‘As estradas nasceram sob meus pés e minhas rodas’

Por Adamo Bazani

José e esposa na Talismã

O jeito firme, forjado pela vida, típico de quem teve de trabalhar desde a juventude, se mistura ao romantismo e saudade do passado na figura do empresário José Pereira, de 65 anos. Tem orgulho em dizer que sua família, há várias gerações, dedicou-se ao setor de transportes. No começo, de carga, para mais adiante transportar passageiros.

A versão “transportista de passageiros” da família começou com José Pereira, praticamente por acaso.

Filho e neto de caminhoneiro, de Tupã, interior paulista, a infância de José Pereira foi marcada pelo ronco possante de caminhões e o cheiro do diesel e gasolina. Sim, há 40 anos, alguns caminhões e ônibus eram movidos a gasolina, algo, impensável hoje em dia devido ao enorme consumo de combustível desses motores.

O pai de José, Américo Pereira, trabalhava na estrada de ferro Santos – Jundiaí, até então operada pela São Paulo Railway, empresa de capital inglês, até virar estatal, nos anos 40. Transportava madeira de qualidade para a confecção dos dormentes (apoios de madeira) dos trilhos da ferrovia que foi responsável pelo desenvolvimento da indústria do café, a qual por muitos anos foi a principal ligação de passageiros entre   o litoral e a capital paulista.

O velho e experiente caminhoneiro, a cada dia se apaixonava pela região de Paranapiacaba, considerada patrimônio histórico da humanidade, e a pequena cidade de Rio Grande da Serra. Em 1954, a família se mudou para lá, onde José Pereira tem com os filhos três empresas de ônibus. Mudança apenas de endereço, pois o ramo era o mesmo: o transporte.

“Nosso início, em São Paulo, foi muito difícil. Meu pai e meu irmão mais velho, Oswaldo, com o caminhão, foram um dos construtores de vários bairros em Praia Grande. Na época, entre anos 50 e 60, o litoral começou a se desenvolver muito, então foi uma oportunidade de negócios. Eles carregavam areia de cima pra baixo, a semana toda. Só voltavam para casa sextas à noite. Segundo de madrugadinha, já iam pro litoral”.

Na época, José Pereira tinha 12 anos. Mesmo com todo o trabalho, o dinheiro não era suficiente. Boa parte de Rio Grande da Serra é de Mata Atlântica, com áreas preservadas, atualmente. Mas na época, todos podiam caminhar pela mata sem medo de se perder ou cair em alguma cilada de assaltantes que roubam turistas em trilha. Então, o garoto José Pereira, retirava flores nativas, arrumava em xaxins e vendia na beira das estradas.

A paixão pelo volante, porém, já falava mais alto.

Mais velho, José conseguiu emprego na, hoje, extinta São José Turismo, em Santo André. “Eu já era acostumado ao volante de veículos de grande porte. Fiz o teste facilmente, mas transportar gente, em vez de carga, me fez sentir especial. Afinal, eram vidas, semelhantes, almas. E todo ônibus, pode ter certeza, tem um coração, pronto para abrigar pessoas que nem sempre gostam dele, mas que precisam dele”.

No fim dos anos 60, José já tinha dirigido os ônibus de alumínio da Viação Pérola da Serra, que não existe mais, da Viação Ribeirão Pires, chamada pelos passageiros de VIRIPISA, devido as iniciais, e Alvorada, também extinta.

Apesar da paixão pelo transporte de passageiros, o pai tinha deixado um legado no setor de cargas. José então troca os ônibus pelos caminhões, que eram dele e prestavam serviços em todo o País.

Como bom caminhoneiro,  José Pereira é casado com a esposa e tem a boleia como amante. Não se cansa em contar que cortou as principais estradas do País e se orgulha em ver caminhos estreitos nem sempre pavimentados se transformarem em rodovias essenciais para a ligação entre os Estados e cidades, escoando a produção e transportando passageiros.

Entre os anos 60 e 70, José Pereira diz ter sido um dos primeiros motoristas a circular pelo novo pavimento da rodovia Marechal Rondon, até a divisa com Mato Grosso do Sul.

Na década de 70, vários trechos de estradinhas de municípios do interior de São Paulo e de Minas Gerais, foram “tomados” pela Fernão Dias, conta José. “O pessoal reclama da Rodovia Fernão Dias hoje, tinha que ver na minha época, os buracos eram até nossos velhos conhecidos, havia ainda trechos ao pavimentados e muitas, mas muitas curvas fechadas. O caminhão era de queixo duro (jargão do meio do transporte para designar veículo com direção dura, sem ser hidráulica). No fim do dia doía os braços”.

Foi também um dos primeiros caminhoneiros a percorrer a rodovia dos Imigrantes. A estrada, que liga a capital paulista ao litoral, opção para a Anchieta, foi inaugurada em 1976, mas a pedra fundamental para as obras foi lançada em 23 de janeiro de 1974.

Rodovias mostram como Estado se desenvolveu

Uma das coisas que mais deixaram impressionado José Pereira em sua carreira de motorista de caminhão e de ônibus foi o crescimento industrial e populacional entre São Paulo, ABC Paulista e litoral, principalmente depois dos anos 70. E por ser formado na universidade da estrada, ele defende sua tese com louvor: na mesma velocidade com que o Estado crescia, as ligações rodoviárias tinham de ser renovadas.
A ferrovia para transporte de passageiros entre Santos e São Paulo  estava sucateada, entre os anos 50 e 60.

Primeiro, foi a Estrada Velha de Santos, cheia de curvas, que até virou música do Roberto Carlos. Quem é da época do “iê iê iê” jamais esquece o refrão “Eu prefiro as curvas da Estrada de Santos, onde eu posso esquecer, do amor que eu tive e vi pelo espelho, na distância se perder”.

Baseada no caminho dos Jesuítas, as curvas da Estrada de Santos eram perigosas e exigiam muito de motoristas de veículos pesados. “Os ângulos das curvas eram todos ocupados pelo tamanho dos caminhões e ônibus. E dirigir naquela estrada, com os veículos de volante duro na época, tinha de ser artista e atleta”.

Depois veio a rodovia Anchieta, com obras autorizadas em 1929, mas só iniciadas em 1939 pelo então interventor do Estado de São Paulo, Adhemar Pereira de Barros. A rodovia foi inaugurada em 1947, mas só concluída, em 1949.

Mal tinha sido inaugurada, a Anchieta já não dava conta do tráfego de caminhões, carros e ônibus. Só depois de cerca de três décadas surgiu a Imigrantes, que, em 2002, teve mais pistas inauguradas.

“Dá uma coisa boa no peito, hoje, ver o Sistema Anchieta-Imigrantes, cheio de turistas e saber que eu vi, tudo isso crescer. Ver de pertinho, ser testemunha viva, dessas rodovias crescendo e se modificando sob meus pés e minhas rodas”.

Acompanhe na terça-feira que vem o segundo capítulo da história do empresário dos transportes José Pereira

Adamo Alonso Bazani é jornalista e repórter da rádio CBN. Às terças-feiras, apresenta aos ouvintes-internautas do Blog do Milton Jung sua versão “busólogo” contando histórias do transporte de passageiros.

4 comentários sobre “‘As estradas nasceram sob meus pés e minhas rodas’

  1. Boa Tarde, Milton e Adamo.
    Parabéns por mais uma matéria bacana do transporte.
    Se possivel, gostaria de sugerir uma matéria de uma Empresa antiga de transporte de Passageiros, vai ser bacana responda este e-mail para nos comunicar.
    Abraços.

  2. Gente eu contei mais de 30 buracos na radial leste só do trecho que vai de um pouco antes do metro carrão até o final do viaduto depois do shopping tatuapé. isso ja vai mais de um ano e a prefeitura não toma providencias . de vez o prefeito arrumar de vez a radial leste , fica remendando que nem gato e rato, remendo de uma lado abre 2 buracos de outro. buraco ? aqui são crateras. ta uma vergonha .. acorda cassab.

  3. Parabéns pela brilhante materia sobre o meu amigo José Pereira ou como é conhecido Zezinho Turismo, realmente a matéria é o retrato falado da vida deste meu amigo. Pois vi nascer tanto a Zezinho Turismo (na qual dei opinião para ele conservar a pintura dos onibus que comprou na época) Como vi a luta que ele teve com a Pérola da Serra, tendo inclusive o carro 21 que fazia a linha do Parque América e Rio Pequeno, ter substituido seus pneus, por outros maiores, para que o onibus pudesse transitar pela estrada que além de ser de terra, tinha enormes crateras.
    Quero parabeniza-lo pela matéria, assim como parabenizar estes meus amigos de longos anos (ainda tinha cabelo), o José, a Sueli, e os meninos como eu os chamo, Wilsom, Tuia, Nando e a Simoni. Continue, pois é realmente muito bom ver o seu trabalho, principalmente destes empresários familiares que muito contribuem para a grandeza das cidades e do nosso Brasil.

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