O dia em que tirei os óculos escuros

Diego Felix Miguel

Foto de Ruslan Sikunov

Se tem uma sensação que aprendi a gostar é a de viajar de avião.
Estar lá no alto, diante da imensidão do mundo, faz a gente perceber o quanto se preocupa com coisas pequenas, tentando caber em espaços que, muitas vezes, não nos comportam.

Na última semana, precisei viajar a trabalho. Como de costume, cheguei cedo ao aeroporto e fui passear pelos corredores.
Num impulso, talvez por ansiedade, me vi provando óculos escuros em um quiosque. Inventei uma desculpa para justificar, para mim mesmo, aquela situação: afinal, havia esquecido meus óculos de sol em casa e, por isso, acabei comprando outro par.

Com os óculos novos na mochila, comecei a pensar no motivo daquela compra — afinal, nem tenho o hábito de usá-los. E, convenhamos, deixei ali algumas centenas de reais por algo que, naquela manhã ensolarada, acabou repousando na mochila sem sequer ter a oportunidade de ser desfilado naquele lugar.

Por birra, decidi vesti-los ainda dentro do aeroporto, talvez para justificar novamente o impulso.
Naquele instante, o mundo ficou sem brilho.
E percebi que era exatamente essa a sensação que, meses antes, eu vinha experimentando — mesmo a olhos nus.

Por longos meses, meu mundo esteve sem brilho.
A fadiga e a tristeza pareciam ser as únicas sensações possíveis.
Isso tinha um nome, que ouvi de uma médica ao tentar entender o que acontecia comigo:
“Não é só tristeza, e não vai passar. Você está com depressão.”

Foram meses difíceis.
Mesmo cercado por pessoas, eu estava só. É uma luta silenciosa, porque apenas você sabe o que sente — e nem sempre tem coragem de dizer, com medo de julgamentos, da banalização da dor ou, simplesmente, por falta de energia para falar e explicar o tamanho dela.

Descobri, nesse processo, o quanto somos pequenos diante do mundo.
A vida não para e, para a maioria dos lugares e pessoas que ocupamos, somos substituíveis.

Estar de óculos escuros, naquele momento em que a depressão já estava em remissão e meu mundo voltava a reluzir, me fez revisitar sensações que, na crise, eu não consegui elaborar.
Entre elas, o instante preciso em que consegui lutar para tirar os óculos escuros e voltar a enxergar o brilho das coisas.

Essa virada começou quando percebi o perigo do lugar emocional em que estava e, num ímpeto improvável, busquei novas formas de autocuidado, complementares ao tratamento que já fazia.
Foi quando consegui retomar minha autonomia.

Tenho aprendido a aplicar, no meu próprio processo de envelhecimento, muitas das lições que pessoas idosas me ensinaram ao longo da trajetória profissional.
São experiências generosamente compartilhadas, e delas levo comigo uma das maiores lições:
Às vezes, para jogar os óculos de sol para longe, é preciso buscar uma motivação externa.
Ousar. Fazer algo que talvez nunca fizesse.
Sem medo de julgamentos.
Com coragem suficiente para reencontrar o equilíbrio, o amor-próprio e o autocuidado.

Hoje estou bem, recuperado e atento.
Aprendi até onde é permitido usar os óculos escuros e, o mais importante, descobri a motivação para tirá-los e apreciar o brilho à minha volta.

Diego Felix Miguel é especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e presidente do Departamento de Gerontologia da SBGG-SP. Mestre em Filosofia e doutorando em Saúde Pública pela USP. Escreve este artigo a convite do Blog do Mílton Jung.

Avalanche Tricolor: luto, lamentos e lágrimas

São Paulo 2×1 Grêmio
Brasileiro – Morumbi, São Paulo (SP)

O luto na braçadeira dos jogadores. Foto: Lucas Uebel/GrêmioFBPA

É tarde da noite, neste sábado, e não me arrependo da decisão de não ter ido ao Morumbi — que fica próximo de onde moro desde que vim para São Paulo. Ao longo do dia, considerei algumas vezes a ideia de assistir ao jogo no estádio, experiência que sempre me trouxe prazer, mesmo quando o resultado não colaborava.

Ver o Grêmio apenas se defendendo desde o primeiro minuto, sem demonstrar qualquer vontade ou possibilidade de atacar, foi o suficiente para me convencer de que tinha feito a escolha certa ao permanecer diante da televisão. Evitei o desconforto de chegar ao estádio, o ingresso sempre mais caro do que o espetáculo merece, a arquibancada descoberta e fria, e a insegurança de voltar para casa no fim da noite.

Foi, então, que em um raro contra-ataque, Aravena balançou as redes. Já passava da meia hora de jogo quando, pela primeira vez, o time entrou na área adversária e chutou em direção ao gol — e ao fim da partida, saberíamos que isso só se repetiria outras duas vezes, sem o mesmo sucesso.

O gol, aos 36 minutos, foi o único instante em que minha memória afetiva me fez questionar a ausência no estádio. Que saudade de poder pular na arquibancada, comemorar uma conquista, abraçar quem estivesse ao lado com aquela intimidade que só os torcedores sabem exercer. Uma sensação fugaz.

Infelizmente, os fatos que se seguiram confirmaram que a alegria seria momentânea, e a ausência no estádio, longe de ser lamentada. Abdicamos da posse de bola, insistimos em apenas nos defender e repetimos os vacilos na marcação que têm sido frequentes nas últimas três temporadas. Sim, há três anos o Grêmio sofre uma quantidade absurda de gols, e essa sangria parece não ter fim — seja quem for o técnico na casamata.

O pênalti marcado — e, como sempre, discutido — além de irritação, deveria provocar reflexão. Independentemente da qualidade dos árbitros e dos erros do VAR, é preciso admitir: o Grêmio se expõe a esses riscos por conta das circunstâncias do seu jogo. Um time que vive com a bola sendo jogada dentro ou ao redor da própria área está sempre à beira do desastre, seja por trapalhadas do juiz, seja pelas próprias falhas defensivas.

Lamento pelo futebol mal jogado e por estarmos de volta àquela zona que você sabe qual é. Mas esse é o tipo de lamento que se dissolve no jogo seguinte. Sempre há espaço para recuperação, seja daqui uma semana, seja algumas rodadas à frente.

Confesso, porém, que me envergonha ficar desanimado com as coisas do futebol quando a vida impõe tragédias reais, como a enfrentada por Mano Menezes. A morte de dois de seus ‘netos de coração’ em um acidente automobilístico é uma dor infinita, que eterniza uma cicatriz na alma. A ele e a todos os familiares que choram por essas duas crianças, nossa solidariedade e nossas lágrimas de tristeza e consternação.

Entre o luto e o ouro

As emoções se entrelaçaram de forma contraditória, nestes últimos dias. Fomos levados a extremos que desafiam nossa compreensão e nossa capacidade de reação. Na sexta-feira, uma tragédia se abateu sobre Vinhedo, no interior de São Paulo, onde um avião caiu, levando consigo as vidas de 62 pessoas. Naquele mesmo instante, estávamos tomados pela euforia dos Jogos Olímpicos de Paris. Acompanhávamos em êxtase o ouro conquistado pelas atletas brasileiras do vôlei de praia, Ana Patrícia e Duda; a prata do canoísta Isaquias Queiroz; e o bronze de Alison dos Santos, no atletismo.

Essa dualidade de sentimentos, de dor e de celebração, nos coloca diante de um desafio único, tanto para o público quanto para nós, jornalistas. Eu já estava fora do ar quando o acidente aéreo foi confirmado e acompanhei à distância a tentativa dos colegas na redação em equilibrar a cobertura de uma tragédia de proporções tão devastadoras com a exaltação de conquistas esportivas que simbolizam o esforço, a superação e o orgulho de uma nação. Como transmitir a dimensão de uma perda irreparável sem deixar de reconhecer o mérito e a felicidade daqueles que, após anos de dedicação, alcançaram o topo de suas carreiras?

O escritor e filósofo Albert Camus, em sua obra “O Mito de Sísifo”, explora a ideia do absurdo da existência, uma sensação que muitos de nós experimentamos quando confrontados com situações como essas. Camus argumenta que, mesmo diante do absurdo, o ser humano deve buscar significado e continuar sua jornada. Essa visão pode nos ajudar a entender que a celebração das conquistas olímpicas não diminui a gravidade da tragédia aérea, assim como o luto pelas vidas perdidas não deve obscurecer a alegria daqueles que alcançaram o sucesso. 

Da mesma forma, o filósofo Friedrich Nietzsche, em “Assim Falou Zaratustra”, explora a profundidade da existência humana e os extremos que vivenciamos, como a dor e a alegria. Nietzsche nos desafia a abraçar a vida em sua totalidade através do conceito do “eterno retorno”, que propõe que cada momento, seja de felicidade ou de sofrimento, deve ser vivido como se estivesse destinado a se repetir infinitamente. Essa ideia nos convida a aceitar a convivência desses sentimentos contrastantes e a encontrar uma forma de viver que permita honrar tanto a memória das vítimas quanto celebrar o triunfo dos atletas, sem arrependimentos.

O papel do jornalismo, nesse contexto, é justamente o de ser o mediador entre esses extremos, oferecendo ao público uma cobertura que respeite a gravidade da tragédia e, ao mesmo tempo, celebre os feitos daqueles que superaram limites para representar o país no cenário internacional. Não podemos permitir que a existência de um fato desmereça o outro. A dor e a alegria, o luto e a celebração, fazem parte da condição humana e, como tal, devem ser abordados com a devida sensibilidade e respeito.

Ao final, cabe a cada um de nós, como indivíduos e como sociedade, aprender a lidar com essa dualidade, reconhecendo que, apesar de estarmos imersos em uma realidade que nos apresenta cenários tão distintos, somos capazes de encontrar força para seguir em frente, carregando em nossos corações tanto as lágrimas da perda quanto as da vitória.

A mágica da validação

Dra. Nina Ferreira

@psiquiatrialeve

Criado pelo Dall-E

Precisar ser visto, considerado, acolhido – sim, a palavra é ‘precisar’, porque isso é uma biológica necessidade humana.

Especialmente quando não estamos nos sentindo bem – tristes, ansiosos, com raiva, perceber que a outra pessoa está notando nosso sofrimento e se sensibilizando com nossa situação nos dá uma sensação de segurança e respeito. E essa é a base para que possamos voltar ao nosso equilíbrio emocional e mental e encontrar forças para levantar e seguir em frente.

O cenário contrário faz um estrago – perceber que o outro não nota nossa dor, não leva em consideração “nosso lado na história”, gera revolta, preocupação, um incômodo intenso. Fugir dali, se esconder, partir pra cima e brigar, falar poucas e boas… tudo isso passa pela cabeça quando uma pessoa se sente invalidada. Em resumo, a invalidação é uma arma que causa profundos machucados e gera reações muito ruins nas pessoas.

Com esta dualidade exposta, te convido a refletir: você já foi invalidado? Se sim, como se sentiu? Uma outra reflexão, essa mais desafiadora: você já invalidou alguém? Já reparou se é uma pessoa que faz isso com outras… se é raro ou frequente…?

A mágica da validação é a essência do entendimento entre as pessoas, da solução de problemas, da sensação de segurança e bem-estar. A mágica da validação sustenta a ajuda mútua entre os seres humanos e, vamos combinar… ajuda mútua facilita tudo!

Vamos começar a treinar essa mágica? Pessoas validantes servem de porto-seguro e de exemplo para outras – é um clássico “ganha-ganha”!

Vamos validar e, assim, fluir e viver mais leve!


A Dra. Nina Ferreira (@psiquiatrialeve) é médica psiquiatra, especialista em terapia do esquema, neurociências e neuropsicologia. Escreve a convite do Blog do Mílton Jung.

O dia de amanhã

Foto de Leonid Sobolev no Pexels

“Eis a minha doença: não me restam lembranças, 

tenho apenas sonhos. 

Sou um esquecedor de sentimentos”

Mia Couto

Se amanhã não é apenas mais um dia – seja porque é o primeiro do ano seja porque não deveria existir um dia qualquer – que dia será o amanhã? Fiz-me a pergunta ao ler o texto da psicóloga Simone Domingues, publicado neste blog. Dela recebi a amizade e o conhecimento na parceria que se iniciou no caos da pandemia. E desses veio o tema que me provocou a pensar, enquanto vejo o mar quebrar no arrecife. 

Assim como levarei comigo o que ganhei nesse ano que se encerra, levo meus segredos. Carrego minhas dores (muitas das quais ainda guardo em silêncio). Sobre os ombros estão as marcas das alças de uma mochila de emoções que dizem devemos esvaziar ao longo da jornada. Como se essas fossem objetos dos quais nos desfazemos porque desbotaram, saíram de moda, se tornaram obsoletos, sem funcionalidade. Não o são. Ao menos para mim, não! Sou um acumulador de emoções.

Em um desses livros deixados sobre a mesa da casa de veraneio de uma temporada para outra, encontro em destaque o texto do escritor moçambicano Mia Couto, que no romance “O mapeador de ausências”, diz ser um esquecedor de sentimentos. Queria um dia ter esse talento. Não o de escrever. O de esquecer!

Amanhã, no primeiro do ano, as marcas não desaparecerão. Estarão na minha lembrança, como estiveram ontem e como estarão depois de amanhã.

Terei vincos mais profundos na pele, que com o tempo perde o viço e o poder de suportar as perdas que acumulamos na vida. Cheguei a me convencer numa época qualquer de que com as cicatrizes o couro se fortaleceria, se tornaria resistente. Desconfio que me enganei. Não há botox, massagem linfática e cremes milagrosos das orientais suficientes para desfazer o que fizemos. Nosso passado está presente no enrugar da testa, no amarrotado das expressões ou no olhar que tentamos disfarçar quando flagrados pelas lentes das câmeras. 

Isso não significa que desisti de ser feliz. 

Recuso-me a falência da esperança – sentimento que sempre me acompanhou em vida e assim foi descrito pelo amigo Mário Sérgio Cortella, na orelha do livro “É proibido calar!”. E se na recusa me rebelo é porque ainda sou capaz de enxergar o que construí. Tenho consciência do meu saber. Dos meus méritos. Autoconheço-me (com o perdão da conjugação do imperativo afirmativo na inexistente primeira pessoa do singular) !

Tenho o privilégio de ter a companhia de alguém que me ama no dia a dia, a despeito do que sou e sinto. De ter ajudado a criar duas criaturas incríveis, que talvez sequer me merecessem como criador (com letra minúscula, claro). De ter amigos que me oferecem um carinho tão despretensioso quanto profundo. De ter você, caro e cada vez mais raro leitor deste blog – uma gente que sequer me conhece bem, mas deposita confiança no que faço e digo.

São eles, cada um deles, cada um de vocês, motivo e razão, para que no amanhã – seja qual for esse amanhã – , eu levante da cama e acorde como tenho acordado todos os dias que se passaram até aqui: com o peso da minha mochila de emoções, pecados e desejos, e com a vitalidade que o propósito de ser uma versão melhorada de mim mesmo me oferece – mesmo que suspeite da minha incapacidade de sê-lo.

Feliz Amanhã!

Temos o direito à tristeza

Por Simone Domingues

@simonedominguespsicologa

Foto de Bruno Bueno no Pexels

A pandemia não é mais uma condição recente, no entanto, a impressão que temos é que a cada semana os fatos se renovam, infelizmente, sem trazer alívio ou contento. Atitudes desgovernadas, baixa adesão da população aos meios de distanciamento social, números que selam um momento muito doloroso. Diante desse cenário, torna-se difícil, por mais otimistas e esperançosos que sejamos, conseguirmos manter as emoções sempre positivas.Mas deveria ser assim?

Num mundo que se acostumou a buscar soluções imediatas e simplistas para lidar com as dificuldades da vida e a estampar nas diversas fotos que alimentam as redes sociais um excesso de felicidade, sentir tristeza, raiva ou solidão parecem ultrajantes.

Robert Leahy, um dos maiores estudiosos em Terapia Cognitiva, alerta para a busca pelo perfeccionismo emocional. Para o autor, há uma crença – errônea – de que as emoções devem ser boas, felizes e descomplicadas. Isso nos torna incapazes de tolerar a tristeza, a frustração e outros sentimentos desagradáveis, desconsiderando que justamente esse leque de emoções é que nos permitiu a adaptação aos riscos e às demandas da vida em um mundo repleto de escassez e perigo, como aquele vivenciado por nossos ancestrais pré-históricos.

O distanciamento das emoções dolorosas se assemelha a uma ingenuidade emocional, capacitando a negação da realidade, e restringindo, portanto, nossas decisões voltadas para a solução dos problemas atuais de maneira realista e produtiva.

Essa supressão dos sentimentos e a cobrança por atitudes constantemente positivas têm sido apontadas como “positividade tóxica”, termo cunhado a fim de nos alertar sobre os riscos da invalidação de sentimentos, próprios ou de terceiros, através de frases como: “good vibes only” (em tradução literal, boas vibrações apenas). 

Na contramão do benefício, atitudes como essa, em geral, aumentam a percepção de inadequação, gerando culpa e vergonha pelos sentimentos experimentados.

Não falo sobre cultivar os sentimentos que são desagradáveis, mas sobre vivenciá-los integralmente, compreendendo que fazem parte da existência humana. 

Nada dura para sempre. Nem as situações nem as emoções. Que saibamos viver nossas dores, com respeito e compaixão, e que isso nos permita o crescimento e a construção de dias melhores, para que também possamos vivenciar plenamente  os momentos de gratidão e de felicidade.

Saiba mais sobre saúde mental e comportamento no canal 10porcentomais

Simone Domingues é Psicóloga especialista em Neuropsicologia, tem Pós-Doutorado em Neurociências pela Universidade de Lille/França, é uma das autoras do perfil @dezporcentomais no Instagram. Escreveu este artigo a convite do Blog do Mílton Jung

A permissão para ser suficiente

Por Simone Domingues

@simonedominguespsicolog

 

Imagem: Pixabay

“Tristeza não tem fim. Felicidade sim”. Esse trecho da música de autoria de Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes valoriza algo que todos nós experimentamos: as emoções. Porém, ao contrário do que dizem os versos dessa belíssima canção, as emoções, tais como amor, felicidade, tristeza e medo, não são estáveis e não têm duração definida.

Diversas pesquisas em Neurociências buscam compreender o processamento das emoções, destacando que as experiências emocionais são o resultado de interações complexas entre estímulos sensoriais, circuitos cerebrais, experiências passadas e ativação de sistemas de neurotransmissores. 

Algumas emoções, como o medo e a raiva, apesar de caracterizarem sentimentos desagradáveis, são naturais e têm funções adaptativas, como possibilitar comportamentos de proteção e fuga diante dos perigos. Entretanto, somos bombardeados com a exigência de modelos de positividade exagerada, uma cobrança de que sentimentos desagradáveis devem ser eliminados. 

Essa positividade exagerada, além de invalidar as emoções, incentiva a busca pela perfeição, atalhos para o sucesso e alto desempenho, num coro: “você só não consegue se não quiser”, difundido especialmente pelas redes sociais, através de influenciadores e frases motivacionais.

Amparado nesse positivismo de que é possível fazer tudo ou ser quem você quiser – que é possível ter o corpo perfeito, humor impecável e ser multitarefa – sobram apelos motivacionais e falta capacitação, dedicação e competência. A positividade excessiva não aceita desculpas para não ser produtivo ou perfeito.

Em seu livro “Sociedade do cansaço”, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, radicado na Alemanha, aborda que o excesso de positividade conduz a uma sociedade na qual todos precisam estar sempre produzindo, e que tudo depende da força de vontade individual. Isso produziria pessoas deprimidas, decorrente da pressão pela infalibilidade.  

Na contramão do trabalho como protagonista da vida contemporânea e do excesso de produtividade, Ieda Rodhen, doutora pela Universidade de Deusto, na Espanha, destaca a importância do ócio construtivo, caracterizado pelas atividades de lazer, como esporte, arte ou turismo, bem como pela decisão de um livre não fazer nada. Para Ieda, tais atitudes somente podem ser consideradas ócio se envolverem liberdade, se forem uma escolha da própria pessoa, não podendo ser decorrentes de modismos ou realizadas para agradar a sociedade. 

Desse modo, algumas experiências podem ser solitárias e aparentemente passivas, como aquelas que envolvem introspecção e autoconhecimento. Experiências que nos permitem compreender que não precisamos estar sempre felizes, produtivos, com corpos perfeitos ou em padrões que não nos cabem.

Isso nos conduz à compreensão de que algumas coisas não são possíveis. Talvez nunca sejam possíveis. Nunca seremos tudo. E tudo bem! Somos seres limitados e por isso precisamos uns dos outros. Temos habilidades e dificuldades, riso e choro. Isso nos humaniza, nos individualiza.

Se buscamos a felicidade é porque em alguns momentos ela nos falta. Mas não são assim as emoções? Não queremos ser excesso, mas também não somos escassez. Sejamos suficientes, porque como dizia Epicuro, “nada é suficiente, para quem o suficiente é pouco”. 

Saiba mais sobre saúde mental e comportamento: inscreva-se no canal 10porcentomais no Youtube.

Simone Domingues é Psicóloga especialista em Neuropsicologia, tem Pós-Doutorado em Neurociências pela Universidade de Lille/França, é uma das autoras do perfil @dezporcentomais no Instagram. Escreveu este artigo a convite do Blog do Mílton Jung

“A tempestade passa, pode nos encharcar, mas passa”

 

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Foto: Pixabay

 

Chegou em minhas mãos, nesse fim de semana, presente de uma amiga querida, o livro “Dentro de mim — reflexões sobre autoconhecimento, amorosidade e transformação interior” (Intervidas). Foi escrito por José Carlos de Lucca, juiz de direito, dedicado a prática do espiritismo e um dos fundadores do Grupo Espírita Esperança.

 

Com texto claro, escrito de forma direta e iluminado, não precisei de muitas horas para avançar de um capítulo ao outro. Ainda não cheguei ao fim. O farei, com certeza, nos próximos dias. Faço, agora, um intervalo na leitura, porém, para dividir com você o que encontrei logo no início de “Dentro de mim”. De Lucca escreve texto com o título “Vai Passar’. É de 2019 e traz ensinamentos para todos nós que atravessamos com tristeza este 2020.

 

No artigo, há a reprodução do trecho de um texto de outro autor, Caio Fernando Abreu—- este bem mais próximo de mim, por jornalista e conterrâneo que é, e por ter marcado toda nossa geração com seus artigos que tratavam de temas até então não-convencionais, tais como sexo, medo e solitude. Caio morreu jovem, com 47 anos, em 1996.

 

Atrevo-me a publicar a seguir parte do primeiro capítulo de “Dentro de mim”, sem pedir licença ao autor, mas por desconfiar de que se pedisse a licença seria concedida, por útil que sua mensagem pode ser a todos que estão compartilhando das mesmas dores:

 

….

 

Tudo passa!

 

Não há mal que perdure para sempre. Não há dor que se eternize. Não há treva que resista à luz. Todo mal é passageiro, toda dor é temporária. Por essa razão, o suicídio é uma “solução” definitiva para um problema temporário: uma dose excessiva e inócua para uma dor que, com o passar do tempo, encontraria naturalmente o seu fim. O suicídio, porém, não soluciona a dificuldade que nos sufoca: ao contrário, agrava-a.

 

Melhor pensar que o problema de hoje está de passagem. Mais dia, menos dia, ele será apenas uma lembrança na história de sua vida, assim como hoje você se recorda de outras tantas adversidades já superadas.

 

Quantas vezes você imaginou que não teria forças para seguir adiante, e as forças brotaram das suas entranhas mais secretas e o conduziram à vitória? Quantas vezes você pensou que era chegado o fim, mas tudo não passou de um recomeço que o levou a situações melhores? Quantas vezes você acreditou que seu problema não tinha mais solução, e, inesperadamente, a solução surgiu de onde menos se esperava?

 

Maria de Nazaré, a Mãe Espiritual de todos nós, afirma que todo mal é passageiro, e somente o Reino de Deus tem força suficiente para nunca passar. Então, no momento da aflição, não devemos olhar para o abismo nos chamando para a derrota. É hora de olharmos para o céu, de onde viemos, e abrirmos a nossa mente e o coração para a poderosa força da vida que Deus soprou em cada um de nós no momento que nos criou!

 

À medida que nos entregamos à experiência de sentir a força da vida em nós, somos preenchidos de paz, serenidade e confiança em nossas possibilidades de superarmos as adversidades. A força divina dentro da gente começa a mudar o cenário da vida lá fora! O poeta Caio Fernando Abreu chamou essa força divina de “impulso vital”e mostrou, com rara sensibilidade, como ela pode fazer nossa vida seguir adiante, apesar das nuvens sombrias que pairam sobre nós.

Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está aí, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada “impulso vital”. Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como “estou contente outra vez”. Ou simplesmente “continuo”, porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como “sempre” ou “nunca”. Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicídio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim — nós, não. Contidamente, continuamos. E substituímos expressões fatais como “não resistirei” por outras mais mansas, como “sei que vai passar”

Todo mal um dia passará, indiscutivelmente. Deixemos que esse impulso vital nos leve adiante e nos tire do abismo da derrota, das águas fundas da nossa tristeza, da janela de um edifício…

 

Aguente firme, a tempestade passa, pode nos encharcar, mas passa. Depois, o sol seca a nossa alma enregelada. O Reino de Deus, de onde brota o impulso vital, está pronto para crescer em cada um de nós, e o Reino não está longe nem fora, está dentro de mim, está dentro de você! Pacientemente, permita-me esse movimento de Deus em sua vida, a partir do seu coração.

 

Vai passar!

 

Compre aqui o livro “Dentro de Mim”, de José Carlos de Lucca

De vida

 

Por Maria Lucia Solla

 

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quero dizer mas não consigo
quero entender mas não reconheço
a fala desenfreada
que corcoveia do avesso
nos meus ouvidos
e no meu coração

 

a vida com suas cores
aos meus olhos de repente
perde o sentido em dores
e me vejo no escuro
exalado pela falta de direção

 

então me isolo
para não contaminar
corações ainda puros
se é que ainda os há

 

no caos do meu interior
procuro consolo
e encontro tristeza e solidão
busco meu próprio colo
e choro

 

no dia seguinte decido
recuperar a alegria
reviro tudo
ponho a vida de ponta cabeça
cavoco cada canto de mim
e me perco
e imploro

 

a Deus uma chance
de reencontrar o caminho
para de novo abraçar a vida
que insiste em escapar
num esconde-esconde
sem fim

 


Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Escreve no Blog do Mílton Jung

Algumas tristezas na nossa Legislação

 

Por Julio Tannus

 

INSS

 

O cidadão recolheu por 25 anos o INSS sobre 20 salários mínimos. No início dos anos 90 o Congresso Nacional Brasileiro decreta que o valor de recolhimento para o teto deve baixar para 10 salários mínimos. Pouco tempo depois, sua secretária que pagava o carnê do INSS no banco, é orientada por um caixa do banco a corrigir o recolhimento para 3 salários mínimos. Passados 3 meses com recolhimento sobre 3 salários, o cidadão toma conhecimento do equívoco e volta a recolher sobre 10 salários mínimos. No ano de 1996 é feita a aposentadoria com base em 3 salários mínimos. No final dos anos 90, ao comentar com um amigo essa trajetória, lhe é indicado um advogado para entrar com uma ação na justiça contra o INSS. O processo, após longo período, é indeferido. Em 2011 o cidadão resolve fazer uma consulta ao INSS sobre sua aposentadoria. A gerente da agência lhe informa que ele tem uma quantia considerável para receber. Só que venceu o prazo de 10 anos e ele perdeu o direito de recebimento. Que tristeza!

 

IPTU

 

O cidadão, por problemas de segurança (teve sua casa assaltada), resolve mudar para um apartamento. Passados 7 anos em sua nova residência, ele se dá conta que o valor do IPTU mais que dobrou no período. Como ele vive de aposentadoria, resolve consultar a Prefeitura de São Paulo sobre o porquê do aumento tão elevado, uma vez que sua aposentadoria não teve qualquer aumento, e sim as correções decorrentes da inflação. A explicação que conseguiu apurar para esse fato é que os imóveis na região foram muito valorizados. E ele então arguiu: se sou proprietário de um imóvel e não tenho nenhuma intenção de comercializá-lo, porque um órgão público quer se beneficiar de sua valorização? Não seria o caso de obter vantagem sobre essa valorização apenas no caso de venda do imóvel? E desfiou seu descontentamento para o atendente da Prefeitura: O retorno obtido com esse elevado aumento do imposto é inexistente. Ou seja, continuamos com as vias públicas em péssimas condições, esburacadas, cheias de remendos mal feitos. A iluminação pública, no geral, é deficiente, propiciando todo tipo de insegurança aos cidadãos. Toda a vegetação não tem o tratamento adequado. Sem falar na falta de segurança. Que tristeza!

 

ITCMD

 

O casal vive por mais de 40 anos em perfeita sintonia e harmonia. Com dois filhos e um patrimônio conseguido do trabalho profissional de ambos durante esse período. Até que uma doença grave acomete um dos membros do casal que, após um longo período de sofrimento, vem a falecer. De repente o parceiro vivo é informado sobre a necessidade de fazer um inventário. Ao que ele indaga: um inventário? Mas o nosso regime de casamento é com comunhão universal de bens, ou seja, no caso de meu falecimento os nossos bens vão automaticamente para nossos dois filhos. Ao que é informado que na legislação atual é necessário fazer o inventário. Sem alternativa, ele contrata um advogado e gasta uma quantia em dinheiro que consome toda sua poupança. Então ele pergunta: será que inventaram esse inventário só para pagarmos mais um imposto elevadíssimo, o tal do ITCMD Imposto Sobre “Causa Mortis” e Doações de Quaisquer Bens ou Direitos. Que tristeza!

 

A TRISTEZA MAIOR

 

Ninguém reclama, ninguém contesta, ninguém se manifesta! Só reproduzindo o cartaz abaixo:

 

 


Julio Tannus é consultor em estudos e pesquisa aplicada. Às terças-feiras, escreve no Blog do Mílton Jung