Número de deputados revela deformação no parlamento

 

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

 

Na semana passada, o Tribunal Superior Eleitoral ratificou a Resolução n° 23.389/2013 redefinindo a distribuição do número de deputados federais por estado e, com isso, via de consequência, a composição das Assembleias Legislativas e da Câmara Distrital. Na prática, com a decisão do TSE, oito estados (AL, ES, PE, PR, RJ, RS, PB e PI) perderam representatividade na Câmara dos Deputados e cinco (AM, CE, MG, SC e PA) adquiriram. O Pará é o estado cuja bancada mais cresceria na próxima legislatura, com quatro cadeiras a mais (de 17 para 21). Ceará e Minas Gerais teriam mais duas vagas cada um (passando, respectivamente, de 22 para 24 e de 53 para 55 deputados). Amazonas e Santa Catarina aumentariam suas bancadas em um deputado federal cada um (o Amazonas passaria de 8 para 9 cadeiras e Santa Catarina de 16 para 17). Já a Paraíba e o Piauí sofreriam a maior redução, cada um perdendo dois deputados federais (passando de 12 para 10 e de 10 para 8, respectivamente). Pernambuco (25), Paraná (30), Rio de Janeiro (46), Espírito Santo (10), Alagoas (9) e Rio Grande do Sul (31) perderiam um deputado na próxima legislatura.

 

Esta divergência acerca do número de parlamentares teve início em abril de 2013, quando o TSE aprovou a resolução recalculando o tamanho das bancadas estaduais. Naquela oportunidade, o Tribunal levou em conta o censo do IBGE de 2010 para efetivar o recálculo a partir da população de cada estado. Porém, esta medida foi rechaçada pelos congressistas através da aprovação de um Decreto Legislativo tornando a decisão do TSE sem efeito.

 

Este é apenas um dos ângulos que a matéria comporta. A par do confronto estabelecido pelo TSE relativamente à Câmara dos Deputados – que através de sua Mesa Diretora reagiu ingressando com Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal – a desproporcionalidade que vigora nas representações regionais é uma anomalia histórica e tolerada sem qualquer esboço de reação, nem mesmo por aquelas mais prejudicadas.

 

Não obstante as tímidas tentativas de ajuste ou correção pela via legislativa, os 20 estados que formam as regiões Norte (7), Nordeste (9) e Centro-Oeste (4) do país, embora reunindo menos da metade da população brasileira (43%), seguem monopolizando expressivos 74% das 81 cadeiras do Senado Federal. Na Câmara dos Deputados a situação não é diversa quando estas mesmas bancadas controlam 50,1% das cadeiras (257), enquanto que os deputados oriundos dos 7 Estados que formam as regiões Sul (3) e Sudeste (4), sabidamente as mais industrializadas e populosas do país segundo o IBGE, preenchem 49,9% (256).

 

Sob o viés normativo, tanto a sobre-representação das primeiras quanto a sub-representação das demais foram introduzidas pelo Código Eleitoral de 1932 e incrementadas a partir da Constituição Federal de 1934. De lá para cá, a situação se consolidou. É indisfarçável que estes dois diplomas sacramentaram uma federação mutilada e parlamentarmente deformada, onde a representação de várias unidades federativas goza de um peso extra que se reflete sob a forma de desigualdades na formação de comissões, em votações, etc. No entanto, conforme recentemente lembrou Laurentino Gomes (2013, p. 106), tais distorções são enraizadas e tem suas origens ainda no Império, quando “os conservadores tinham representação mais forte nas províncias do Nordeste e, em geral, favoreciam a centralização do poder imperial, enquanto os liberais representavam as províncias do Sul e do Sudeste – especialmente São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul – e defendiam uma maior descentralização em favor da economia regional”.

 

Esta afronta à representação parlamentar configura uma temática que pelo fato de distorcer a federação e a própria soberania popular, merece prioridade pelos congressistas a serem eleitos em 2014.

 


Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor dos livros “Prefeitos de Porto Alegre – Cotidiano e Administração da Capital Gaúcha entre 1889 e 2012” (Editora Verbo Jurídico), “Vereança e Câmaras Municipais – questões legais e constitucionais” (Editora Verbo Jurídico) e “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Às segundas, escreve no Blog do Mílton Jung.

Uma outra Reforma Política

 

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

 

Não há mais possibilidade de contornar temas aflitivos que despertam indignação social. A sucessão de Comissões e adiamentos impulsiona uma sensação de que o desfecho pretendido jamais será alcançado. Se por um ângulo a constante exposição da matéria converteu a Reforma Política numa espécie de redenção ética de cunho salvacionista, a outro é leviano supor que a sua aprovação funcionará, por si só, como um antídoto capaz de eliminar todas as mazelas políticas que vicejam no país.

 

É essencial que prevaleça lucidez na delimitação de temas que possam dar vitalidade à política como atividade pública respeitável. Lista fechada, voto distrital e financiamento público são temas importantes mas demasiadamente complexos para este momento-limite, onde a população rejeita o formato vigente. Outras questões mais factíveis e nem por isso menos decisivas, todas amparadas em projetos formulados e tramitando, se credenciam como viáveis para atenuar os níveis de saturação que o sistema eleitoral e de representação manifestam.

 

Ampliação das atribuições de deputados estaduais e vereadores – A administração pública, de qualquer grau, é sempre compartilhada. Não é razoável que iniciativas parlamentares sejam restringidas sob a alegação de interferência no Executivo. Projetos relevantes não podem ser repelidos por sua origem parlamentar. Parlamentos são polpas vivas das comunidades e merecem real autonomia, sobretudo porque seus integrantes são tão eleitos quanto os Chefes do Poder Executivo.

 

Eliminação do quociente eleitoral – A representação popular sofre desvirtuamento quando um candidato ao Legislativo, amparado em votação retumbante, é preterido por outro de desempenho inferior. Conforme a PEC 54/07, os eleitores, além de não entenderem, desconfiam de um sistema eleitoral que admite a eleição de candidatos com pouca votação. A eleição dos mais votados corresponde à verdade eleitoral num país com mais de 30 siglas registradas na Justiça Eleitoral.

 

Suplentes no recesso – Porque contrasta à realidade e ao bom senso, a efetivação de substitutos remunerados nos períodos de recesso parlamentar é descartável vez que a sua finalidade se revela contraproducente. O parlamentar fica impossibilitado de apresentar projetos, participar de sessões e as Comissões não se reúnem. Esta anomalia desacredita o Parlamento perante o eleitor.

 

Candidaturas avulsas – A exemplo de diversos países (Estados Unidos, Itália, Israel, Portugal, Alemanha), admitir candidaturas de não-filiados subscritas por eleitores ou entidades civis ampliaria a participação política. As candidaturas independentes já foram possíveis até meados da década de 40 no Brasil.

 

Redução da Câmara dos Deputados – Inoperância pelo excesso de parlamentares, elevado custo público, sucessões de escândalos, apresentação de projetos inúteis ou bizarros, produção legislativa escassa ou irrelevante. É a indisfarçável ineficiência de uma estrutura acrítica justificando a sua diminuição.

 

Extinção dos suplentes de senador – Preenchida de forma indireta e confinada à homologação de nomes indicados pelos partidos, a suplência, além de impopular, é destituída de respaldo pelo eleitor e vulnera a soberania popular que chancela as eleições para os demais cargos.

 

Redução de mandato dos senadores – A demasiada extensão do mandato senatorial, a par de anacrônica, é fator impeditivo à renovação e fiscalização da Casa Legislativa e de seus membros. O cargo de Senador é relevante por suas atribuições e não pela sua duração. Oito anos é tempo demasiadamente extenso. Sua redução para quatro seria adequada, inclusive porque todos os demais mandatos são por este período.

 

“Janela” partidária – Uma troca de partido no curso do mandato não pode ser vedada de forma artificial e tampouco rotulada de injustificável. É imperativo atenuar o rigorismo vigente, imposto artificialmente pelo TSE através de uma medida administrativa ao invés de uma lei votada pelo Parlamento. Nas agremiações muitas vezes ocorrem fatos que tornam a coexistência insuportável. O mandatário, desde que justificadamente, tem o direito de exercer a sua representação em partido diverso daquele pelo qual se elegeu.

 

Para a efetivação destas melhorias, plebiscito, referendo e constituinte são procedimentos demagógicos, desnecessários, onerosos e inúteis. A Reforma Política é um empreendimento da cidadania que depende exclusivamente do Congresso Nacional restaurar a sua missão precípua e indelegável: legislar de acordo com a Constituição vigente.

 

Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor dos livros “Prefeitos de Porto Alegre – Cotidiano e Administração da Capital Gaúcha entre 1889 e 2012” (Editora Verbo Jurídico), “Vereança e Câmaras Municipais – questões legais e constitucionais” (Editora Verbo Jurídico) e “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Escreve no Blog do Mílton Jung.

Fazer propaganda eleitoral virou ofensa à Democracia

 

Por Antonio Augusto Mayer dos Santos

 

A propaganda eleitoral em bens públicos exigia a imposição de regramentos e limitações porquanto inúmeros candidatos abusavam da liberdade e poluíam passarelas, postes e calçadas. Mais que isso: não retiravam o material de campanha após o pleito. Entretanto, o excesso de vedações e restrições reveste a ação dos políticos de temeridade.

 

Prova disso é que quase tudo está severamente vigiado. Locais de intenso fluxo de eleitores deveriam ser livres e liberados para exibição de material e propaganda. No entanto,“infrações às normas ambientais” em logradouros muitas vezes horrendos e sem atrativos geram multas que sequer o poder público aplicaria não fosse propaganda.

 

Partidos e candidatos estão intimidados e frustrados com receios os mais diversos, sobretudo de multas ou acusações de abuso de poder por “excesso de propaganda”, o que certamente resulta numa campanha insossa e quase invisível. Neste sentido, é imprescindível lembrar que com a involução imposta pela Lei 11.300 ao eliminar os outdoors das campanhas, muros e painéis em terrenos particulares passaram a ocupar espaço privilegiado, não raro superando o valor daqueles outros, embora o aspecto lírico da legislação refira a sua utilização espontânea e gratuita.

 

Atos até então singelos e corriqueiros de campanha se tornaram burocráticos, ritualísticos e obviamente revestidos de receio. Peças ordinárias como um simples banner, um adesivo de carro, uma bandeira, tudo passou a ser instrumento infracional, tudo passou a ser ameaça ao meio ambiente, à ordem, etc. A maioria dos justos pagando pelos poucos e competentes pecadores que sistematicamente violam as leis eleitorais.

 

Tudo isto sem se falar daqueles candidatos à reeleição que precisam de malabarismos jurídicos para poder desenvolver a sua gestão sem violar textos legais mal-elaborados ou demagógicos que erm verdade colidem à Constituição Federal mas que disseminam a paranóica versão de uso ou benefício pela máquina administrativa.

 

A falta de bom senso na regulamentação das eleições no Brasil decorre da miopia e surdez do Congresso Nacional que não avalia corretamente as decisões tomadas pela Justiça Eleitoral, não dialoga frontalmente com o TSE e o que é pior: elabora normas erráticas, confusas e destituídas de bom senso a pretexto de “aperfeiçoar o sistema”. Se a propaganda eleitoral se tornou ofensiva à Democracia, é porque falta harmonia entre os Poderes. De repente fazer propaganda eleitoral se tornou ofensivo à Democracia.

 

Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor dos livros “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age) e “Vereança e Câmaras Municipais – questões legais e constitucionais” (Editora Verbo Jurídico). Às segundas, escreve no Blog do Mílton Jung.

O voto: show business ou show de horror?

 

Por Carlos Magno Gibrail

Candidatos estranhos

Analisando nos dias recentes, jornais, revistas, sites, blogs, rádios, TVs e demais meios de comunicação, o voto tem espaço e audiência, mas está mais para um show de horror e humor.

De um lado, extensas e intensas críticas aos debates pouco esclarecedores e divorciados do objetivo da eleição. De outro, a propaganda que ocupa o horário político obrigatório expressa mensagens ofensivas à inteligência dos eleitores.
Tudo coordenado e em nome do marketing político, que ignora a teoria do marketing empresarial, cuja eficiência é inquestionável.

Entretanto a explicação é simples, o mercado é o mesmo, mas as regras são diferentes. No mercado em que as pessoas escolhem produtos e serviços, elas não são obrigadas a consumir. No mercado em que são escolhidos os candidatos, os eleitores são punidos se não votarem.

Para que os produtos e serviços sejam escolhidos, eles precisam satisfazer necessidades e desejos do consumidor.

Na política nem tanto, pois o consumo é obrigatório.

Ao desobrigar o eleitor de votar, automaticamente haveria valorização do voto e evitaria os votos inconscientes e vendidos. Situação ao que tudo indica, não é a desejada pela maioria política. Pesquisa Vox Populi do ano passado indicou que apenas 51% votariam em caso da não obrigatoriedade.

Tiririca, a estrela da insensatez e da provocação ignorante à ignorância, certamente não teria o um milhão de votos previstos.

A espetacularização orquestrada pelo STF provavelmente não teria tanta importância, pois quem se dignasse votar facultativamente faria escolha em cima dos ficha-limpa.

Embora estejamos defasados globalmente, pois 90% dos países adotam o voto facultativo, incluindo aí os mais ricos e desenvolvidos, a mudança teria que ser aprovada pelos mesmos políticos que usufruem do voto compulsório.

O objetivo político da maioria dos políticos é a própria reeleição, tornando o que é meio em fim, donde se converge o interesse maior na obrigatoriedade do voto. Facilitadora da continuidade e estimuladora da falta de compromisso numa trama em que o ator desempenha o próprio papel buscando sempre o interesse pessoal e sinalizando à platéia exatamente o contrário.

É hora de escolhermos corretamente boas peças e bons atores.

Carlos Magno Gibrail é doutor em marketing de moda e escreve no Blog do Mílton Jung

Para onde vão os votos de candidato indeferido

 

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

Conforme ensina Fávila Ribeiro (Direito Eleitoral, 2ª. Ed., Rio de Janeiro, Forense, p. 400), “É o registro a condição essencial a que se possa concorrer a cargo eletivo”. Para isso, os/as pretendentes devem reunir as condições de elegibilidade (CF/88, art. 14, §3º) e não configurar nenhuma hipótese da Lei Complementar 64/90, mais especificamente hoje, a tal de Ficha Limpa ou Suja. Caso contrário, na ausência de uma daquelas ou na presença de uma inelegibilidade, o registro da candidatura poderá ser impugnado ou indeferido, sem prejuízo de realização da campanha eleitoral. Entretanto, mesmo que tenha havido presença na urna eletrônica e votação, poderá se configurar o “ganhou mas não levou”.

Mencionada hipótese, recentemente reforçada pela decisão (inconclusa) do STF sobre a Lei Complementar Nº 135/10, além do impacto, frustra os protagonistas da disputa. Neste momento, surge um tema complexo cuja jurisprudência, em vista da proximidade do pleito, impõe reflexão: o destino dos votos sufragados a alguém cujo registro foi negado pela Justiça Eleitoral e que realizou campanha.

O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à sua campanha eleitoral: abrir comitê, fazer carreata, visitações, santinhos, utilizar (e pagar) o horário eleitoral para sua propaganda no rádio e na televisão, etc. Porém, fique claro: tudo “por sua conta e risco, (…) ficando a validade de seus votos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior”, conforme já advertia a Instrução Nº 73 do TSE.

Com relação às candidaturas majoritárias (Governo, Vices, Senador e Suplentes), o posicionamento da Corte é firme na aplicação do § 3º do artigo 175 do Código Eleitoral, conforme o acórdão 3.100/MA: “candidato inelegível ou não registrado nas eleições (…) majoritárias: nulidade dos votos recebidos”. Em caso de eleição proporcional, o aproveitamento ou não dos votos tem solução distinta. O § 4º do antes mencionado dispositivo excepciona ao admitir como válidos os votos sufragados à candidatura que teve negado seu registro em decisão definitiva proferida após o pleito. Com isso, os votos são aproveitados e incorporados à legenda. Nos demais casos, os votos são considerados nulos, na forma do § 3º, segundo o TSE (acórdão Nº 3.112/RS, relator o Min. Luiz Carlos Madeira, DJ 16.05.2003).

Concorrer sem registro é, muitas vezes, situação causada pela letargia do TSE e, por isto mesmo, um risco potencial assumido por candidatos e partidos. Afinal, a normatização não determina à Justiça Eleitoral advertir os eleitores de que os candidatos concorreram “sub judice”. Mas fique claro: mesmo sem registro, o candidato nesta situação estará na urna eletrônica. No entanto, a sua votação será validada e computada para si, para a sua legenda e na formação de bancada somente se obtiver o registro, ainda que após a diplomação dos demais eleitos.

Ou seja: sem registro, sem votação.

Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor do livro “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Às segundas, escreve no Blog do Mílton Jung.

Ficha limpa em 2010

 

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

Em resposta a uma Consulta formulada por um Congressista, na sessão do dia 17 de junho, os Ministros que formam o Tribunal Superior Eleitoral decidiram que as regras da vulgarmente denominada Lei da Ficha Limpa deverão ser aplicadas nas Eleições 2010, inclusive para os casos de condenação anteriores à vigência da lei. Ou seja: o que consta da lei se aplica aos casos concretos que surgirem no âmbito da Justiça Eleitoral.

A LC 135/10, que pelo visto será conhecida e referida pela maioria como Lei da Ficha Limpa, estabelece, em síntese, que candidatos que tiverem condenação (criminal, eleitoral ou cível) por órgão colegiado, ainda que caibam recursos, ficarão impedidos de obter o registro de candidatura, pois serão considerados inelegíveis. Ou seja: ainda que a decisão seja de primeira instância, se esta for colegiada, a mesma determinará que o condenado possa continuar votando mas não ser candidato.

Nesta decisão, a tese de interpretação vencedora foi a do relator, Ministro Arnaldo Versiani, o qual manifestou o entendimento de que não se trata de retroatividade e sim de aplicação da lei, exatamente nos termos do que fora debatido e aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República.

O argumento se sustenta, eis que a lei nova, tanto quanto a anterior, não é de natureza penal. Portanto, ainda que contendo disposições e punições bastante severas, pode regulamentar situações pretéritas. Além disso, “vida pregressa”, no sistema jurídico brasileiro, é uma situação dúplice, que abrange antecedentes sociais e penais, sendo, por isso mesmo, de consideração necessária a presunção de não-culpabilidade (ou de inocência, como referem alguns) prevista na Constituição Federal.

Quanto mais não fosse, na própria exposição dos motivos da edição da Lei Complementar nº 64, de 1990, agora alterada e endurecida, consta que “o objetivo primacial da presente propositura é estabelecer limites éticos de elegibilidade, especialmente no que diz respeito ao exercício do poder; à influência do comando sobre comandados; ao poder de império dos controladores do dinheiro público; ao uso dos meios de comunicação de massa; e aos efeitos espúrios do poder econômico por parte dos que postulam funções eletivas e o exercício da administração pública”.

A posição do TSE foi firmada por maioria de votos, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Marcelo Ribeiro. O Ministro Marco Aurélio, que recentemente completou 20 anos de magistratura no STF, votou invocando o respeitável entendimento de que uma lei que altera o processo eleitoral não pode ser aplicada exatamente à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência, conforme determina o artigo 16 da Constituição Federal (entretanto, a jurisprudência consolidada no STF está em sentido oposto a este). O Ministro afirmou também que uma lei nova, em regra, não pode reger situações anteriores.

Portanto, em vista de que a decisão do TSE pode ter contrariado o texto da lei examinada, eis que uma emenda do Senador Francisco Dornelles (RJ) consagrou a expressão “os que forem condenados”, a matéria pode ser remetida ao Supremo Tribunal Federal. Caso não seja, os Governadores de Estado cassados entre 2008 e 2009 não poderão concorrer a nada em 2010, mesmo que a muito condenados e afastados de seus cargos. Contudo, em situação ainda mais dramática ficam os Vices, que são condenados, salvo se não incorreram em infração eleitoral, apenas porque integram a chapa majoritária.

Em resumo: o tema é juridicamente relevante e complexo, podendo refletir em mandatos obtidos na eleição de outubro próximo, para qualquer cargo em disputa.

Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor do livro “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Às segundas, escreve no Blog do Mílton Jung.

Empresas, doações de campanha e ações judiciais

 

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, por maioria de votos, decidiu que o Ministério Público Eleitoral (MPE) tem, no máximo, até 180 dias de prazo após a diplomação do candidato (eleito ou suplente) para ajuizar representação nas hipóteses de doações de campanha acima dos limites legais estabelecidos. Esta definição ocorreu na conclusão de um julgamento onde o MPE acusa sólida empresa de cimentos de haver desrespeitado o limite alegando que a mesma, na eleição de 2006, teria ultrapassado o teto de 2% do faturamento bruto do ano anterior.

Para infrações desta natureza, cujas acusações se multiplicaram às centenas na Justiça Eleitoral a contar do ano passado, a lei eleitoral prevê multas severas, que oscilam de cinco a dez vezes a quantia doada em excesso, além da proibir a mesma de participar de licitações e celebrar contratos com o Poder Público por cinco anos. Isto, dimensionado num contexto empresarial, pode significar o fechamento de uma empresa, tanto pela multa (dependendo do valor doado) quanto pela proibição de contratar com órgãos públicos. Contudo, neste caso julgado pelo TSE, o Ministério Público ingressou em juízo somente em maio de 2009, portanto dois anos e meio após a diplomação dos candidatos eleitos e que haviam sido financeiramente beneficiados. Aqui, não se pune o candidato, somente o doador.

Nesta polêmica decisão, que servirá de parâmetro para a Justiça Eleitoral no pleito de 2010, a Corte se dividiu em três correntes de interpretação da lei eleitoral. A primeira adotava o prazo de 15 dias a partir da diplomação para a possibilidade de questionamento do excesso na doação. A segunda, sustentada pelo ex-Presidente da Corte, Ayres Britto, reforçada pela adesão do ministro Arnaldo Versiani, relator da Resoluções do pleito deste ano, entendia que o MPE teria até o fim do mandato do candidato beneficiado com a doação para contestá-la. Por fim, o entendimento que prevaleceu e que serve de alerta para candidatos, partidos e coordenadores de campanha, foi liderado pelo ministro Marcelo Ribeiro, o qual sustentou a possibilidade da ação pelo prazo de 180 dias após a diplomação. Este é exatamente o período que corresponde à obrigatoriedade da guarda dos documentos das contas eleitorais pelos partidos e seus candidatos.

Portanto, Prestação de Contas aprovada pelo Tribunal Regional Eleitoral não significa, necessariamente, a inexistência de doação irregular ou a impossibilidade de ações judiciais contra doadores e candidatos na medida que aqueles não prestam contas, ao passo que estes apenas emitem recibos. “Essa não observância em si não acarretará sanção ao candidato ou ao partido, mas sim ao doador, sem que essa irregularidade possa macular essa prestação de contas”, destacou o Ministro Versiani.

Segundo entendimentos dos tribunais eleitorais, sociedade que não é concessionária ou permissionária de serviço público mas que participe do capital de sociedade legalmente constituída e que seja concessionária ou permissionária de serviço público, não está proibida de doar a partidos e candidatos. Também podem doar a empresa licenciada para explorar serviço público que não é concessionária, assim como empresas em regime jurídico do tipo controladora-controlada, eis que estas são dotadas de “personalidade e patrimônio distintos”.

Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor do livro “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Às segundas, escreve no Blog do Mílton Jung.

“Campanha está nas ruas”, diz ministro do TSE

 

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

O relator das resoluções do Tribunal Superior Eleitoral para o pleito deste ano, Ministro Arnaldo Versiani, afirmou na sexta-feira anterior (07.05.2010), considerar normal que a campanha eleitoral “já esteja nas ruas”, ainda que somente em julho esta ocorra “na forma da lei”. Segundo o magistrado, “A verdade é que a campanha já está nas ruas, até com a aparição de pré-candidatos. Eu, sinceramente, sou do ponto de vista de que a propaganda deveria ser permitida, e até ser estendida. O período eleitoral propriamente dito, após 5 de julho, talvez seja muito curto”, afirmou. Versiani também manifestou que “Quanto mais propaganda, quanto mais a gente pudesse conhecer os candidatos, melhor seria”.

O dedicado Ministro do TSE está absolutamente correto. A legislação pune com multa quem viola a lei, antes a partir de R$ 20.000,00, de outubro de 2009 para cá, a contar de R$ 5.000,00, podendo chegar a mais que isto. Todavia, diante de outras questões de maior relevância, isto se revela um absurdo, uma verdadeira anacronia. Uma maneira objetiva e racional para evitar deboches, inclusive por autoridades da República, seria antecipar a propaganda a partir da desincompatibilização de abril. Afinal, quem se desincompatibiliza (dos cargos), quer concorrer na eleição.

O mais contemporâneo, o mais sensato, o mais lógico, seria estabelecer ainda mais liberdade com relação ao tempo, pois os eleitores manifestam suas convicções colocando adesivos em seus carros, cedendo muros, fazendo eventos particulares, etc. Logo, estas punições que ocupam a maior parte do tempo dos Tribunais Eleitorais, inclusive do TSE, são líricas e descompassadas, não traduzindo a realidade democrática do país. Propagandas pessoais ou de mandatos não significam, necessariamente, propaganda eleitoral. A legislação eleitoral necessita ser atualizada e aperfeiçoada, arejada seria melhor. A legislação vigente é míope e hipócrita na medida em que estabelece um imenso rol de punições para propagandas tidas como extemporâneas (antes do prazo) mas não traz conceitos essenciais tais como de caixa 2 ou abuso de poder econômico.

Se a lei eleitoral, assim como as demais que vigoram no país, tem como finalidade “harmonizar relações sociais”, que esta que vigora atualmente sofra uma atualização para punir quem se elege comprando voto com distribuição de tijolos, camisinhas de vênus, de consultas médicas, fretes, promessas de empregos públicos para famílias inteiras, etc, ao invés de punir o Vereador que manda confeccionar tabelas de Copa do Mundo ou adesivos com o seu nome. Se a campanha (ou pré-campanha) está nas ruas em pleno mês de maio, se as pessoas comentam o que lêem sobre os pretendes dos cargos eletivos nos sites e jornais, isto é bom, salvo para aqueles “líderes políticos” (muitos com mandatos eletivos) que apreciam (alguns inclusive usando camisetas, bandeiras e sites) “modelos” de liberdade de expressão e comunicação como da Venezuela, Cuba, China e outros cafundós dominados por “libertários democratas”.

Eleição é hábito de povo livre e leis devem reproduzir esta situação.

Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor do livro “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Às segundas, escreve no Blog do Mílton Jung.

O discurso do TSE e a eleição com Ficha Limpa

 

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

O discurso de posse do Ministro Ricardo Lewandowski na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, nesta semana que passou, exprime diversos movimentos daquela Corte. Foi uma manifestação erudita e direta que uma vez decodificada, permitirá ao (e)leitor verificar algumas filigranas e o próprio tom do processo eleitoral deste ano.

Neste contexto, é importante lembrar que embora estejamos em abril e a eleição ocorrerá somente em outubro, os pré-candidatos, todos eles, para qualquer cargo em disputa, já estão submetidos à legislação eleitoral, seus limites e penalidades. Pesquisa eleitoral, por exemplo, só pode ser divulgada e referida, em qualquer veículo de comunicação, se estiver registrada com 5 dias de antecedência na Justiça Eleitoral. Caso contrário, pode ocorrer infração, crime, multa e proibição. No horário da propaganda partidária, aquele onde não se pede voto mas onde são apresentadas as lideranças e prováveis candidatos, dependendo da infração, há multa e os programas são retirados do ar. Muitos pré-candidatos – a maioria – já se desincompatibilizou. Traduzindo: deixou o exercício dos cargos públicos. Vale dizer: deixou o poder.

Retornando ao discurso de posse do Presidente do TSE, na passagem onde refere que “A legitimidade dos representantes do povo radica em eleições, cuja base é o sufrágio geral, igual, direto e secreto, que não pode sofrer qualquer restrição em termos de sexo, raça, rendimento, instrução ou ideologia”, o Ministro ressalta duas questões. A primeira, que votar é a maneira pela qual o cidadão pode, de alguma forma, alterar a situação vigente. A outra está na priorização, pela Justiça Eleitoral, do direito de voto pelos presos provisórios. O tema é delicado porque os locais de votação – presídios – são obviamente inseguros. Além disso, não se vislumbra praticidade na medida que, embora discutível, é de índole constitucional (direito de voto por aquele que não tem uma decisão condenatória definitiva pelo Judiciário).

Já a referência de que “O voto há ter também imediatidade, isto é, deve defluir diretamente da vontade do eleitor, sem intermediação de quem quer que seja, e mostrar-se livre de pressões de qualquer espécie”, reforça a tendência de que os processos movidos por compra de voto podem resultar na cassação do acusado quando ficar provado que o mesmo, embora não tenha agido pessoalmente (o que, convenhamos, seria difícil de ocorrer e muito mais de provar), concordou que alguém – assessor, colaborador, militante – comprasse votos em seu benefício eleitoral. Caso recente do TSE cassou um deputado que comprava voto mediante a troca de frete de mudanças mas em juízo alegou desconhecer que da frente do seu comitê partia um caminhão. O relator foi … o Ministro Lewandowski.

Adiante, quando manifesta, quanto ao voto, a “pessoalidade de seu exercício, como também a ausência de qualquer possibilidade de identificação do eleitor” e também que se faz necessária “assegurar a alternância dos representantes no poder”, o novo Presidente do TSE dá coro a duas realidades: a implementação definitiva do sistema biométrico de inscrição eleitoral e às diversas e freqüentes manifestações do Tribunal posicionando-se contrário à reeleição para cargos do Poder Executivo. O TSE sempre, desde o início, expressou contrariedade à reeleição, sendo que diversos foram os seus Ministros que a criticaram e mesmo repudiaram.

Ou seja: os candidatos que partem para a reeleição (especialmente governadores e vices) devem ter cuidados dobrados em suas condutas simultâneas enquanto pretendes a um novo mandato e gestores públicos. Esta tarefa é difícil e vigiada pelo preconceito.

Quando enfatiza que “A missão fundamental que a nossa Constituição comete à Justiça Eleitoral é a de garantir que a vontade popular possa expressar-se da forma mais livre possível. Para isso ela conta com sofisticados mecanismos de coleta e apuração dos votos, a exemplo da urna eletrônica e da identificação biométrica dos eleitores, que dentro em breve será estendida a todos os votantes”, sua Excelência manifesta a autoridade da Justiça Eleitoral nos processos e eventuais cassações bem como a de expectativa de banimento das práticas de eleitores votarem uns pelos outros, sobretudo naqueles colégios eleitorais mais afastados dos centros urbanos, onde predomina o analfabetismo e a troca de favores pelos votos.

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Direitos dos pré-candidatos

 

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

Inicialmente disseminada entre partidos políticos e meios de comunicação, a referência às “pré-candidaturas” como forma de identificar aqueles nomes que provavelmente disputarão os cargos da eleição se estendeu à legislação. A Lei Federal nº 12.034 define que a participação de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates de rádio, televisão e internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, sem pedido de votos, não caracteriza propaganda antecipada.

Em função das informações e do interesse público que refletem nos veículos de comunicação, o Tribunal Superior Eleitoral, através do seu poder normativo de disciplinar questões que julga convenientes, já havia reconhecido tal figura. Sem dúvida, esta liberdade de espaços públicos reforça a transparência e realidade que deve predominar num processo eleitoral com a envergadura deste de 2010. A possibilidade da realização de programas de debates ou entrevistas entre pré-candidatos pelas empresas de rádio e televisão dá um caráter realista à discussão política. Afinal, desenvolver comentários ou críticas sobre a administração pública sem pedir votos ou declinar virtudes aptas a influenciar o eleitorado não caracteriza propaganda eleitoral antecipada. Aliás, repressões judiciais neste setor evidenciam o aspecto irrealista da norma eleitoral vigente, a ponto da mesma conter determinações que agridem a própria natureza dinâmica da vida política.

De outra parte, este mesmo TSE, que em 2006 condenou um eleitor paulista pela criação de uma página de apoio a Geraldo Alckmin, ao que tudo indica, tolerará a profusão de sites e blogs relacionados aos pré-candidatos. Uma brevíssima navegada e o eleitor encontrará endereços de José Serra (Eu quero Serra; José Serra Presidente 45), Dilma Roussef (Dilma13, Dilma Presidente) e Marina Silva (Movimento Marina Silva) sendo diariamente atualizados e aperfeiçoados com diversos links estimulando a participação do internauta em pesquisas, opiniões, criação de redes, comentários, opiniões, etc.

Não há menor dúvida de que estes endereços eletrônicos fazem indisfarçada apologia e propaganda pessoal dos nomes cogitados para disputar a eleição. Por outro, não há como inibir a ação de simpatizantes ou apoiadores, até porque, em decisão recentíssima (17.03.2010), o mesmo TSE disse que isto é algo que “decorre de terceiros” e não diretamente do interessado.

Para este longo período intermediário compreendido entre as desincompatibilizações (abril) e convenções partidárias (junho), a lei ainda permite a realização de encontros e similares em ambientes fechados, às expensas dos partidos, para tratar da organização dos processos eleitorais, planos de governos ou alianças partidárias visando às eleições, bem como a realização das prévias partidárias.

Estas permissões se estendem aos parlamentares candidatos à reeleição que permanecem no exercício de suas prerrogativas, que podem manter blogs, sites pessoais e seus perfis nos portais legislativos, bem como enviar seus boletins e participar de programas de rádio e televisão acerca de suas atividades. É um plus legalmente previsto. Afinal, não se pode punir os parlamentares dedicados e coerentes em função daqueles inúteis e parasitas.

Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral e autor do livro “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Às segundas, escreve no Blog do Mílton Jung.