Da maçã



Por Maria Lucia Solla


Ouça ‘De Maçã’ na voz e sonorizado pela autora

A intenção do Criador nunca foi nos deixar viver no paraíso. Passado o período de gestação, era preciso que saíssemos de lá. Era preciso continuar; nascer para uma nova vida.

E nascer dói; assusta. Parto não é coisa bonita e leve, e nós o cercamos de flores alegres. A morte é irmã gêmea do nascimento, e nós a cercamos de flores tristes. E porquê? Por que ela é para nós mais um nascimento, e sabemos que nascer dói; a cada dia, a cada hora, na mesma vida; que dizer de nascer para uma vida desconhecida.

Na mulher, o parto dói; para cada uma na sua medida, mas que dói, dói. A mãe sofre, o bebê sofre; choram e gritam da dor física, da dor da alegria e da dor do medo. Tudo misturado. Ela expulsa, de dentro dela, o ser de quem foi hospedeira, e a quem vai chamar de filho. Saímos do útero materno, todos nós, sem distinção, do mesmo jeito, chame ele Paraíso, Maria, Rita ou Joana. Somos expulsos do lugar conhecido, seja ele confortável ou não, para o desconhecido; para o desafio.

Todos nós, descendentes do primeiro homem e da primeira mulher, filhos de Deus e da Deusa, fomos expulsos do útero dela, do paraíso, onde havia fartura, beleza, harmonia, amor, para um lugar que insistimos em transformar num vale de lágrimas, na terra do sofrimento, em desarmonia, em desamor.

Mas voltando ao Criador e ao fluir da Criação, no início da nossa raça humana, com apenas dois exemplares prontos, ele sabia muito bem que era só proibir alguma coisa que o casal, iria correndo atrás, e não deu outra. Foi ele decretar a proibição do fruto do conhecimento que a gente caiu.

Demos a primeira mordida e nascemos para a vida do conhecimento e da experiência. Logo na estreia, experimentamos o que é covardia; a cobra levou parte da culpa, e o resto ficou para a mulher, considerada fraca, volúvel, traiçoeira. Certo que o mundo está cheia delas, mas prova-se hoje que o privilégio logo logo se estendeu a eles também. E nós, até hoje não entendemos o que aconteceu, e ainda nos servimos do conhecimento, da experiência, ressabiados, achando tudo errado, feio, meia-boca; achando que é pecado. Não é. Foram o Pai e Mãe que nos arrancaram da zona de conforto, da fase que já dominávamos, com uma ajudinha da cobra, que não por acaso a gente odeia.

O final da história é que a gente entrou pelo canal vaginal da Vida e caiu na real. E o fato é que continuamos de quatro no chão, batendo pés e mãos, xilicando, nos considerando sempre – que porre! – vítimas de tudo e de todos, criando caos à volta, a cada ataque de birra.

Tenho vergonha! e você?
Pense nisso, ou não, e até a semana que vem.

Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira e realiza curso de comunicação e expressão. Aos domingos, escreve no Blog do Mílton Jung

15 comentários sobre “Da maçã

  1. Boa noite Maria Lúcia
    Que bom ler essa mensagem de vida !O grande filósofo Kierkergaard, fundador da Psicologia exsitencial dizia:"Um ser a todo instante em que existe, está vivenciando o processo de tornar-se. Porque o Ser é somente aquilo que vai anda se Tornar"
    Por tudo isso que lemos , que acreditamos que somos , e temos o dever de tentar sempre , tornar o nosso mundo melhor!!. O ser humano é a maior invenção do planeta e o peça importante dessa engrenagem do Universo.Vamos ser e nos tornar cada dia melhor…

  2. Xiliques de minha mãe:
    -Orra meu, isso são horas de chegar em casa?
    -Acorda meu, ta na hora de ir pra escola!
    -Acorda meu, vc tem que trabalhar!

    Com a idade de trinta e lá vai porrada, vitimado pelo amor errado -avisado e “xilicado” pela mãe-, deito em seu colo com a cabeça perto da região vaginal, e digo chorando:
    -Mãe me ferrei, vc tinha razão: A maçã que eu estava comendo, me fez mal.

    Tempos depois, de novo com a cabeça na quente região vaginal:
    -Mãe to indo embora pra outro estado. Descobri uma maçã de boa qualidade!
    – Com dor no coração meu filho – diz a mãe-, lhe digo: Pode ir! Vc conheceu maçãs podres e envenenadas. Já sabe reconhecer boas maçãs só de olhar o pé.

    Xiliques da maçã:
    – Vc e meu pai, beberam pra cacete! Quando chegar em casa, vcs não imaginam o que vão ouvir de minha mãe…
    – Cala a boca, quem vai dirigir sou eu!
    – Vcs estão sem condições!

    Xiliques, tapas na mesa, tempero e destempero. A dor do parto de nossas mães e, as nossas dores para aprender a viver e ir à feira escolher maçãs: Isto é a vida!

    Nós homens, saímos do útero de nossas mães e vamos a caça de outras portas, as quais entraremos e semearemos o útero de quem será mãe igual as nossas mães. Ambas sábias sempre prontas para afagar, ensinar e xilicar.

    Do parto, nossas mães esqueceram a dor. Fazer nossas mães e nossas mulheres sentirem dor por falta de amor, não é xilique; é sacanagem!

    Somos machos e fêmeas: nos peitamos; nos desprezamos; nos sacaneamos; nos provocamos; nos amamos; nos afagamos; nos confraternizamos. É a vida!

    Sou sua vítima e vc a minha. Vc não me faz mal , nem eu a vc, ou vice versa!

    Quer saber? Que bom termos pés pra bater!

    Nossa! Que ressaca!

    Malu, Xilique! Vc tem este direito! Vc tem a divindade de ser mãe!

    Beijão!

    Do grande admirador e prestigiador , Beto!

  3. Malu,
    parece que suficiente nunca foi a media para nós. Sempre falta.
    O interessante é que passado o ponto do suficiente para mais ou para menos, qualquer coisa falta mesmo.
    Mais interessante ainda, é que essa falta, movimenta a roda da vida e não nos deixa quietos até que já não possamos mais mudar.
    Bela meditação, boa semana.

  4. sérgio,

    gostosa a tua reflexão, e me fez pensar.
    de repente não é ruim essa flutuação da necessidade. Somos um a cada dia. Muda tudo. E se estivermos mesmo vivos, reavaliamos e seguimos o movimento, como num passo de dança, sem lutar contra a maré.

    Mas aí já embarquei no devaneio.

    Obrigada, meu amigo.

    beijo,
    ml

  5. Mike Lima a amigos
    Ja imaginaram o quanto seria monotono a vida trancorrendo “sempre numa boa”?
    Massaharu Taniguti, fundador da seita filosófica Seicho No Ye, em uma de suas obras, relata sobre os altos e baixos da vida.
    Assim como por exemplo um rubi para ficar lindo tem que passar por varias lapidações.
    Assim como células dos nossos corpos nascem e morrem diariamente, como se estivéssemos trocando de corpo minuto a minuto, a vida também assim transocorre.
    O tal do consegue, consegue, não consegue.
    E assim la nave vá
    Bjus

  6. Alpha India

    andei meio “desaparecida” e demorei a responder, porque minha nave me levou, outra vez, para o estaleiro. Agora já estou saindo, meio avariada, mas ainda inteira.

    gosto da filosofia do Sr. Taniguchi. Bem lembrado.

    beijo,
    ml

  7. Êita Mike Lima
    De novo sua nave no hangar!!!!
    Vai com calma ai minha amiga
    Nada de querer voar nos 40000 pés a mach 2.0!
    Vai de IFR mesmo, visual, voando no máximo a 7000 pés por volta de 150 a 180 nós e aproveite para "apreciar as paisagens" !
    Senão a célula da nave" num guenta ne?
    Bjus e quando terminar ai o Check de manutenção decole e voe!
    Bjus
    Ah!
    Gosto também da filosofia do Dr Celso Charury.
    Alpha India November
    Estimo suas melhoras!

  8. Pode deixar, alpha india,

    é só uma fase, e estou aprendendo sem parar. Não está sendo ruim, não
    O vôo está um pouquinho turbulento, mas no final das nuvens já dá para ver o horizonte lindo, lindo.

    Obrigada pela torcida. Valeu comandante!

    beijo,
    ml

  9. Pois foi no domingo mesmo que eu vi uma pessoa na tv dizendo que “nós não viemos pro mundo pra nos dar bem”, mas, nesse mesmo programa, a mesma pessoa disse “a alegria é pra ser compartilhada!”.
    Acho que se nos lembrássemos que todo ato é uma escolha, e que toda escolha resulta em um efeito sobre nós mesmos, pudéssemos, talvez, fazer dessa dimensão um pouquinho mais paraíso.
    Beijos

  10. Ah! bruno,

    isso faz parte da educação de tribo, o reconhecimento da relação entre o ato e a reação e da relação indiscutível entre Homem e Natureza…

    No lugar onde viemos parar, estamos muito longe da Origem, onde moram as respostas.

    Mas a gente está começando a se dar conta do estrago, e sempre há tempo (a eternidade) para ir ajustando nossos equipamentos para que a viagem seja mais agradável!

    beijo e bom hoje, porque amanhã nos falamos mais,
    ml

  11. Muito linda a história da maçã. A vida as vezes é um porre mesmo. O que afinal é a vida. Nascer, morrer e viver dói. Só algins afortunados não sentem dor, Quem sabe um dia chegaremos lá. Um grande abraço, Anna

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