De peeling

 


Por Maria Lucia Solla

Ouça De Peeleing na voz e sonorizado pela autora

Olá

esta semana também foi difícil. Há tempo venho encarando um perrengue atrás do outro. Só ensina quem precisa aprender? tenho plena consciência disso. Meus ouvidos são os primeiros a ouvir o que digo.

Neste ponto é preciso parar para refletir sobre ouvir e escutar, que nós brasileiros usamos indiscriminadamente, sem perceber a diferença abissal entre os termos; e a gente fala, o outro ouve, mas não escuta; e vice-versa.

Pois bem, levando em conta meus ouvidos, parece que têm ouvido bem, mas escutado mal e porcamente. Os filtros andam tão sujos quanto estava o filtro do ar condicionado do meu carro.

Faz tempo que minha vida pede mudança. Um dia dói aqui, outro ali, em todos os meus corpos. E eu, que sempre fui mulher de grandes transformações, me vejo covarde, hesitante; tenho preferido perder a lutar. Tenho aberto mão da vida.

Hoje me dei conta de que ainda estou viva e de que nós, terráqueos, não precisamos apenas de mudança; precisamos de transformação, e transformação profunda. Só ela renova. No ano passado fiz, pela primeira vez, um peeling no rosto; leve e superficial, que me deixou o rosto amarelo durante horas, até poder lavar. A dermatologista disse que meu rosto se livraria da pele que demorava a se renovar. É evidente que se tivesse deixado o processo correr por conta da vida, se permitisse que meu rosto tivesse continuado, preguiçoso, a produzir um tanto de células hoje, outro tanto amanhã, eu poderia continuar a ter, como sempre tive, uma pele que se renova, no seu ritmo.

Mas a intervenção da dermatologista deixou minha pele sem chão. Em dois ou três dias, começou a descascar, sem trégua, e foi bonito de ver que a nova pele se mostrava no mesmo ritmo em que a velha oferecia espaço.

Hoje, olhei para trás e, em vez de ver o que já tive, o que já fiz, ou as aventuras maravilhosas que vivi, percebi claramente quanta vida ainda existe para mim, debaixo desta pele da minha vida. Toda a magia que vivi até hoje foi impulsionada pela transformação corajosa que provoquei ou aceitei.

Está na hora de largar o osso que venho roendo enquanto rosno dia após dia, e de convidar o planeta Marte a dar uma boa espanada na minha Lua natal, separando o joio do trigo.

Me recuso a ser escrava do passado; me recuso a ser escrava de mim. Minha vida precisa de um peeling. E a tua?

Pense nisso, ou não, e até a semana que vem.

Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira e realiza curso de comunicação e expressão. Aos domingos, escreve no Blog do Mílton Jung

De ilusão

Chove em São Paulo


Por Maria Lucia Solla

ilusão
quero esquecer por um tempo
quem acredito ser
quero não pensar
não ter que escolher
não ter que sofrer

quero me transformar agora
em todos em tudo
e deixar-me visitar
pela dor da perda da guerra do desamor
que revelam tanto horror

quero dar abrigo à solidão
que dividirá espaço com o amor
na mente e no coração

quero encarar tudo
com a mesma garra
todo dia
não quero mais
padecer por ninharia

quero que esse tempo de entrega
vá tomando cada vez
mais tempo do meu dia
para que um dia chegue
a tomar-me
todo o tempo

o dia em que eu contiver e for contida
por todos por tudo
adeus choramingar
à Vida
sem medo nem limite
vou me entregar

no dia em que eu vir claramente
o que hoje me horroriza quanto serpente
assumindo que tem morada em mim
desde sempre
de ontem de amanhã de agora
esse horror todo que vejo lá fora

então
a verdadeira compaixão
vai jorrar de mim
porque você
tão pecaminosamente quanto eu
tem travado contra a Vida
uma luta sem fim

Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira e realiza cursos de comunicação e expressão. Escreve aos domingos no Blog do Mílton Jung querendo ser tudo aquilo que já sabemos que é.