Novo livro de Wálter Maierovitch provoca reflexão sobre a indústria da guerra

Algumas frases atravessam os séculos e parecem ganhar vida nova a cada vez que são pronunciadas. “Si vis pacem, para bellum” — “se queres a paz, prepara-te para a guerra” — é uma delas. Wálter Fanganiello Maierovitch a toma como ponto de partida em “O Mercado da Morte: conexões e realidades” e a conduz até o presente, quando já não soa como advertência, mas como justificativa para uma engrenagem global que transforma guerras em negócios.

A opinião do autor, meu amigo de décadas, é direta: o que se convencionou chamar de “indústria de defesa” nada mais é do que a indústria da guerra, abastecida tanto por Estados quanto por traficantes, mercenários e organizações criminosas. Ao longo do livro, desfilam personagens emblemáticos, como Sarkis Soghanalian, o “Mercador da Morte”, e grupos como o Wagner, que na África trocam armas por diamantes. A fronteira entre interesses de Estado e crime organizado se dilui, revelando um mercado em que tudo se compra e se vende, inclusive vidas.

Outro eixo forte da obra é a espionagem. Maierovitch descreve como a “inteligência de Estado” se tornou prática oficializada, mas muitas vezes serve de cortina para assassinatos seletivos e negociações obscuras. O Mossad, a CIA, a Abin — cada qual aparece como peça de um tabuleiro no qual soberania e direitos humanos são frequentemente atropelados.

O livro não poupa as instituições internacionais. Meu colega do quadro “Justiça e Cidadania”, do Jornal da CBN, insiste que a primeira vítima das guerras é o Direito Internacional Público. O Tribunal Penal Internacional e a Corte Internacional de Justiça aparecem como instâncias frágeis, incapazes de conter crimes de guerra ou genocídios. Em vez de freio, funcionam como palco simbólico, em que ordens de prisão são ignoradas e Estados seguem agindo impunes.

Maierovitch traz ainda para o centro da narrativa os conflitos contemporâneos — Rússia e Ucrânia, Israel e Hamas, a escalada com o Irã — tratados como laboratórios do “mercado da morte”. Drones, sistemas de defesa, armas nucleares, propaganda: tudo é testado em campo, e o lucro das empresas cresce na mesma proporção da destruição.

A “Coda” final sintetiza a visão impetuosa do autor. Citando Lampedusa, ele lembra que é preciso mudar tudo para que tudo permaneça como está. O que vale para a política italiana de O Leopardo serve também para o mercado da guerra: mudam-se os atores — gattopardos, leões, chacais ou hienas —, mas a engrenagem continua a mesma. O exemplo do Haiti, onde grupos armados dominam a capital, funciona como alerta de que não se trata apenas de conflitos entre Estados, mas de colapsos sociais que a comunidade internacional se mostra incapaz de conter.

“O Mercado da Morte” é um livro que incomoda, porque mostra que a paz armada é, no fundo, um grande negócio. A leitura sugere que a indignação é o mínimo que nos cabe diante de um sistema que se perpetua à luz do dia. E Maierovitch nos entrega todo esse conteúdo embalado em um texto escrito com esmero. Não me surpreendo: o autor já foi agraciado com o Prêmio Jabuti, o mais tradicional prêmio literário do Brasil, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, com a obra “Máfia, poder e antimáfia — Um olhar pessoal sobre uma longa e sangrenta história”.

Participe do lançamento de “O Mercado da Morte”.

O livro “O Mercado da Morte: conexões e realidades” (Editora Unesp) será lançado no “Encontro com os escritores”, promovido pela Universidade do Livro, nesta sexta-feira, dia 26 de setembro, às 19h, na Biblioteca Mário de Andrade, na rua da Consolação, 74, centro de São Paulo. Para participar, faça aqui a sua inscrição, de graça. Eu terei o privilégio de mediar esta conversa com Wálter Fanganiello Maierovitch.

Reforma eleitoral reforça a democracia

 

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

 

Congresso_Fotor

 

Com a proximidade de um pleito, algumas outras modificações importantes na legislação eleitoral merecem destaque.

 

Vejamos.

 

Num país com trinta e cinco partidos políticos, é absolutamente razoável instituir a filiação partidária seis meses antes do pleito.

 

A subtração de dez dias de propaganda eleitoral no rádio e na televisão foi um notável progresso.

 

Na forma como ficou redigida, a mudança de partido preservando o mandato eletivo resultou numa regra adequada. Outros países igualmente democráticos adotam-na com o mesmo formato.

 

Assegurar que as decisões dos tribunais regionais sobre cassações de mandatos e anulações de eleições sejam proferidas somente com a presença de todos os seus membros é medida que amplia o devido processo legal.

 

A determinação de novos pleitos, independentemente do número de votos anulados pela Justiça Eleitoral por corrupção, fraude ou outras causas similares, elimina a ciranda de segundos colocados assumindo postos para os quais não foram eleitos.

 

Limitar gastos de campanha a partir dos cargos em disputa é providência que estabelece alguma equidade entre candidatos e pode facilitar a fiscalização.

 

Essas são apenas algumas das mudanças introduzidas. Assim como a quase totalidade das demais que constam à Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015, elas não eram apenas inerentes como necessárias. O resultado geral da obra, sem prejuízo de outras modificações que ainda se fazem necessárias, remete a Alfred Smith (1873-1944), para quem todos os males da democracia se podem curar com mais democracia.

 

Independentemente de críticas ou elogios, vetos ou sanções, mais uma vez se comprova que o processo legislativo é, por sua natureza e excelência, a ferramenta constitucional para a realização de ajustes periódicos na máquina democrática.

 

Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor dos livros “Prefeitos de Porto Alegre – Cotidiano e Administração da Capital Gaúcha entre 1889 e 2012” (Editora Verbo Jurídico), “Vereança e Câmaras Municipais – questões legais e constitucionais” (Editora Verbo Jurídico) e “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Escreve no Blog do Mílton Jung.

 

A imagem deste post é do álbum de Diego BIS, no Flickr

Vereadores mantém indicação política no TCM de São Paulo

 

A Câmara Municipal de São Paulo, que tanto avançou em alguns aspectos nestes últimos anos, ainda está contaminada por hábitos antigos como o da indicação política para preencher cargos do Tribunal de Contas do Município – órgão destinado a fiscalizar como a prefeitura está gastando o nosso dinheiro. Desde o ano passado, há mobilização de funcionários do TCM e da Câmara para a indicação de um técnico para o cargo de conselheiro, com realização de debate entre candidatos e discussões abertas com a sociedade. No entanto, com o apoio de 47 dos 55 vereadores, foi publicado, semana passada, no Diário Oficial, Decreto Legislativo indicando o nome do vereador Domingos Dissei para ocupar a vaga aberta quando da saída de Antonio Carlos Caruso. Com a medida, os vereadores mantém o critério pouco democrático de colocar no cargo alguém prestes a se aposentar da política, geralmente sem a necessária independência para analisar as contas do Executivo e das demais empresas públicas do município.

Direito de resposta é exceção

 

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

A maioria dos pedidos de direito de resposta que chegam à Justiça Eleitoral são descabidos. Os requerentes confundem suas dores emocionais e mágoas infantis com ofensas e ataques políticos. Questões sem referências nominais e fazendo indeterminado. A rigor, fazer uma alusão à situações a muito tempo noticiadas e conhecidas não significa ofender a honra de ninguém.

A propósito, o Tribunal Superior Eleitoral já decidiu assim:

Representação. Agravo. Direito de resposta. Horário gratuito. Propaganda eleitoral. Não-divulgação de fatos sabidamente inverídicos (rombo no governo, telefones celulares nos presídios). Calúnia não configurada. Não caracterizada nenhuma divulgação de afirmação caluniosa, injuriosa ou sabidamente inverídica, é de ser indeferido o pedido de resposta. Agravo a que se nega provimento.
(Representação Nº 492, rel. Min. Gerardo Grossi, j 26.09.2002).

Até porque, a lembrança é parte integrante do discurso:

Recurso especial eleitoral. Direito de resposta. Rememorar fatos da história de políticos não constitui ofensa a ensejar direito de resposta. Recurso não conhecido.
(Recurso Nº 20.501, red. designado Min. Luiz Carlos Lopes Madeira, j. 30.09.2002).

Se a indignação é contra a situação geral e se o discurso político é crítico e contundente, não há como prosperar o DIREITO DE RESPOSTA, que é uma exceção, não dá em árvore!

Afinal, se os governos podem exercer o seu direito de propaganda, às oposições deve se garantir o de ataque. Questões políticas decorrentes de fatos e temas políticos naturalmente relevantes que são, por exemplo, a má-administração pública e seus desdobramentos, podem ser veiculados no rádio e na televisão.

Direito de resposta exige que se tenha presente a calúnia, a difamação ou a injúria, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação. Críticas ou imagens explorando temas políticos e de interesse da população, não se fazendo ataques pessoais, mas de caráter geral, não ensejam o seu deferimento.

Críticas ríspidas, mesmo de natureza político-ideológica, que desprestigiam mas não chegam ao ponto de atingir a honra subjetiva e objetiva daquele contra quem foram proferidas, não justificam a concessão do direito de resposta. Se foram encetadas buscando a responsabilização de gestores pela má condução das atividades de Governo, consubstanciam típico discurso de oposição. Aspereza e indignação política não se confundem com ofensa.

Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor do livro “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Às segundas, escreve no Blog do Mílton Jung.