Uma amizade construída no ônibus

 

Por Ádamo Bazani

Lázaro e Miranda dedicam suas vidas ao transporte de passageiros e na primeira parte desta história lembram dos tempos em que a paixão pelo ônibus os uniu

LÁZARO E MIRANDA

Eles são novos, mas já têm muita história para contar. Lázaro Barbosa da Silva, 44, e Márcio Antônio Capucho, o Miranda, 37, começaram cedo e tiveram oportunidade de assistir a transformação do transporte de passageiros de um sistema quase amador ao profissionalismo e especialização exigidos nos tempos atuais. Amigos, eles concordam que a mudança se deveu ao desenvolvimento da indústria automobilística, do crescimento das cidades e do trânsito e da maior fiscalização dos agentes públicos e da sociedade.

Lázaro veio de Sergipe para Santo André com 8 anos. Desde pequeno, os ônibus despertavam um interesse especial: “Fui morar com minha família, na rua Potomaque, próximo a avenida Martim Francisco, em Santo André, por onde passavam os ônibus da Viação Esplanada e da São Camilo. Eu pensava, um dia vou andar em todos estes ônibus. Hoje estou aqui, coordenando as operação da São Camilo”.

Adolescente, Lázaro era feirante quando o irmão do padrasto, que trabalhava na Auto Viação ABC e na Viação Cacique, do mesmo grupo, o convidou para ser cobrador, em 1982. No primeiro dia, ele deveria apenas acompanhar um colega para aprender a função. Mas teve uma surpresa: “O cobrador que ia me dar instrução tinha faltado. Então, tive de desempenhar a função sem treinamento nenhum. Fiquei tremendo a primeira viagem toda. O motorista, o sr. Pacheco, entrou no carro Caio Gabriela e já me deu a primeira ordem. Abrir todas as janelas do ônibus. Fazia muito frio em São Bernardo do Campo, mas tive de abrir para desembaçar os vidros. A linha, da extinta Viação Cacique, era a Jardim Farina – B. Petrônio, em São Bernardo. Quando o carro encostou no ponto final, para a primeira viagem, simplesmente o ônibus lotou. Não sei de onde vinha tanta gente. Me atrapalhei algumas vezes, alguns passageiros passaram batido, mas foi bom para logo ganhar responsabilidade” .

Márcio Antônio Capucho era apaixonado por ônibus desde pequeno e fez de tudo para trabalhar no setor, adolescente ainda. Com 16 anos, em 15 de janeiro de 1987, ele entrou na Viação Miranda como office boy. O apelido Miranda vem da empresa, para a qual ele dedicava uma verdadeira paixão: “Os serviços de office boy eram mais intensos a tarde. Então, pela manhã, não saía da oficina, do almoxarifado, dos pátios, conversando com os motoristas. Minha vontade de lidar diretamente com os ônibus chamava atenção”.

Em março de 1988, a Viação Miranda, em Santo André, foi vendida. As linhas foram compradas por empresas diferentes. A Viação São Camilo comprou três, a Humaitá uma e a E.A.O.S.A. – Empresa Auto ônibus Santo André – mais uma linha.

Miranda passou pela Humaitá e E.A.O.S.A.  até chegar a Viação São Camilo, quando a história dos amigos se cruzou. Apaixonados por ônibus, a empatia entre os dois foi imediata.

Um auxiliava o outro para o crescimento na empresa. Lázaro era plantonista e Miranda foi ocupando diversos cargos na empresa. Entrou como ajudante de eletricista, com finanças, vale-transporte, mas o sonho mesmo era trabalhar com o ônibus.

Em 1990, Miranda se tornou cobrador com a ajuda de Lázaro. Em 1992, o grande sonho se realizou. Completou 21 anos e, no dia seguinte, passou nos exames para a carteira de habilitação, categoria D, exigida para ônibus convencionais: “Logo que consegui minha carta, ficava ‘pentelhando’ o encarregado Anísio, porque eu queria dirigir”.

Seis meses depois, a oportunidade. E a juventude dele ao volante chamava atenção dos passageiros: “Lembro-me que numa das primeiras viagens, com um ônibus Mafersa, da Viação São Camilo, na linha 070 (Estão de Santo André – São Paulo, via Rudge Ramos / São Bernardo), uma senhora entrou, me viu e disse em voz alta – É só ter greve, que colocam a molecada para dirigir”.

Nos anos 90, um dos desafios para todos os trabalhadores era a defasagem salarial por causa da alta inflação. As greves eram constantes: “Mas fui para o volante não para substituir ninguém. Foi por insistência mesmo. Não dei atenção para o que aquela senhora falou, achei até engraçado. Eu era tão chato para querer dirigir, que um dia o encarregado Félix me deixou sair com um ônibus, eu com pouco tempo de carta D. Era ele quem tinha de fazer o serviço.  O irmão do dono da empresa viu e foi se queixar com o Félix, que teve de fingir o tornozelo para justificar a loucura ”.

Em 1995, Miranda era inspetor da São Camilo e em 1996 voltou para o volante, sua grande paixão.

(Semana que vem você acompanha a segunda parte da história dos dois amigos e dos ‘passageiros’ nada convencionais que tiveram de transportar)

Adamo Bazani é repórter da CBN e busólogo. Às terças, escreve no Blog do Mílton Jung historias contadas entre um ponto de ônibus e o outro.

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