Zoologicamente falando

 

 

Quando um garoto de 12 anos pensa o que pensa — e você lê a seguir o que ele está pensando — é sinal que temos esperança na mudança. Valeu por compartilhar com a gente!

 

 

Por Matheus Nucci Mascarenhas
Colégio Notre Dame de Campinas, 7º ano

 

 

goats-3414378_960_720

 

 

Era o último dia de aula, uma sexta-feira enobrecedora, ensolarada e quente. Todos afobados, cansados e atordoados pelas longos conteúdos do ano, o costume do fim das aulas. Nesse dia, particularmente especial a mim, houve uma tarefa, criada pelos professores, com intuito de desviar seus alunos do prosaico: um debate. O incrível e controverso debate. O tema escolhido pelo docente foi este: “É correto existir zoológicos, ou não?”. Assim nós pudemos escolher o lado que achávamos correto. De repente, uma classe unida por fortes laços de amizade e interesses, dividiu-se em duas partes: os contrários e os favoráveis. Na realidade não eram somente os contrários e os a favores, mas sim extremamente opositores, ou extremamente defensores do tema.

 

 

Naquele momento, refleti um pouco sobre isso, mas agora, desenvolvo melhor meu raciocínio e vos digo, por quê? Por quê, sempre que um assunto envolve alguma decisão ou opinião, a divisão é feita através de pólos? Isso me incomoda. Por que sempre há de ter uma tão grande divisão? E vejo que isso não acontece somente na escola. Porque as opiniões políticas também são sempre assim. É um absurdo a maneira como é comum que qualquer um, que ouve um comentário de outro, rotule essa pessoa em algum dos pólos opinativos, somente por ouvir um comentário fraco, cujo autor nem havia ainda adicionado sua correta nem completa opinião. Ou seja: é uma conclusão precipitada e injusta sobre o discurso feito pelo locutor

 

 

Parece que sempre há a vontade insaciável do ser humano de enquadrar alguém em algum posicionamento, mesmo sem haver indícios de polarização, tanto na fala, quanto no comportamento da pessoa, que acaba sendo vítima de um processo invisível de aprisionamento a algum polo opinativo — mesmo que quem tenha projetado tal preconceito não tivesse essa intenção.

 

 

Ou você é de esquerda, ou, de direita! Ou você é “petralha”, ou é “coxinha”! Ou é fanático, ou é ateu! Ou é um carnívoro sem redenção, ou é um vegano que protege até os insetos peçonhentos. Parem com isso, não há a mínima necessidade de exercer esse antagonismo.

 

 

Fracamente, as ideias extremistas defendidas por pessoas que se dizem pertencentes aos pólos opinativos são igualmente incoerentes, e pressupõem a imediata suposição de que aquele que pensa diferente está errado. Além de não terem bases sólidas de argumentação, esses radicais em geral não têm a capacidade reflexiva necessária para construir fundamentos pertinentes que confirmem suas ideologias.

 

 

Tomemos como exemplo os atuais gurus políticos dos extremos. Ambos os líderes têm seus graves problemas, mas ambos são considerados “santos” por seus seguidores mais fiéis, que se deixam levar pela ingenuidade, formando uma imagem deturpada do ex-presidente Lula, ou do senador Bolsonaro. Os próceres dos extremos. Do outro lado, muitos os veem como demônios, como ameaças terríveis, consideram-os endiabrados. Mas algo não está certo. Por que os classificamos como santos ou demônios?

 

 

O fato é que esses personagens brasileiros não são nem capetas, nem anjos, são apenas pessoas, políticos que, apesar de divergentes, carregam consigo simbologias e anseios das pessoas comuns. O que os conecta é que representam o radicalismo, são extremos.

 

 

Já dizia Gregório Duvivier, escritor e humorista, em suas crônicas do Estadão, o mundo da razão não é preto nem branco, mas sim cinza, pois cinza é o meio termo e o meio termo é a razão. Um exemplo prático é que no cérebro humano, a razão cerebral se concentra em um local chamado de massa cinzenta, que é da cor cinza, mostrando que até o local onde fica o bom senso no nosso cérebro detém a cor cinza.

 

 

Não é preto nem branco, a razão das pessoas não é preta e branca, retomando, mas sim cinza, com tons diferentes de cinza, quanto maior a mudança da coloração cinza original, mais desvirtuada e próxima a leviandade essa pessoa estará. Lula e Bolsonaro estão presentes na escala de cinza mas não no cinza original, estando classificados em escalas mais claras ou escuras de cinza (à modê de cada um).

 

 

Na realidade, não existem extremos pólos opinativos políticos, dados por um representante, mas dados pelos seguidores dos representantes, que, geralmente, transformam esse dogmas em supostos pensamentos, esquerdistas ou direitistas. Seus líderes somente, em sua maioria, denominam-se nesses polos políticos para criar uma marca, legado e característica para ser seguida, se não seu propósito político não é frisado e comentado pelo povo.

 

 

Percebemos que nenhum polo fabulados pelos seguidores é corretos. Pense, onde é melhor viver? No polo Sul, ou, polo Norte? Ainda por cima no pólo Sul e Norte idealizados pelos pelos seguidores dos próceres. Definitivamente em nenhum desses lugares! Onde devemos viver mesmo é na linha do Equador, na “cinzenta” linha do equador, onde as ideias boas e coerentes que estavam presentes em cada polo fabulado, são trazidas a vigor.

 

 

Leitor não sei se você percebeu, mas, as ideias favoráveis dos polos em conjunto podem ser a chave para salvar nosso querido país. A união faz a força, a extrema divisão faz a inanição brasileira.

 

 

Termino o texto relembrando a fatídica cena de gritos desesperados, desesperados por atenção e querendo, exaltados, mostrar o sentido e afirmar a veracidade de sua opinião. Enfim uma sala de aula antes unida, acaba ardendo no calor da briga por uma simples opinião zoologicamente certa ou errada, dependendo de seus insensatos pontos de vista extremistas. Até mesmo zoológicos podem causar polarização, acredite.

 

 

“Num mundo quase sempre governado pela corrupção e arrogância pode ser difícil se manter firme nos princípios literários e filosóficos.” Olivia Caliban

Conte Sua História de São Paulo: o gorila que gostava de gravata

 

Por José Carneiro de laia

 

 

Chegando a São Paulo, em dezembro de 1969, vindo de Belo Horizonte, não via a hora de chegar junho de 1970, quando completaria 18 anos e poderia conseguir o meu primeiro emprego formal, nesta que para nós era a terra das oportunidades. Só com o ginasial completo, precisando trabalhar para ajudar meus pais, e continuar estudando à noite para concluir na época o chamado colegial – claro que teria que ser à noite.

 

Sem muita exigência ou seleção, consegui o meu primeiro emprego com registro em carteira profissional: cobrador de ônibus na Empresa de Auto Ônibus Alto do Pari. Mas um senhor cobrador, que na época tinha uma indumentária toda especial e característica; um boné, gravata, camisa e calça, na cor cinza claro, com sapatos pretos, impecáveis e bem engraxados, nada de tênis.

 

Diferentes de nós eram os cobradores da extinta CMTC, que também usavam os uniformes, mas na cor azul claro. Os motoristas também acompanhavam o mesmo uso, e para todos nós, cobradores e motoristas, era motivo de orgulho e responsabilidade trabalhar no transporte público de uma já grande cidade, embora não chegasse ainda a 5 milhões de pessoas.

 

Por três meses, trabalhei na linha Nº 81, que circulava entre o Correio central e Vila Maria Baixa, fazendo o seu ponto final ao lado de um pequenino zoológico que existia por ali. Nas paradas de alguns minutos para irmos ao sanitário ou tomar um cafezinho, um dos cobradores, como muitos outros faziam, entrou rapidamente no minizoológico, e parou em frente a jaula de um pequeno gorila, que era a atração principal. Mas por uma aproximação e distração, não recomendadaS, o animal lançou os seus longos braços e agarrou a gravata do cobrador. Passou a puxar fortemente, quase enforcando o colega que só foi salvo por outras pessoas que o puxaram de volta para trás. Foi um enorme susto para ele e uma boa advertência para mim.

 

Visitar um zoológico, por menor que seja, de gravata, seja social, ou de trabalho, é bom não se aproximar de nenhum animal, principalmente quando eles são quase do nosso tamanho.

 

Felizmente, fiquei por poucos meses neste meu primeiro emprego em São Paulo, mas a lembrança do gorila que não gostava de gravata, sempre ficou gravada em minha mente, ao longo desses 64 anos, 48 deles, morando nesta capital…

 

José Carneiro de Laia é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Claudio Antonio. Conte você outros capítulos da nossa cidade: escreva para milton@cbn.com.br