Cheguei 15 minutos depois do horário agendado, 7h30, na segunda tentativa para fazer a inspeção veicular obrigatória no centro de atendimento na Barra Funda, zona oeste. Na primeira, falhei porque dormi demais e imaginei que se não estivesse na hora marcada perderia o direito à inspeção. Aprendi que o atraso pode ser de até 30 minutos, desde que não atrapalhe o agendamento dos demais. Aprendi, também, que para remarcar não seria necessário pagar nova taxa. Uma surpresa.
Desta vez, mesmo saindo mais cedo, o chuvisco da manhã atrapalhou o caminho, mas havia saído com folga e, assim, minha entra no centro de inspeção deu-se dentro do previsto. Placa do carro confirmada no computador e a cancela se abriu. Orientado pelo funcionário fui a uma das sete filas que não tinham mais de três carros cada uma. Eram 7h50.
Foram nove minutos entre parar na fila e chegar a faixa amarela onde outro funcionário me aguardava. Um menino, ou com cara de menino, mascarado. Pediu para abrir o capô, deixar o carro com a chave e me sentar nas cadeiras ao lado do posto de inspeção. Enquanto esperava meu carro ser levado ao local, outro veículo era inspecionado. O dono tinha olhar curioso e apreenssivo. Acho que todos ficamos assim.
Às 8h07 era minha vez. Fiquei na cadeira fazendo de conta que aquilo era a coisa mais normal do mundo. Mas me sentia como pai que leva filho ao vestibular. Sabe que ele estudou tudo direitinho, toda a vida se preparou para aquele momento, e o teste que vai fazer nem é dos mais difíceis. Vai que não passa ?
Um olhar por baixo do carro com aqueles espelhos de policial de filme americano que procura bomba; capô escancarado, óleo checado, rotação em baixa, acelerador pisado no fundo, um cabo no motor e uma sonda enfiada no escapamento. Os dois analistas não fazem nenhuma expressão. Nem se sim, nem se não. Homens frios diante daquela angústia.
Tudo não levou mais de três minutos. Isso mesmo, às 8h10, fui chamado por um dos analistas que levou meu carro mais à frente e me entregou uma papeleta azul. Era o boletim de notas. Na hora não consegui prestar atenção se o aluno havia tirado 0 ou 10. Apenas ouvi a recomendação dele para guardar os dados com os documentos, mostrou-me um número que seria útil para fazer o licenciamento e solicitar a devolução da taxa de inspeção no site da prefeitura. “Está perfeito”.
Havia passado com menção honrosa, soube mais tarde ao pedir explicação a um técnico da área sobre os resultados registrados no boletim escolar que eles chamam de “certificado de aprovação”.
São três os índices identificados a partir de duas medições realizadas em marcha lenta e com rotação de 2500 RPM. O índice tolerado de Monóxido de Carbono (CO), resultado da queima do combustível, é de 1%. Marquei 0,10%. Muito bem, meu filho.
A quantidade máxima aceitável de hidrocarboneto, parte do combustível líquido não queimada, é de 700 ppm (partículos por milhão). Tasquei 35 em alta rotação. Boa, meu garoto.
O resultado mínimo do cálculo final para identificar o percentual de diluição – não me pergunte a fórmula usada para chegar a este número porque é muito complicada – é 6%. E não é que bati a casa dos 15%. Mais do que o dobro. Orgulho do pai.
De volta a Barra Funda: Com um agradecimento pela atenção me despedi do funcionário e entrei no carro que comigo sorria orgulhoso da sua performance. Depois de alguns anos de convivência, sempre cuidadoso na manutenção, trabalhando dentro das recomendações de fábrica e gasolina abastecida nos mesmos postos, ele correspondia a todo meu esforço.
Apesar de tudo sei que meu carro, assim como tantos que andam na cidade, mesmo atendendo as especificações previstas em lei, é responsável por parte da poluição na capital paulista. Não me iludo com o resultado da inspeção. Muito menos me envergonho de ter me sentido um cidadão melhor.

Ótimo texto, Milton!
Essa relação de amor com o nosso carro foi construída pela propaganda, que desde o século passado colocou na nossa cabeça que o homem tem que ter o seu próprio carro. Os americanos substituíram o cavalo pelo carro na figura do “macho” forte, viril e bem sucedido. E o Mundo acreditou e levou a idéia adiante, comprando os carros que os americanos fabricavam. Também senti essa apreensão que você descreveu ao levar o meu “cavalo” à vistoria. Fiquei até um pouco chateado quando colocaram nele aquele selo verde com os números 09 e falei baixinho com ele: ano que vem a gente tira 10! Fui contente pra casa com a aprovação colada no vidro. Mas nada me tira a certeza de que o carro será uma peça de museu no futuro bem próximo. Um Mundo que pretende existir no futuro não terá carros nas cidades como meio de locomoção de massas. Talvez ainda teremos carros para momentos (restritos) de lazer, como uma viagem pelo campo ou estradas distantes. Mas as cidades não aceitarão carros em seus limites e a mobilidade urbana será completamente repensada: tranportes coletivos de diferentes matizes e readequação do espaço público talvez sejam coisas do futuro. Pra quem quer que o futuro chegue mais rápido, uma sugestão: more tão perto quanto possível de seu trabalho e de sua vida social; use o seu carro na cidade com parcimônia, como último recurso; ande à pé, de bicicleta, de metrô, de ônibus, de taxi. Adotando esses hábitos você perceberá que a cidade muda aos seus olhos e passa a ser uma cidade muito melhor para se viver. Não seja mais um escravo das máquinas! Use-as para o seu prazer e não para destruir a sua cidade e a sua vida!
DIGA NÃO À IMPERMEABILIZAÇÃO DA VÁRZEA DO TIETÊ!
Parabéns a você Milton e o sr. Adriano, que deu uma aula de cidadania digna de matéria para blog!
Eu estou apreensivo com a vistoria, já que as motos não têm gozado desse índice no vestibular, ainda mais que até o ano passado, as montadoras de motos não eram obrigadas a desenvolver ou incorporar nenhum tipo de redutor de poluição, e minha companheira tem 12 anos circulando, ai coitada, vendo que motos 2009 não estão passando pela vistoria, imagina a minha, velhinha, sem nem peças originais para reposição (*busca em revendedoras autorizadas), o que será dela, bem o negócio ou vai ser voltar a andar de coletivos ou andar a pé ou de bicicleta, pois já não tenho muitas esperanças que ela consiga passar no vestibular!
Vou fazer coro repetindo “Não à impermeabilização da várzea do Tietê” e vamos recuperar nossas áreas verdes!
Menos carros, mais respeito à vida e aos pedestres!
Caríssimo Milton Jung
Belo texto
Porém como desisti de ser mais um “feliz” proprietario de automóvel, nestas conversas automobilisticas, sou somente mais um espectador.
Graças a Deus!
NÃO A IMPERMEABILIZAÇÃO DA VÁRZEA DO TIETÊ E SE JA LÁ ONDE FOR!
Você é mesmo um bom contador de fatos reais. Gostei do texto,mas ficaria ainda mais contente se,em Porto Alegre,já tivesse sido implantada a inspeção veicular. Espero que,quando isso ocorrer,empatemos – pelo menos isso – com São Paulo. O seu relato me deixou com a impressão de que daí vem um belo exemplo de procedimento.
Só não gostei da “tal medição de gases”
Vamos cair na realidade:
Quanto vc tem no bolso ?
Abraços
Dá até para escrever um romance com esse texto,ele deu sorte de pegar um inspetor honesto no desonesto mundo real da máfia controlar/oficinas/prefeitura.Não sou contra uma inspeção pelo meio ambiente,porém vamos acordar do romance e voltar à realidade,há muita sujeira debaixo desse tapete,pois para a prefeitura não é o meio ambiente que importa,mas sim taxas e multas.Se a preocupação fosse o meio ambiente não haveriam taxas para a tal inspeção,já que pagamos muitos impostos,que se usados adequadamente podiam muito bem cobrir os gastos operacionais da inspeção.
Acho que exemplo de cidadania não é ficar feliz com o individual,mas lutar pela justiça do coletivo.