
“Se tudo der certo, você vai envelhecer. Então, cuide bem dos idosos próximos a você.”
Francisco Carlos Gomes
A população brasileira com mais de 60 anos cresce em ritmo acelerado e, a partir de 2030, será numericamente maior que a de jovens. Com isso, aumenta também a urgência de refletir sobre o envelhecimento como parte da existência — e não como sinônimo de fim. O que ainda faz brilhar os olhos depois dos 60? Onde encontrar sentido quando os vínculos sociais enfraquecem e a finitude se torna mais presente? Esse foi um dos temas da entrevista com o psicólogo clínico e logoterapeuta Francisco Carlos Gomes ao programa Dez Por Cento Mais, apresentado por Abigail Costa.
Francisco é especialista na abordagem desenvolvida por Viktor Frankl, psiquiatra austríaco sobrevivente de campos de concentração nazistas, e explica que a logoterapia se volta à pergunta: qual o sentido da minha existência? “O nosso objetivo é sempre ajudar as pessoas no processo de entender que há sentido, que talvez naquele momento esteja obscuro, que a pessoa ainda não está enxergando.” Ele detalha os três caminhos propostos por Frankl para essa busca: os valores criativos — aquilo que nós doamos ao mundo; os valores vivenciais — os relacionamentos, a conexão com o belo, com a vida; e os valores atitudinais — as nossas atitudes diante das questões que não conseguimos mudar.
O que a vida quer de mim?
Quando a dor se impõe — seja por perdas, doenças, envelhecimento ou frustrações — o sofrimento existencial aparece. “A sensação de falta de sentido pode nos trazer sofrimento”, afirma Francisco. “Mas o vazio existencial não é uma doença. Ele é um espaço em que nos desconectamos desse compromisso de viver com dignidade.”
Encontrar sentido, diz o psicólogo, exige envolvimento ativo: “Depois que eu descubro, eu preciso fazer algo significativo.” E esse processo é profundamente individual. “Nós, psicólogos, psiquiatras, não podemos dar sentido para a vida de ninguém. Podemos ajudar as pessoas a encontrar um sentido para a existência dela.”
A busca por esse sentido, ele reforça, muda ao longo da vida: “O sentido não é fixo. Ele vai mudando de acordo com as fases de desenvolvimento que nós estamos passando.” Na velhice, essa pergunta pode estar ligada ao legado: “É aquilo que você também está deixando para a sociedade, através da construção da sua obra — que seja a família, que sejam filhos, que sejam livros, que sejam ações colocadas no mundo.”
A liberdade interior diante das opressões
Francisco destaca que, mesmo em contextos extremos de violência e opressão, como os vividos por Viktor Frankl ou por Nelson Mandela, é possível manter uma liberdade essencial. “A liberdade do pensamento, a liberdade interior, é um caminho de fortalecimento.” Mas ele alerta: “A maioria das pessoas não sabe que tem essa liberdade interior, porque muitas vezes foram dominadas por outra pessoa.”
A liberdade, segundo ele, deve andar com responsabilidade. “Existe um binômio que eu trabalho muito: liberdade com responsabilidade. Não somos livres para tudo, mas somos livres para atuar na nossa vida, na nossa existência.”
Esse compromisso com a própria existência inclui, para ele, reconhecer o peso do racismo estrutural na construção de sentido entre a população negra. Francisco compartilha sua experiência pessoal ao visitar o porto de onde partiram os primeiros navios negreiros para o Brasil e ressalta: “Houve quase 400 anos de escravidão no Brasil. Não é pouca coisa.” E ainda hoje, diz ele, os efeitos estão presentes: “De gerente para cima, para diretores, você não encontra [pessoas negras], ou encontra muito pouco.”
Uma vida que ainda vale a pena
Criador do canal Longidade, Francisco participa de iniciativas voltadas ao envelhecimento com propósito. Ele lembra que a solidão, o isolamento e o sentimento de inutilidade são experiências comuns após a aposentadoria. “Nós vivemos várias etapas. Se nós não fizermos algo significativo nessa etapa, temos uma tendência a deprimir.” Ele defende que a velhice não seja reduzida a uma caricatura: “Infantilizam o idoso, usando palavras no diminutivo, ‘velhinho’, ‘fofinho’. Vai se descaracterizando.”
Na sociedade do espetáculo, envelhecer é visto como fracasso, mas Francisco propõe uma inversão: “Envelhecer é uma coisa maravilhosa nesse sentido — eu consegui chegar nesse lugar.” O sentido da vida, reforça, está também em poder olhar para trás e dizer: “A minha vida valeu a pena de ser vivida.”
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