderia, nervoso e sem jeito. Como quem quisesse agradecer por ele me ter feito corintiano.

– Obrigado por fazer uma criança feliz, Sócrates!

Depois que ele morreu, em dezembro de 2011, eu percebi que essas oportunidades podem ser únicas. Hoje em dia, quando vejo um jogador que eu goste, de qualquer time, eu sempre puxo um assunto bobo, que seja, cumprimento e peço para tirar uma foto.

Daquele time excepcional, tive a chance mais tarde de conhecer o Zenon. Sempre fui muito bem tratado por todos, inclusive os que jogam ou jogaram pelo Palmeiras. Os ex-jogadores, principalmente, adoram esse carinho.

Certo dia foi incrível, encontrei o Dudu, ex-Palmeiras, ex-Cruzeiro, agora no Atlético Mineiro. Encontrei duas vezes no mesmo dia. De manhã na Pompeia, numa escolinha de futebol. Cheguei na cara de pau: – Você tira foto com corintiano? E ele gentilmente disse: – Claro!

À tarde, num açougue gourmet em Perdizes. “E agora, faz vídeo com corintiano?” Mais uma e eu já posso pedir música no Fantástico.

Quando eu estou com meu filho e vejo que ele está envergonhado em se aproximar de algum jogador, eu o incentivo a participar da tietagem. Eu sei que ele gosta, e se perder a oportunidade vai se arrepender —  assim como eu com o Doutor Sócrates.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Humberto Andrade é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva seu texto e envie agora para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite meu blog miltonjung.com.br e o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Corinthians, devolve minha alma roubada

 

Sou torcedor forjado a sofrimento e lágrimas, acostumado a lutar sempre e não aceitar a derrota mesmo quando esta é inevitável e a vitória, injustificável. Estou sempre disposto a mais uma conquista sabendo que esta somente será alcançada após driblar todos os percalços e no último minuto do jogo, se preciso for que seja no tempo extra. Foi assim que aprendi a me contorcer nas arquibancadas do Olímpico Monumental – no início apenas Olímpico -, empurrando a bola pela linha de fundo para impedir o ataque advesário, chutando o encosto da cadeira da frente para ajudar o volante a despachar o perigo e de bico enfiar a bola onde o goleiro não alcançará jamais. Nunca me iludi com os elogios ao futebol-maravilha, arma preferida de comentaristas e “especialistas” contra o futebol de verdade, aquele que rende títulos e emoção. Desdenham do time viril, bravo e competitivo que alcança sua meta, seja esta qual for, quando deveriam compreender que em campo não há mais espaço para firulas, lances rebuscados e goleadas – e na me venha com as exceções, estão aí apenas para confirmar a regra. Reclamam de jogadores limitados e placares espremidos. E daí ? Futebol é sangue, suor e camisa rasgada.

Chega-se a mais um título brasileiro nestas condições. Não se tem futebol de sobra nem jogador para ser chamado de craque. Tem-se um grupo de guerreiros dentro de campo e uma torcida alucinada do outro lado do alambrado. No banco, o técnico xinga, esbraveja, esmaga o rosto com as mãos, faz substituições para enfeiar a partida se isto for necessário no caminho da vitória. Sabe que todo drible será esquecido se esta não for alcançada e gol do título só serve para agradar programa de televisão. Por isso, se precisar que se vença de 0 a 0.

Caro e raro leitor deste blog (cada vez mais raro), estou feliz pela conquista que a Alma Tricolor alcançou nesta temporada de 2011. Aprendi seu significado e como esta contamina jogadores, técnicos e torcedores transformando-os em campeões lendo o filósofo do futebol Eduardo Bueno, o Peninha, no livro “Grêmio: nada pode ser maior”. É lá que se descobre que esta Alma foi campeã Mundial em 1950 vencendo o iluminado Brasil, no Maracanã; destroçou a Holanda em 1974 e 1978; conquistou a Copa de 2002 contra os badalados alemães; foi a maior e mais forte – nunca a mais talentosa – nas Libertadores de 1983 e 1995, no Mundial de Tóquio, em 1983 e nas muitas Copas do Brasil, em especial a de 2001, que tive oportunidade de comemorar no microfone com os gritos de gol no 3 a 1 contra o Corinthians, no Morumbi – estas últimas todas vestindo a sua tradicional camisa azul, preto e branco.

Neste ano, a Alma Tricolor, sabe-se lá porque os Deuses do futebol assim quiseram, fardou-se de corintiana e acaba de se transformar Campeã Brasileira, sem marcar gols, brigando com o adversário, reclamando do juiz mesmo que ele esteja certo, sofrendo ataques no poste e no travessão, e comemorando ao fim de tudo sob a batuta de um maestro que construiu sua imagem no Monumental, Tite. Fim de temporada, me cabe apenas um pedido ao Corinthinas que festeja merecido título: devolva-me a alma roubada – está fazendo uma falta danada para a turma da Azenha.

N.B: O futebol jogado, a vitória do Corinthians e a temporada de lamentos gremistas nada mais importam diante do minuto eterno de respeito que devemos a Sócrates e sua família. Um jogador que incluiu o calcanhar no vocabulário do futebol e a política no vestiário da bola. Ele também tinha Alma Tricolor.