
A linguagem é a morada do ser”, escreveu o filósofo Martin Heidegger, e poucos conceitos me parecem tão essenciais quanto este. Nossa relação com as palavras define o mundo que habitamos. Elas moldam nosso pensamento, aproximam ou afastam, constroem e destroem. São, ao mesmo tempo, ferramenta e espelho de quem somos. Talvez por isso eu tenha ficado tão surpreso ao ler uma reportagem do jornal La Nación, publicada em janeiro, sobre uma análise de inteligência artificial que classificou ‘basicamente’, ‘óbvio’ e ‘simplesmente’ como três das seis palavras usadas por pessoas com menor capacidade intelectual.
Basicamente, fiquei perplexo.
Óbvio que fui conferir se havia algum fundamento na pesquisa.
Simplesmente, não encontrei.
A reportagem afirma que essas palavras são usadas por pessoas ‘menos inteligentes’ ou que tendem a fazer generalizações constantes sobre tópicos que não conhecem.
Fiquei imaginando um escritor, um professor ou até um grande cientista sendo julgado por um algoritmo por ousar resumir uma ideia com um ‘basicamente’. Será que Stephen Hawking jamais teria usado um ‘simplesmente’ para tornar uma explicação mais acessível? Ou será que Einstein, entre suas reflexões sobre espaço e tempo, nunca disse que algo era ‘óbvio’?
Intrigado, e nada convencido, busquei nos textos de meu poeta preferido argumentos para derrubar essa “tese artificial”. Abri o arquivo com as poesias completas de Mário Quintana, um mestre das palavras simples e profundas. Passei os olhos pelas páginas (de verdade, usei o recurso de busca de meu computador) e lá estava ela: ‘simplesmente’. Não uma, nem duas, mas 59 vezes. E em um de seus versos, a palavra surge duas vezes, com uma força que só a poesia é capaz de dar:
A arte de viver
É simplesmente a arte de conviver…
Simplesmente, disse eu?
Mas como é difícil! …
Se ‘simplesmente’ fosse um indicador de menor capacidade cognitiva, teríamos que reavaliar a genialidade de Quintana. Mas a verdade é que vivemos uma época em que dados são tratados como verdades absolutas e, pior, quando esses dados vêm de uma inteligência artificial, a tendência é aceitar sem questionar. Se a IA afirma, deve ser real. Se uma análise estatística sugere um padrão, deve haver um significado profundo. Mas, na pressa de transformar palavras em evidências de QI, esquecemos que a linguagem não é uma equação. Ela é viva, mutável, cheia de nuances que nenhum algoritmo consegue capturar por completo.
E, por favor, não me entendam mal. O avanço da inteligência artificial é fascinante. Mas precisamos lembrar que, no fim das contas, a máquina só reflete aquilo que ensinamos a ela. Se dermos a ela um dicionário reduzido, ela nos devolverá uma visão limitada. Se programarmos para que encontre padrões onde eles não existem, ela os criará.
As palavras, todas elas, são bem-vindas. Desde que usadas apropriadamente, não há expressão inútil, insignificante ou indigna. O segredo não está em proibi-las, mas em saber quando e como utilizá-las. Porque o que define nossa inteligência não é a palavra que escolhemos, mas o pensamento que conseguimos expressar com ela.
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