Conte Sua História de São Paulo: o metrô era novidade na ida ao primeiro emprego

Luciana Fátima

Ouvinte da CBN

Na lotação do Metrô

Comecei a trabalhar em 1991, três anos após a inauguração do Metrô Itaquera. Até então, era preciso pegar ônibus direto para a estação Tatuapé. Meu expediente começava às oito da manhã e eu precisava acordar duas horas antes para não me atrasar. A linha 3-vermelha do metrô sempre foi lotada.

Para não sucumbir às agruras do transporte público aprendi logo que eu teria de desenvolver um instinto de sobrevivência. Carregar a bolsa na frente do corpo era mandatório. Não usar sapatos que saíssem fácil dos pés era imprescindível. Pensar rápido e buscar a porta com menos aglomeração, fundamental.

Foi assim que, em um dia de superlotação, encontrei uma brecha no primeiro vagão. Entrei e fui espremida ao longo das 13 estações. Alívio para respirar melhor só na Sé, quando muita gente descia para a baldeação. Chegando ao Anhangabaú, desci do trem, subi as escadas e deparei com um lugar totalmente diferente. Desesperada, olhava e não reconhecia nada.

Enquanto desviava das pessoas que quase me atropelavam, me esforçava para identificar algum prédio familiar. Nada! Será que desci na estação errada? Não! Foi quando lembrei da orientação de uma amiga que me ensinara o caminho no primeiro dia de trabalho: “entre sempre nos últimos vagões, caso contrário sairá do lado errado da estação e vai se perder ao sair para a Sete de Abril”.

Foi como na música dos Titãs: “eu me perdi… na selva de pedra … eu me perdi” 

Depois de voltas e mais voltas na região do Teatro Municipal, atravessei o Viaduto do Chá e encontrei a Líbero Badaró. Ali eu já reconhecia os prédios. Mais alguns metros e chegaria ao meu destino: a rua José Bonifácio, onde era a sede empresa em que trabalhava. Eu estava assustada, desalinhada, suada e atrasada – em pleno período de experiência… E só me dei conta disso ao bater o cartão.

Bater cartão? Antes de começar a trabalhar, essa expressão me era tão abstrata quanto possível. Era um equipamento grande de ferro com um relógio analógico, que controlava os horários da nossa vida – entrada, saída e o intervalo de almoço. Ao lado dele, em um quadro na parede, ficavam os cartões de todos os empregados. Nas primeiras vezes em que bati o meu cartão, não o encaixei no lugar certo e o carimbo da hora saiu errado. Precisei carimbar novamente, sobrepondo os números até acertar o quadradinho. Até hoje não sei como o Departamento Pessoal entendia meus horários.

Eu fazia o possível para não me atrasar. E, depois da lição aprendida, mesmo que só conseguisse entrar nos primeiros vagões do metrô, lá em Itaquera, eu cuidava para atravessar toda a plataforma da estação Anhangabaú e sair do lado certo.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Luciana Fátima é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Conte você também a sua vivência na nossa cidade. Envie seu texto para contesuahistoria@cbn.com.br. Ouça outros capítulos no meu blog miltonjung.com.br ou no podcast do Conte Sua História de São Paulo.

O trem, o café e o silêncio

O trem partiu, e eu fiquei. Temendo a neve na estrada, dirigi com a lerdeza que a prudência me exigia e isso me impediu de embarcar na hora prevista. Sem escolha, fui ao café ao lado da estação, buscar abrigo do frio e da espera. Sentei, escutando o burburinho ao redor, mas sem competir com ele. Apenas deixei os sons ocuparem o espaço que não era meu.

Meu nome deve ser chamado pela atendente que prepara o café quente a qualquer momento. Ainda estou pensando se deveria cair na tentação dos pães expostos no balcão quando fui flagrado na foto que ilustra essa crônica. Minha mulher adora fotografar.

Alguém dirá que escrevo apenas para exibir essa imagem. Vaidade? Também. Mas as razões vão além. Não me movo apenas por esse sentimento assim como não costumo compartilhar fotos próprias que não estejam no contexto da profissão. Mas esta carrega verdades que transcendem o instante congelado pelo clique. 

A mão que apoia o rosto oculta a boca — um gesto que pode ser tanto descanso quanto censura, impedindo-me de dizer em voz alta o que vagueia pela mente. As peneiras de Sócrates ainda filtram muito do que penso antes de transformar ideias em palavras. O olhar se destaca, aparentemente sem destino. Ou naquele instante eu mirava algo? Não lembro bem. Talvez estivesse apenas vagando, ofuscado pelos estímulos ao redor.. 

As marcas do tempo tão evidentes na imagem, também têm seu lugar aqui. Têm minha atenção, não assombração: as rugas que contornam os olhos e reforçam a olheira, a vermelhidão do rosto impactado pelo vento gelado, as manchas no dorso da mão que se acentuam com a idade e os fios brancos do cabelo que me orgulham, apesar de me surpreenderem quando se revelam nas fotografias — tudo isso fala de experiências.

Contemplar o nada deveria ser mérito. Mas há algo de desafiador nesta arte, especialmente diante do ritmo alucinado com que consumimos informação — e não me refiro apenas a  essa que chega na forma de notícia ou pseudo-notícia. É pela tela do celular, fonte inesgotável de entretenimento pouco atrativo, tanto quanto no entorno de nosso cotidiano: vozes, luzes, anúncios, sirenes, alertas e uma sequência interminável de estímulos. O barulho é necessário. O silêncio agoniza. É bem raro. Às vezes, incômodo. Amigos já me convidaram a experimentar a meditação e todas práticas que se apresentam com o mesmo objetivo. Mas até na Igreja em que rezo aos domingos, o silêncio é apenas visitante. Quando aparece, é visto com estranheza: “Está triste?”, perguntam. Ou: “É depressão?”.

Naquela manhã, sentado à mesa da padaria da pequena cidade americana, creio que minha intenção era apenas ver o tempo passar. Distanciar-me da algaravia, do movimento frenético, e esperar o meu destino embarcar no próximo trem. Mas o clique congelou o instante, e, com ele, veio a inspiração para esta crônica. 

Pode parecer contraditório — transformar silêncio em palavras, contemplação em texto. Talvez seja mesmo. Mas, no final, escrever também é encontrar sentido naquilo que não dissemos em voz alta. Afinal, até o silêncio tem sua maneira peculiar de fazer barulho.

Sua Marca Vai Ser Um Sucesso: o que se aprende diante da cancela de trem

“Nas estradas de ferro do interior, havia sempre um aviso antes de cruzar os trilhos: pare, olhe, escute” 

Cecília Russo

A construção de uma marca não é apenas uma questão de criatividade ou sorte; ela envolve uma série de estratégias e práticas fundamentais. Os ensinamentos para que a empresa, o produto ou o serviço que essa marca representa trilhem um caminho de sucesso podem ser encontrados em diversos lugares. Até mesmo diante da cancela de um trilho de trem, como destacaram Jaime Troiano e Cecília Russo, no comentário Sua Marca Vai Ser Um Sucesso, da CBN.

Jaime e Cecília se inspiraram nos três alertas que estão na placa de segurança que costuma fazer parte deste cenário: pare, olhe e escute. São três atitudes essenciais, baseadas em palavras simples que ajudam no processo de construção e ajuste de marca eficaz.  

“Vamos lembrar que pare, olhe, escute é sempre o verbo conjugado no imperativo. Tem o sentido assertivo de algo a fazer”.

Jaime Troiano


Os três sinais de alerta

O “pare” representa uma atitude de cautela e reflexão. Nessa fase, é crucial evitar julgamentos precipitados e estar aberto a novas ideias, uma prática especialmente valiosa para marcas em fase inicial. Este momento de pausa permite absorver informações, sem a interferência do orgulho ou preconceitos.

A segunda fase, “olhe”, é descrita como um período de observação e análise. Aqui, a marca deve absorver as impressões recebidas anteriormente e começar a formar uma visão analítica. Esta etapa envolve olhar tanto para o mundo externo quanto para o interno da marca, garantindo que as estratégias façam sentido para ambos os lados. Esta fase ativa no processo de branding é crucial para construir os alicerces da marca.

Por fim, “escute” é a etapa onde as reações e feedbacks do público são recebidos. Troiano enfatiza a importância da humildade e atenção nesta fase, pois as reações negativas podem ser desafiadoras, mas são essenciais para o refinamento da marca. A eficácia das fases anteriores de “parar” e “olhar” se reflete aqui, pois uma abordagem dedicada e honesta tende a minimizar reações adversas.

“Uma regra é sempre verdadeira: as reações serão menos negativas na fase do escute quanto mais você tiver sido dedicado e honesto consigo mesmo no pare e olhe”.

Jaime Troiano

Além dessas estratégias, é importante reconhecer que, mesmo seguindo essas etapas cuidadosamente, o sucesso não é garantido. No mundo dinâmico do branding, a agilidade e a capacidade de adaptação são fundamentais. 

“Mesmo com todos esses cuidados, não existe segurança total nesses  processos de branding. Tem sempre um trem passando sobre o Pica-Pau – lembra dos desenhos animados?”

Cecília Russo

Ouça o Sua Marca Vai Ser Um Sucesso

Jaime Troiano e Cecília Russo, com sua experiência no campo do branding, oferecem uma perspectiva prática e realista, essencial para qualquer pessoa envolvida na criação ou gestão de marcas. A aplicação dessas estratégias pode ser a chave para cruzar a linha do trem do mercado com segurança e sucesso. O comentário vai ao ar aos sábados, logo após às 7h50 da manhã, no Jornal da CBN. A sonorização é do Paschoal Júnior:

Conte Sua História de São Paulo: embarquei no trem de Adoniran Barbosa

Olivio Segatto

Ouvinte da CBN

Imagem reproduzida do site São Paulo Antiga (visite o site e conheça outras preciosidades como essa)

Num belo dia de domingo dos anos 50, minha família resolveu visitar o Horto Florestal, aqui na cidade de São Paulo. Éramos eu, minha irmã mais velha e nossos pais.

Ao chegar ao local, tivemos uma surpresa que para mim foi inesquecível. Fomos orientados a subir em um trem pequeno e bonito para fazermos um passeio pela região. Nem imaginava que esse trem, anos mais tarde, ficaria famoso em todo Brasil.

Atravessamos com a máquina boa parte da floresta local. Que coisa mais linda, era um verdadeiro abraço da natureza!

Depois desse lindo passeio descemos num local apropriado para um piquenique. Saboreamos os salgados, bolinhos, sanduíches e, após, um delicioso pão doce feito em forno de barro, construído por meu pai.

Aos meus pais e minha irmã Zezé que ajudou muito na preparação dos alimentos, saudades…

Depois de vários anos desse passeio, tivemos o surgimento da música “Trem das Onze”. Cheguei à conclusão que eu e minha família, por alguns momentos, viajamos no trem de Adoniran Barbosa em sua bitola estreita.

Trem que antes de ficar famoso era chamado de Trenzinho da Cantareira.

Olivio Segatto é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é de Daniel Mesquita. Escreva seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite agora o meu blog miltonjung.com.br ou o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo: no trem da minha vida

Ismael Medeiros

Ouvinte da CBN

Photo by Ronaldo Santos on Pexels.com

Nasci em 1946, no bairro da Bela Vista. Meus pais moravam num cortiço, e meus avós nos velhos sobrados defronte à Praça 14 Bis. Aos dois anos, minha família mudou para o extremo da zona leste, em São Miguel Paulista.

As mais remotas lembranças foram quando ganhei meu primeiro velocípede, estava brincando no quintal e, de repente, passou uma Maria Fumaça —  morávamos ao lado da linha variante da central do Brasil. Havia ainda os faróis do trem que projetavam na janela de nossa sala a sombra dos postes da linha férrea. De longe, também, víamos ao anoitecer um funcionário andando pela via férrea com lampião alumiando trilhos para verificar alguma irregularidade —- era o “limpa trilho”. Naquela época a carne dos frigoríficos vinha de Minas com animais vivos. Uma vez contei uma composição com 86 vagões. 

Tinha, ainda, o  Expressinho das cindo da tarde, que minhas irmãs corriam na porta da cozinha para acenar aos pracinhas que seguiam aos quartéis de Caçapava, Pindamonhangaba, Lorena e Guaratinguetá.

O Trem de Prata se destacava por seu esmero e sutileza no trecho Rio, São Paulo, RIo. Trem da elite e dos artistas. Um saía à noite do Brás e chegava pela manhã no Rio de Janeiro. Outro, no sentido contrário passava pela manhã em São Miguel Paulista rumo ao Brás, horário de um suculento café que fitávamos com os olhos no vagão restaurante, na esperança de um dia andar naquele trem, que se resumiu às recordações.  

Aos 15 anos, fui trabalhar no Brás, e passei a usar o trem desde São Miguel. Pela manhã, era o trem das 11h09. Na volta, das 18 e 18 ou 18 e 30. Passava por sete estações e o trajeto levava 40 minutos. Naquela época, ainda usava os bondes abertos e o Camarão porque como  office-boy do Banco Moreira Salles, tinha de ir ao centro na sucursal, na Rua 15 de Novembro, numero.212. Levava os cheques devolvidos e não compensados. Aos sábados, o expediente bancário era das nove da manhã ao meio dia, mas eu levantava as cinco horas para buscar a correspondência, na rua Dom José Gaspar. Diante do horário, havia uma cortesia: podia pegar táxi para não atrasar o expediente bancário. Mas especial mesmo era tomar um café com empada, na Padaria Copacabana no Brás. 

Enfim esta foi minha infância: andei no trem da Cantareira; quando a Vereador José Diniz era passagem apenas de bondes, andei da Praça João Mendes a Santo Amaro; vi o IV Centenário, em 1954; tribos de índios com suas tabas na Nove de Julho; subi na primeira escada rolante pública na galeria Prestes Maia, e fui de trem e de carro até Santos pela  estrada velha do mar. 

Hoje, estou há 40 quilômetros da Capital, em um lugar bucólico, mas ainda desfruto da Capital nas consultas médicas e outros afazeres, andando pelo moderno metrô, assistindo ao crescimento da cidade e aproveitando-me das marcas saudosas que estão no íntimo deste paulistano da gema.

Ismael Garcia de Medeiros é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Fique atento porque já estamos nos programando para mais uma série especial do Conte Sua História: escreva agora o seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para conhecer outros capítulos da nossa cidade, visite meu blog miltonjung.com.br ou o nosso podcast.

Conte Sua História de São Paulo: a porteira da República da Mooca

Renato Spandri

Ouvinte da CBN

Nasci num centro interplanetário chamado Mooca. Fica em São Paulo, a uns tantos metros do marco de fundação desta minha cidade. Dentre muitas outras, uma recordação da minha infância é a velha porteira da Mooca — aquele ponto onde a rua da Mooca cruzava a linha de trem da antiga São Paulo Railway. A porteira era um grande portão deslizante que um funcionário empurrava para fechar o trânsito e dar passagem aos trens. Era também o nome do cruzamento: a internacional porteira da Mooca!

Havia nesse ponto uma passarela de aço para os pedestres: alta, escadaria abundante, com vista para todos os lados da cidade. Sentados nos degraus mais acima, crianças, eu e meus primos, jogávamos adivinhações sobre os próximos trens que passariam pela porteira: locomotivas vermelhas da rede, composição metálica do suburbano, vagões de carga de toda geometria e todo formato, numerados ao acaso.

Era um brinquedo parecido com o que já foi do gosto dos meninos ingleses: o trainspotting, em que se adivinhava ou memorizava o número do trem que passaria na estação. Brincadeira que nos unia em semelhanças – mooquenses e londrinos – por uma coincidência inconsciente e coletiva infantil. Era genial!

Hoje, a porteira da Mooca foi substituída por um viaduto, professor Alberto Mesquita de Camargo — ícone do bairro, fundador da escola São Judas, uma grife da Mooca, e professor de Português e Latim de minha mãe Marina Stella, no tempo em que ela fez ginásio numa pequena escola na rua Clark: berço da Universidade São Judas. Marina Stella ( ou Stella Maris, como lembrava sempre o latinista Mesquita) era paulistana da gema e viveu com meu pai, Giancarlo, no tempo jovem guarda da Mooca – lambretas, saias rodadas, cinemas dominicais (o Patriarca, o Ouro Verde, o Roma), bailes no Juventus…

Ah, Juventus. Grandioso! Status de corporação, da Mooca para o mundo, um jeito de ser em branco e grená. Uma espécie de exército do bem, de uma espécie de república universal: a República da Mooca!

Renato Spandri é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Venha participar deste quadro, registre aqui as suas lembranças da cidade. Escreva e envie seu texto para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidades, visite o meu blog miltonjung.com.br ou o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo: a marca da Maria Fumaça no meu vestido xadrez

 

Por Marcia Sotratti
Ouvinte da rádio CBN

 

 

Até hoje trago na memória a alegria dos tempos de infância. Acho que ninguém se esquece desse tempo mágico. Toda vez que os sinos da Igreja de Santa Teresinha começam a tocar, sinto na boca o saboroso grostoli preparado pela vovó Adélia, lá na rua  Pelegrino.

 

Com esse delicioso sabor, posso sentir novamente o trepidar da Maria Fumaça que se aproximava… ouvir seu apito … ver a fumaça que subia aos ares e nós, junto de outras pessoas, dando um jeito de fugir das fagulhas que se espalhavam por onde passava.

 

Aos dois anos, tive um vestidinho xadrez que ficou furado pelos pedacinhos incandescentes de carvão

 

Essa locomotiva era a vida desse pedaço da cidade de São Paulo. Servia com muito préstimo a Santana, Santa Teresinha, Mandaqui, Tremembé, entre tantos outros bairros.

 

Como não se lembrar do Jaçanã, imortalizado pelo querido Adoniran Barbosa, em ‘Trem das Onze’?

 

Era muito gostoso ir ao Horto Florestal com o trenzinho. Um passeio  pra lá de agradável.

 

No início da década de 1960, esse trenzinho já circulava em nova roupagem, mais moderno, todo verde e alimentado com outro tipo de combustível. Até que um dia deixou de passar, ficando na lembrança de todos.

 

Hoje, entre o Mandaqui e Santa Teresinha. cruzam carros em seu trajeto; e a rua Manoel da Mata continua sendo chamada pelos mais antigos de Linha do Trem.

 

Márcia Sotratti é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Conte você também mais um capítulo da nossa cidade: escreva para milton@cbn.com.br 

Conte Sua História de São Paulo: a viagem de trem com meu pai

 

Por Dimas Ramalho 
Ouvinte da rádio CBN

 

 

 

 

Ainda criança tomei o trem com meu pai Horácio para conhecer a capital. “Vai ver o que é uma cidade grande”, disse-me. Foi onde ele passou boa parte de sua vida de estudante: internato no Arquidiocesano e, depois, Direito na São Francisco.
 

 

Na chegada, não acreditei no tamanho da Estação da Luz e, depois, na quantidade de pessoas e automóveis circulando. De mãos dadas, chegamos ao Teatro Municipal e ele me falou da Semana Modernista de 22. Fiquei curioso ao ouvir sobre Mário de Andrade e Anita Malfatti.
 

 

Em frente, vi o Mappin, enorme. Atordoado com as escadas rolantes, subi e desci até cansar. Em seguida, fomos à Rua Direita, onde só pedestres passavam. Na Praça da Sé, vi o mundo real e, na Catedral, onde entramos, em silêncio absoluto, pude observar a dimensão da fé.
 

 

Depois, na Faculdade de Direito, ele apontou as Arcadas e vi seus olhos úmidos. Somente anos mais tarde, quando também ingressei na São Francisco, entendi o que significou aquele momento. Até hoje, sinto a mesma emoção cada vez que visito a faculdade.
 

 

De táxi, fomos ao aeroporto e ele, que era piloto brevetado, falou de partidas e de sua paixão por aviões. Encostado no vidro, fiquei por muito tempo observando as aeronaves subindo e descendo, pensando em quanta gente passava por São Paulo.
 

 

No Butantã, explicou que do veneno vinha a cura. E, no zoológico, disse que um dia iríamos respeitar mais os animais e a natureza.
 

 

No Mercado Municipal, me perdi entre as bancas. Na feira livre, não vi o fim dos quarteirões e o pastel foi inevitável.
 

 

No Copan, ouvi sobre Niemayer e observamos com atenção as curvas do prédio. Já na cobertura do Edifício Itália, tive a noção de perspectiva e, no térreo, experimentei o primeiro café italiano da minha vida. Era uma máquina enorme que ocupava todo o balcão e de onde saia um café muito encorpado e quente. “Que modernidade essa máquina”, eu pensei.  Sempre que tomo um café forte, lembro daquela tarde ensolarada por São Paulo.
 

 

Na volta desses dias de passeio, sentia o coração acelerado a bordo do trem, sentado ao lado de meu pai no carro Pullman, rumo a Taquaritinga (de onde vim), passando por Araraquara, onde hoje resido. Mãos geladas. Medo. Estava apaixonado pela cidade grande.
 

 

Nas longas horas da viagem de volta percebi quanto o amava, mas não disse, nem naquele dia, nem nunca. Somente agradeci em silêncio enquanto observava seu rosto sereno cochilando. Já eu não consegui dormir. Passou muita coisa na minha cabeça de criança/pré-adolescente. Um turbilhão de emoções. Trânsito, ônibus, cinema, livro, barulho, gente, muita gente.
 

 

Quem me visse naquela noite perceberia que nos olhos daquele menino brilhava uma luz diferente, estranha, nova, desafiadora, como se fosse um rito de passagem. Minha mãe percebeu. Tem coisas que só as mães percebem. Nunca mais fui o mesmo. Não sei quanto tempo durou aquela viagem. Acho que dura até hoje. Meus sonhos ampliaram-se. Vi que nunca mais teria sossego. E foi assim.
 

 

Quando penso nas mãos do meu pai, que me levaram mundo afora e me soltaram, sinto que fiquei adulto ali naquela viagem. Desassossegado, com “bicho-carpinteiro” no corpo, como dizia minha avó materna. Devia ter contado ao meu pai tudo o que aconteceu comigo, tudo que se passava na minha cabeça. Mais uma vez não falei nada. Ele, com certeza, pensaria sorrindo: “acho que ele está aprendendo!”.

 

Dimas Ramalho é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Milton Jung. Escreve sua história de São Paulo e envie para o email milton@cbn.com.br

 

Conte Sua História de SP: minha irmã foi registrada dia 25 de janeiro por amor à cidade

 

Por Mara Rocha
Ouvinte-internauta

 

Ouça este texto que foi ao ar na CBN, sonorizado pelo Cláudio Antônio

 

 

Minha história com São Paulo começa antes mesmo de minha família e eu morarmos aqui. Em 1952, meus pais viviam em Presidente Epitácio e só tinham dois filhos. Meu pai vinha a São Paulo comprar tecidos para minha mãe fazer as roupas da casa, dos filhos … ela costurava pra fora, também. Meu pai adorava São Paulo e voltava pra casa todo feliz contando para os amigos o que tinha visto por aqui: falava dos cartazes de filmes, teatro e shows musicais.

 

Em 16 de fevereiro de 1953, nascia minha irmã. Meu pai esperou um ano só para poder registrá-la com a data de 25 de janeiro. Em 1955, foi minha vez de vir ao mundo e meu nome Mara foi em homenagem a atriz de teatro de revista Mara Rubia. Em 1957, nascia outra irmã e o nome foi (completo) Dalva de Oliveira. Dispensa apresentação. Em 1960 nascia o coitado da turma feminina, porque depois dele vieram mais três meninas e formamos o time de nove, mas essas já são paulistanas.

 

Chegamos em São Paulo em 1961, minha mãe ficou encantada com o tamanho da cidade. Fomos morar no bairro Taboão em São Bernado do Campo e a minha rua chama-se São Paulo. O pai era motorista de ônibus na linha São Bernardo – São Paulo, passando pelo Zoológico, Jardim Botânico e, finalizando, na Praça da Árvore onde tinha o Cine Estrela. Nossos finais de semana eram nesses lugares. Adorava passear no Jardim Botânico onde fazíamos piquenique, jogávamos bola, peteca e nos divertíamos comoutros brinquedos da época. Visitámos com frequência também o Zoológico.

 

Minha irmã mais velha Wandy, trabalhava como modelo dos maiôs Cenimar ou Celimar (não lembro ao certo), as mulheres eram esculpidas pela natureza porque tudo era feito a pé ou de bicicleta. Ela foi a primeira a ter carro em casa e isso demorou um bocado. Ela fazia também as feiras do Ibirapuera. E a que eu mais gostava era o Salão da Criança porque brincava muito, e bebia muito iogurte Paulista, no estande onde ela trabalhava.

 

Nas férias íamos de trem para a casa do meu tio em Santa Fé do Sul. Ficava encantada com a Estação da Luz e a viagem de muitas horas passava rápido porque era divertidíssimo dormir nas camas da cabine com o balanço do trem. E durante o dia passeávamos pelos vagões.

 

Só comecei a frequentar o Cine Estrela quando fiquei adolescente (na época: mocinha). Daí foi um passo pra conhecer outros lugares, como o Cine Ipiranga e o Cine Ópera, esses dois no Centro. Ficava até difícil escolher pra onde ir nos finais de semana. Pedalinhos no Parque do Ibirapuera, tardes deliciosas no Museu do Ipiranga, encontro com a galera no Pilequinho, um bar em Moema que fazia deliciosos sucos e batidas de frutas. Sem deixar de frequentar o Jardim Botânico, meu lugar predileto.

 

 
Nossas compras eram feitas no Mappin e adorava ver o ascensorista descrevendo tudo que tinha nos andares. Minha loja predileta chama-se Piter, próxima do Teatro Municipal e o vestido verde água que comprei no crediário, é inesquecível!

 

Tinha 24 anos (1979) quando nos mudamos para Moema, a 50 metros do Shopping Ibirapuera, inaugurado em 1976. Os trilhos do bonde ainda estavam na Avenida Ibirapuera e minha vida não mudou nada porque desde sempre eu fui paulistana de corpo e alma. Casei, tive filho e neta. Passei pra eles tudo isso, o que ficou, claro! Meu filho e minha neta amam parques, piqueniques, bicicleta, patins e, principalmente, amam São Paulo.

 

Mara Rocha é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Conte você também mais um capítulo da nossa cidade. Escreva para milton@cbn.com.br. Este texto foi ao ar, em 2013, no CBN SP, mas ainda não havia sido reproduzido aqui no Blog.

Desligar é preciso!

 

Desligar1

 

Foi-se o tempo em que nas férias tínhamos permissão para o isolamento,  era o momento de descansar o corpo e a mente. Do trabalho ficava-se afastado. Dos problemas do cotidiano, também. Todos a quilômetros de distância, que podia ser medida por linhas telefônicas precárias e caras. Para ligar em casa, ficávamos horas na fila e a conversa tinha de ser rápida para não inviabilizar o orçamento das férias. Estivéssemos no exterior, era mais fácil enviar um cartão postal, que tendia chegar ao destino depois de nós.

 

As notícias não circulavam. Quando muito apareciam estampadas na banca de jornal. Dependendo o lugar, chegavam à tarde. Em outros, só se alguém estivesse chegando à cidade. Lembro que em Nova York costumávamos ir até a rua dos brasileiros onde algumas tabacarias vendiam o Estadão, único jornal que desembarcava por lá nas asas das extintas Varig e Vasp. O que líamos tinha o sabor da novidade.

 

Hoje, assim que acordo, a tela do celular estampa as últimas do dia. O Twitter já me contou pedaços da história. E a caixa de correio eletrônico está cheia de pedidos e ofertas enviados por quem não sabe que você tem direito a férias.

 

Nestes últimos dias, os primeiros das férias, tenho sido bombardeado por tragédias.

 

Aqui na Itália, dois trens se chocam e 27 pessoas morrem. Teria havido falha humana, dizem os investigadores. Um agente de tráfego ferroviário não avisou ao outro que deixou passar despercebido e todos permitiram que dois trens pegassem a mesma via em sentidos contrários. Falha desse diacho da comunicação, o que nos remete a uma contradição moderna: ao mesmo tempo que estamos sufocados de informação, deixamos as essenciais de lado.

 

Além da comunicação, o acidente pode ter sido provocado pela corrupção, também. É o que diz a Autoridade Nacional Anti-Corrupção, Raffaele Cantone: o dinheiro roubado deixa de financiar obras de infraestrutura como as que duplicariam a linha onde ocorreu o acidente, que deveriam ter sido concluídas até o ano passado. Ainda não se iniciaram. Para ele, este é “um problema atávico do nosso país”. Do nosso também.

 

A imagem dos dois trens fundidos em ferro e morte destacada nos jornais e internet em seguida foi substituída pela de um caminhão conduzido por um terrorista, em Nice, na França. Ele atropelou e atirou contra a multidão que comemorava o 14 de julho, feriado nacional para celebrar os valores da Revolução Francesa. São 84 mortos até a última atualização. O motorista é um franco-tunisiano e foi morto por policiais.

 

Claro que eu poderia simplesmente desligar-me de tudo. Ao menos tentar. Deixar o computador fora do alcance ou o celular sem bateria. Talvez tivesse de restringir meu contato com as pessoas a um buongiorno ou uma buona sera, sem abertura para conversas do tipo: “che cosa succede?”.

 

Quem disse que consigo?

 

Aqui estou no computador, atualizando o blog para compartilhar com você, caro e raro leitor, as coisas que se sucedem – como se você não soubesse de tudo isso e mais um pouco. A impressão é que se não fizer isto, o cérebro vai transbordar de informação, o que me remete a percepção de Alain de Botton, filósofo do cotidiano, que  diz sermos todos viciados em notícia.

 

Para relaxar talvez a opção seja se ligar na sensação do momento e se transformar em um caçador de Pokemon. Aqui na Itália, aí no Brasil, ou em qualquer lugar que você navegar no noticiário, vai se deparar com informações sobre o novo jogo da Nintendo. Até autoridades públicas entraram na brincadeira como o prefeito Eduardo Paes pedindo que os monstrinhos cheguem para a Rio2016.

 

O problema é que pra se divertir tem de se conectar. E desligar é preciso!