Lugar de homem é na cozinha

 

Por Dora Estevam

Imagem de Alexandre Severo http://www.flickr.com/photos/severo/

No fim de semana, recebemos um convite para jantar na casa de uns primos. O convite feito pela prima Lílian trazia um aviso especial: “o jantar será feito pelo Marcelo.” Hum ! Que delícia, convite irrecusável.

Além do menu, Marcelo também pensou no vinho adequado para cada prato servido, vez que escolheu um menu degustação.  Um verdadeiro chef tem que pensar em tudo: coordenar, elaborar, planejar, criar, pesquisar e executar como se fosse um comandante de navio – é o que ensina o professor Daniel Frenda, da Faculdade de Gastronomia da Anhembi Morumbi, SP.

É interessante porque eu mesma adoro fazer jantares, receber convidados, amigos e parentes, só que na minha casa eu preciso fazer tudo, desde a elaboração do cardápio, passando às compras, até a decoração da mesa.  Na hora de servir eu preciso dar atenção aos convivas e à cozinha para nada sair errado. Fico dividida entre os dois ambientes: sala e cozinha. Se contrato uma copeira, a preocupação é a mesma.

Agora, imagine-se na casa da prima Lilian. Nós ficamos conversando o tempo todo. Ela não precisou se preocupar com nada. Não é incrível?

Marcelo adora cozinha; Daniel faz a cozinha adorável

Marcelo adora cozinha; Daniel faz a cozinha adorável

O meu marido não faz nada na cozinha, eu já sabia o motivo, mas não resisti e quis provocar a minha sogra: por que a senhora não ensinou o seu filho a cozinhar? A senhora sabia que muitos homens vão pra cozinha e fazem pratos maravilhosos?

A resposta: “minha filha, no meu tempo homem nenhum entrava na cozinha, só mulher. No meu prédio, eu chamava as mulheres pra ensinar culinária, elas aprendiam e depois faziam os almoços e convidavam os maridos. Ou seja, eles só iam lá para comer”.

A minha sogra que me desculpe, mas na longa conversa que tive com o professor de gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi, uma das mais importantes na área em São Paulo, Daniel Frenda, soube que na história da humanidade as cozinhas sempre foram dominadas por homens. E são vários os motivos: tinha que ter força para os trabalhos braçais (grandes sacas de comidas e enormes panelas) e o domínio dos funcionários para executar a enorme equipe. À mulher estava reservada a parte leve. Fazia os doces.

Diz o professor que o homem sempre gostou de cozinhar. Note que na alimentação caseira, quando tem que preparar um churrasco ou uma paella, quem esta à frente é sempre ele.  Frenda só lamenta que a cozinha caseira venha perdendo qualidade: os homens, interessados pela cozinha sofisticada e internacional, e as mulheres, com a revolução sexual, não querem saber de cozinhar, compram quase tudo pronto – comidas que vão direto para o microondas.

O professor tem razão. Veja só o cardápio que tivemos o prazer de saborear na casa dos primos Marcelo e Lílian:

Menu

Minhas anotações:

O folhado é do Fauchon (dispensa comentários); o relish da Cia das Ervas; e as torradinhas, como devem ser, sem sabor e pouco sal. O Foie gras com torradas feito com bolo de nozes da Casa Suiça, e o camarão é presente de aniversário da sogra. Sem contar a delicadeza de servir um sorbet de pitanga para mudar o paladar e depois do jantar um pouporri de doces. Além do café e do licor.

“Ir para cozinha por hobby é muito prazeroso e relaxante: começo com as compras, faço visitas em mercados, supermercados, feiras, adegas, ,mercadão e afins. Escolher o produto, ler, aprender sobre cada coisa que você pretende usar, ouvir pessoas mais experientes … Tudo isso transforma o ato de cozinhar numa mistura de sentidos, num sinergismo, inigualável: visão, olfato, audição, tato e paladar se unem e se completam com o sexto sentido que é o equilíbrio” confessa o chef Marcelo, ortopedista por profissão.

Marcelo também já fez cursos, gosta muito de ler e quando viaja sempre vai às feiras e mercados só para sentir os sabores locais: “Não sou um Bourdain que fez ‘em busca do prato perfeito’, mas procuro provar coisas que deixem minhas papilas gustativas em festa”.

Que trabalho, hein!

Como diz o professor Daniel – a propósito, um publicitário que mudou de profissão após descobrir que o talento estava na culinária -, gastronomia se aprende para sempre: 1% é aspiração e 99% é transpiração.

E como? Meu primo que o diga!

E você, querido leitor, tem algum menu especial para sugerir?

Dora Estevam é jornalista e escreve no Blog do Mílton Jung aos sábados sobre moda e estilo de vida – e está devendo um jantar para o editor.

N.E: A foto do fogão é da galeria de Alexandre Severo no Flickr; a de Daniel foi feita pela Katiuska Azevedo; e do Marcelo pela mulher dele

18 comentários sobre “Lugar de homem é na cozinha

  1. Usando a Economia como metáfora, onde caminhamos do artesanato para a massificação da customização, dos homens que cresceram no pós segunda guerra que não iam para a cozinha por uma questão de masculinidade temporal, chegamos na mulher contemporânea, que não vai para a cozinha para firmar posição das conquistas femininas de liberdade, igualdade e feminilidade.
    A massificação da customização é um artesanato sistematizado, a mulher fora da cozinha é uma evolução com troca de lugar.

  2. CONCLUSÃO :
    Tanto na Economia quanto na Gastronomia quase nada mudou.
    O artesanato , atualizado no nome e na forma, aparece como customização, nos produtos e nos serviços.
    A cozinha fica com homens e mulheres com sinais trocados. Antes os machistas ficavam fora, agora as feministas é que ficam fora.

  3. As pessoas sempre falam que os homens sempre cozinharam. Mas isso apenas profissionalmente. Na esfera do lar, todas as tarefas, mesmo as que hoje consideramos masculinas, sempre foram reservadas às mulheres. A separação nunca foi da ordem cozinhaXoutras atividades, mas de privadoXpúblico (pelo menos desde a Revolução Industrial).

    Ps. Tradicionalmente, os homens chineses cozinham, até mesmo em casa. Talvez, isso explique as pesadas facas chinesas (alguma de minhas favoritas).

  4. Créditos a quem é merecedor: Apesar de todos nos sabermos que em tudo na vida o equilíbrio é a melhor solução, muitas vezes deixamos isso de lado -eu era um deles. O experiente e culto Carlos Magno -colunista deste blog-, muitas vezes enfatizou este detalhe e, como me considero um eterno aprendiz, uso essa lição em tudo na vida, até na cozinha. Em minha casa tem um belo espaço gourmet (termo que eu detesto), em que democraticamente homens e mulheres podem fazer seus quitutes e opinar um no tempero do outro. O clima é ótimo! Não permitimos funcionários nos finais de semana nem à noite, para que assim, não nos tornemos estranhos aos cantos e ambientes de nossa casa e super-íntimos da nossa cozinha. Cozinhar junto com minha mulher com intervalos para os beijinhos, não tem preço! (risos) Arrumar sala, quarto, lavar louças, quintal e garagem; eu recomendo, pois, ninguém esta livre de sofrer época de vacas magras. E, Além disso, a família fica mais intima e mais próxima.

    Ah! Curtimos muito a cozinha tradicional familiar, com direito a levar uma quentinha para casa.

    Quanto a sua pergunta: Faça o que vc sente ter mais talento e, não esqueça que as preferências gastronômicas dos convidados, é mais importante que a vaidade do chef de cuisine! Este cuidado pode determinar o sucesso do jantar.

  5. Quanto a arte de cozinhar, esta ainda não dominei.
    Num aperto de última hora, ai me meto na cozinha e até que sai umas gororobas.
    Até hoje ninguem passou mal rs rs
    Mas o departamento de manutenção geral em casa, eis o próprio quem vos escreve.
    Mas falando sério, no bom sentido, invejo o homem que sabe, tem interesse, dom para cozinhar
    Principálmente hoje em dia com as abnegadas mulheres, merecidamente se destacando profissionalmente fora de casa.
    Com muitos de seus maridos desempregados ou ter que trabalharem nos seus home office

  6. Paulo, gosto é gosto, não se discute, principalmente na culinária. Eu, particularmente, adoro comidas diferentes, provar e definí-las como prediletas, por algum tempo. Mas, tem comida que não adianta colocar na frente: buchada, língua bovina, tatu caipira…Não vai mesmo. Por isso entendo o seu paladar.
    Adorei a sua participação.
    Abraço e boa semana.
    DE

  7. Oi Isaac, é verdade, no cotidiano é mais comum ver mulheres na cozinha, o que chamamos de cozinheira. Os chefs coordenam as grandes cozinhas diariamente: uma coisa é fazer um prato para uma pessoa, outra é fazer para 100 pessoas, todos os dias.

    Abraço e obrigada
    DE

  8. Apenas complementando o título desta reportagem: “Lugar de homem é na cozinha, mercados, supermercados, feiras, adegas, mercadão e afins”…, ou seja, trabalho duro, de HOMEM!! hi hi hi. Para a dona da casa, deve ter sobrado a tarefa de “enfeitar” a mesa!
    O prazer de uma “refeição” não está somente nos gostos e aromas fornecidos por esta. Além do prazer de saciar a fome e a sede (necessidades puramente fisiológicas, que podem ser potencializadas pelo que está escrito no cardápio ou até mesmo pela explicação de como foram preparados os “pratos” pelo chef), está o prazer da companhia, da diversão em se reunir ao redor de uma mesa, da beleza em que os pratos e a mesa foram enfeitados… Já ví menus fabulosos serem “estragados” por companhias desagradáveis, bem como já presenciei cardápios totalmente “furados” serem transformados em refeições memoráveis, saborosas (em todos os sentidos). Aos solitários, a ambientação da refeição também é um prazer complementar aos “alimentos”.
    Como sugestão de menu, conforme solicitado pela Dora no final da reportagem, eu indico que tenha sempre bons amigos para compartilhar estes momentos, e que mantenha a mente sempre aberta para “experimentar”.
    Em defesa do Carlos Magno, não é preciso saber ou gostar de amassar o trigo para poder saborear o pão! Eu mesmo, apesar de amassar o trigo algumas vezes, prefiro o pão quentinho na mesa!!!
    Abraços, e saúde! Tim tim…

  9. OI Ricardo, é a mais pura verdade, entre bons amigos.
    Se tiver gente chata acaba com tudo.
    E se as pessoas forem legais a gente não quer ir embora.
    É muito bom.
    Adorei o seu Menu.
    Obrigada e volte sempre!
    DE

  10. Dora,

    Não pude esquecer de seu ultimo artigo.Veja o cardápio de hj do Tio Beto:

    Coquetel:
    Torradas de baguete
    Antepasto de berinjela com uvas passas brancas

    Entrada:
    Salada de alface crespo com tomates cereja

    Prato principal:
    Bacalhau ao forno da professora Dona Ana (minha mãe)

    Sobremesa:
    Torta de maçã da Flavinha (minha outra metade)

    Os vinhos estão por conta de meu cunhado, especialista em vinhos da Serra Gaúcha

    Não permita que seu primo leia isso. Ele pode ter um infarte (risos)

  11. OI Italo, quem nunca fez uma gororoba???
    De vez em quando a coisa não sai ou tem que fazer algo correndo…ai não tem jeito.
    O bacana é sempre levar na esportiva.
    Abraço e obrigada
    DE

  12. Beto, que delícia de cardápio!
    O máximo que o Marcelo vai querer é ser convidado para almoçar…rsrsrr
    Que maravilha, sem contar a participação de toda a família, isso é muito bacana.
    Desejo um super almoço pra você e que o Domingo seja iluminado.
    Abraço
    DE

  13. Dora: como de costume aqui estou. Você mesmo comenta que gosto é gosto .Vou além: paladar se educa respeitando as individualidades. Não adianta você servir um belo risoto para pessoas cuja capacidade gustativa registrará que está comendo um arroz empapadinho e duro!!!! Deve ser o caso de um comentarista daqui de cima.
    Concordo muito com o Ricardo Rivelino: ” o prazer da companhia” é essencial. Parafraseando o Mino Carta: ” … a mesa é a ribalta da amizade ” .
    Foi e será sempre um prazer cozinhar para vocês. Beijo.

  14. Marcelo,
    querido primo, quando você poderia imaginar que o seu menu iria sair daquele jantar direto para as telas da internet…Olha, foi bem legal trabalhar com este tema, é muito bacana saber que os homens estão mais dispostos a dividir as tarefas de casa e também a aceitar novas propostas, como cozinhar, por exemplo. O jantar foi magnífico, ficamos encantados. Agora você tem uma nova missão: fazer um desses para o editor (hehehe). Eu ajudo!!
    Super beijos pra você e para a Lílian.

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