De teatro

 

Por Maria Lucia Solla

 

carta

 

Olá,

 

sigo firme na tarefa da limpeza e organização do meu apartamento. Entro em contato com cada coisa, e me entrego. Mão na massa, e haja coração. Tem de tudo, meu Pai! Fiquei muito tempo na estrada, longe de mim.

 

Encontro coisas que fazem meu coração bater mais forte, outras me fazem sorrir. Tem as que me emocionam, e as que espremem meu coração.

 

Pilhas de livros me sequestram, e eu me rendo, mas quando paro porque sinto dor no pescoço ou porque uma perna começa a roncar, de tanto dormir, já passou o dia; é hora de acender as luzes. E vou selecionando, agradecendo cada coisa de que eu não preciso mais e empilhando para oferecer a quem precisa, para ir para o lixo, para arquivar…

 

Mas falando em precisar, nem preciso dizer que meu humor e meu raciocínio andam enlouquecidos. É muita coisa. Cada objeto me conta mais de uma história, que me leva para outra, e mais outra; e me perco ao me encontrar. Como é que eu faço para dar as costas aos relatos? Sento no chão e deixo que as coisas falem comigo. Tem sido mágico.

 

E em todos estes anos, eu não me lembrava que tinha uma cópia do script da minha primeira peça infantil, no Teatro Amador do Jaguaré, em 1959. Eu era Marisa, a filha. Também estive no elenco do Rapto das Cebolinhas, e do Chapeuzinho Vermelho… enfim, fazia o que mais gostava na vida, estudava e representava, no Externato Jaguaré, que era maravilhosamente dirigido por padres canadenses, onde o grupo apresentava as peças. Eu tocava harmônica, tocava violão, cantava, fazia de tudo. Amava e ainda amo o teatro.

 

Um dia, o diretor do grupo teatral veio pedir ao meu pai para que eu, além da escola, fizesse parte do grupo, me dedicando também ao teatro.

 

Não me lembro do nome dele, nem do seu rosto, mas tenho certeza absoluta de que deve estar correndo do meu pai, até hoje. Seu Solla não era fácil, não, mas depois desse incidente, eu ainda quis ser ‘aeromoça’, e meu pai quase teve um enfarto. Eram os tempos.

 

Depois me perguntam porque eu lia no telhado, quando era adolescente…

 

Ora, mas você também deve ter os teus guardados, que provam que somos todos heróis de mil faces, com batalhas, vitórias e derrotas, gente que vem e gente que se vai. É o jogo da Vida, do ganhar e do perder.

 

Tenho percebido que se a gente não se atira e não bate os pezinhos no chão do Shopping, pela perda, sai sempre ganhando!

 

Pense nisso, ou não, e até a semana que vem.

 

Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Escreve no Blog do Mílton Jung

De asas e raízes

 


Por Maria Lucia Solla



Ouça De asas e raízes na voz da autora

Tradição! clamavam os judeus na Rússia de antes da revolução de 1917. Se você não viu, veja O Violinista no Telhado, com Topol no papel principal. É de comprar e assistir sempre que precisar, como remédio. É amor pela vida, na veia! É arte; remédio para a alma.

Arte pressupõe manutenção de tradição e superação de barreiras.

arte é tradição
e libertação
sem contradição

Tradição! clama o aborígene de todos os cantos da Terra, de todas as cores, de todas as línguas e filosofias. De uma só origem. Implora pela natureza. Implora pela vida

tradição é planta rara
de terra virgem
que alimenta suporta
e cura
levando embora a inverdade
que permeia a transitoriedade

raízes asas
asas raízes
querer voar quando não há céu
querer o chão quando chão não há
galhos raízes
folhas de mil matizes

Temos necessidade de um traçado do desenho, mesmo que seja para nem prestar atenção nele ou para apagar e desenhar outro. Outros! Precisamos de um modelo, um padrão almejado e possível de alcançar, que não exija perfeição nem sorte além da conta.

Contando um conto e aumentando um ponto, estica daqui, puxa dali, moldamos a tradição. Nós a submetemos ao bisturi, de acordo com a moda, para que mantivesse, século após século, cara de modernidade. E a deformamos, a afastamos de sua essência e demos a ela um espelho. Ela mirou a própria imagem e, tendo aprendido a vaidade humana, acreditou no que viu e se submeteu.

Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira e realiza curso de comunicação e expressão. Aos domingos, escreve no Blog do Mílton Jung