Desafios fizeram de Aniceser um líder nas garagens

Por Adamo Bazani

O transporte de passageiro é um dos setores mais dinâmicos. Em algumas ocasiões, nada do que se planeja – horário, escala, itinerário – dá certo, pois os imprevistos são constantes. Sem contar a rapidez nas decisões e a necessidade de  lidar com pessoas das mais diferentes, num só dia.

Foi essa rotina que, inicialmente, assustou o encarregado de tráfego da Viação Barão de Mauá, Aniceser Antônio Santana, de 37 anos, há 20 no setor. Foi também essa correria e agitação que despertou no mineiro, que veio para São Paulo ainda novo, o espírito de liderança. Hoje, ele comanda as operações de um conglomerado de três empresas: Barão de Mauá, Januária e E A O S A (empresa Auto Ônibus Santo André), um contingente de mais de 700 profissionais e uma frota que beira 400 ônibus.

Até chegar a este posto, Aniceser teve de suar muito a camisa e enfrentar momentos tão difíceis que pensou em desistir. Acostumado com uma rotina simples e pacata na cidade de Lagoa Formosa, interior de Minas, ele veio trabalhar na Grande São Paulo, no fim dos anos 80. E iniciou carreira na  Viação Barão de Mauá,  que ainda não fazia parte de um conglomerado. Era fiscal de plataforma, responsável por gerenciar as partidas e chegadas de ônibus de várias linhas dentro de um terminal.

O choque entre a rotina na cidade natal e o cotidiano em Mauá foi enorme. “Nunca imaginava tanta correria, tanta responsabilidade e necessidade de se tomar decisões rapidamente. No meu primeiro dia me senti num barco sem vela, sem rumo, sem horizonte. Não conhecia ninguém na empresa e era difícil atender todas necessidades que a função exigia”.

No início dos anos 90, em Mauá, os motoristas e cobradores não usavam uniformes. Aniceser se lembra que viu um homem parado perto de um ônibus e disse pra ele: “Bom, já ta na hora, pega o carro e vai fazer tal linha”. O homem não era motorista. Era um passageiro a espera do ônibus que, até aquele momento, estava sem condutor. “Depois de perguntar prá meio mundo, descobri quem era o motorista. É assim que a gente começava. Não tinha tempo de ficar conhecendo todo mundo na garagem”. Vários erros aconteceram no primeiro dia de trabalho de Aniceser que se encerrou com ele trancado em uma cabine de fiscal e chorando.

No dia seguinte,  forças renovadas e a determinação de prosseguir no ramo “Sempre gostei de encarar desafios, então fui à luta. Meu sonho era liderar pessoas, e no ramo de transportes  as oportunidades para isso, se bem aproveitadas, são muitas e bem recompensadoras”.

Sensibilidade afasta colega da bebida

Depois de seis anos entre fiscalização de terminal e pontos finais, o mineiro conhecia Mauá como a palma da mão. Aniceser conseguiu o cargo de inspetor de tráfego. Aí, ele se tornou responsável não só pelas linhas de terminais ou determinadas linhas de pontos em bairros mas de todos os itinerários da empresa

Mauá se desenvolveu tardiamente. Nos anos 90, existiam ruas de terra em bairros próximos do centro. E esse era outro desafio. As viagens nem sempre eram tão longas, mas demoradas por causa das vias em más condições. “Meu sonho de trabalhar com pessoas e liderar estava se realizando. Trabalhar com o ser humano é ótimo”.

“Nesse serviço pude percorrer os mais diversos bairros de Mauá, desde o Centro e bairros mais prósperos até favelas e becos perigosos. Conheci gente de todo o tipo. E fui percebendo que lidar com o ser humano é prazeroso mas ao mesmo tempo muito complicado”.
De orientador das linhas e horários, Aniceser começou a ser, indiretamente, conselheiro pessoal de muitos funcionários. “É difícil, mas gratificante, você ver uma pessoa indo em direção errada na vida  e, com muita paciência e diálogo, você mostrar a ela um rumo mais digno. Meu trabalho no tráfego possibilitou isso”.

Até hoje ele se lembra de um cobrador que sofria com o alcoolismo. Ninguém mais dava nada por ele. Além de conversas, orientações, Aniceser viu que a mudança de horário daria menos tempo livre dele ir a bares ou botequins de esquina. Dito e feito. O cobrador parou de beber e se tornou um dos melhores motoristas da empresa.

Aniceser passou, em meados dos anos 2.000, para encarregado de tráfego. Muito mais responsabilidade. Além de ter de lidar com os funcionários, o cargo é uma ponte entre os proprietários e diretores das empresas e órgãos gestores, como secretarias municipais de transportes e a estadual EMTU – Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos. “E entrei numa época ruim, a da concorrência predatória com os perueiros” – lembra Anicesar.

Violência urbana e guerra com perueiros

Muitos bairros de Mauá ainda não contavam com ônibus, por serem de relevo difícil, em morros, ou por desinteresse de algumas empresas. Os perueiros viram a lacuna e começaram a prestar esse serviço. Foram além. Eles faziam os mesmos itinerários das linhas convencionais. Os acidentes, lembra, eram constantes, pois os perueiros faziam de tudo para ultrapassarem os ônibus. Além disso, algumas lotações pertenciam a máfias e tinham ligações  com grupos criminosos “Foi aí que surgiu o microônibus no ABC Paulista. Foi uma resposta dos empresários à uma população que não tinha direito ao transporte em locais onde ônibus convencionais não chegavam”.

Fora a concorrência predatória com o transporte alternativo, Aniceser se entristece com a violência urbana, muito presente ainda em Mauá. Cenas como cobradores mortos nos bancos de trabalho, dentro dos ônibus, marcam até hoje a memória do gerenciador da empresa. “Já vi muitos dos nossos funcionários serem assassinados por causa de trocados da catraca.” Os bairros de Jardim Oratório e Santa Rosa são dos mais perigosos e desafiadores, para ele.

Outra lembrança triste foi a de dois motoristas de ônibus que morreram de enfarto ao volante. Os veículos ficaram descontrolados, mesmo assim não houve feridos com gravidade nos dois casos. “Eram gente boa, meus amigos” – se emociona.

O trabalho de motorista de ônibus urbano está entre os mais estressantes de acordo com o órgão responsável pela medicina do trabalho do Ministério da Saúde.

“Se essas cenas tristes me marcam, as lembranças de ver tanto pai de família ser orientado e cuidar com o trabalho dignamente de esposa e filhos, ver uma cidade crescer e trabalhar não só com funcionários e ônibus, mas acima de tudo com gente, é que gratifica a tão corrida e estressante rotina dentro de uma empresa de transportes. Ver famílias crescerem e ter um pouco de participação nesse crescimento, não há nada que possa ser igual” – finaliza.


Adamo Alonso Bazani é repórter da rádio CBN e busólogo. Toda terça-feira, escreve mais um capítulo da história do transporte de passageiros em São Paulo

Um comentário sobre “Desafios fizeram de Aniceser um líder nas garagens

  1. Gostaria de fazer parte do quadro de colaboradores da empresa viação barão de mauá, sou de mauá mas moro em goiania go, trabalho com transporte coletivo a 9 anos ,mas para conseguir experiencia profissional tive que aos 20 anos de idade sair de mauá e ir até palmas to, para conseguir um emprego de motorista de transporte coletivo na empresa expresso miracema , e já com experiencia estou em goiania a 4 anos trabalhando como motorista em transporte coletivo com um sonho de voltar a morar em minha cidade natal, MAUÁ, e enfim conseguir trabalhar na viação barão de mauá.

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