De estrada

 

Por Maria Lucia Solla

Ouça “De estrada” na voz e sonorizado pela autora

Sabe quando a gente pega a estrada errada e continua, e continua, e continua tanto, e vai tão longe que fica difícil voltar?

a gente acaba parando
por um tempo
no lugar onde foi parar

Aí dá aquela vontade de conhecer outro lugar, acaba se encantando com o próximo, e fica literalmente hipnotizado pela beleza e pela riqueza de mais um. Acaba se perdendo.
Pois foi o que aconteceu com a gente. Foi o que aconteceu com todos nós.

Não adianta apontar o dedo para a turma do lado de lá, para o parente, para o ex ou o pretendente, o mandante ou o obediente. Não dá mais tempo. É tempo de abrir bem os olhos, de criar vergonha na cara, cada um fazendo o que sabe fazer. Fazendo direito, fazendo às claras, sem segundas, terceiras ou quartas intenções. Sem vender a alma. Do gari à presidente. Nós. Todos nós: os bonitinhos, os feios, as marombadas, as gordinhas. Nós. Os burros, os inteligentes, descolados e condenados. Nós. Espertalhões e bobalhões.

Fomos longe demais pela estrada errada, e depois de tanto tempo, tanto dinheiro, tanta energia gasta, da enorme distância do verdadeiro ponto de origem e do verdadeiro destino, a gente se dá conta de que ficou igual a todo mundo, como queria, vestindo igual, tendo carro igual, usando joia igual, falando igual, sofrendo mais e curtindo menos; a gente se dá conta de que vendeu a alma e, com ela, a graça.

Isso que tem acontecido em volta, no meio, dos lados, em cima e embaixo, é a prova de que este é o lugar errado; onde chegamos, todos. O que a gente vê é a paisagem errada!

Foi isso que nos hipnotizou? É difícil de acreditar! É isso que continua nos fazendo destruir o verdadeiro e a água do terreiro; o bosque, o pássaro, a borboleta? É essa ganância desmesurada, esse egoísmo generalizado e banalizado que deixa um amargo na boca, essa tristeza que sempre sobra no coração, esse medo e esse desalento que se mostram no olhar, que incluídos em letrinhas minúsculas no final do contrato vieram no pacote e levaram em troca o bom-humor, e transformaram tudo em dor, em desgraceira, em resgate onde acaba cabendo saque, num palco de lágrimas e horrores onde cabem boatos criminosos?

Em que lugar do caminho se perdeu o prazer de dirigir na estrada, sem rumo, à noite, só para ouvir no silêncio, com o corpo inteiro, as músicas favoritas, no rádio do carro? Onde se perdeu o prazer de acampar; de dormir no embalo dos pingos da chuva? De nadar na cachoeira sem medo de verminose, de virose ou de cirrose? Onde está nossa cidade antiga, nosso berço, cercado, protegido, fotografado e cuidado diariamente para que ninguém o destrua, para que ninguém o desfigure, para que a gente se lembre de onde veio e para onde estava indo?

O que nos cerca nos escoa por entre os dedos e não ecoa o prazer esperado, porque traz consigo a desgraça, a tristeza, o isolamento, a solidão, a armadilha que nos atraiu até aqui, até agora.

Está tudo sossobrando porque nem o Planeta nos aguenta mais. Não aguenta tanto desrespeito, tanta prepotência de quem se julga dono dele. Se não pararmos agora e não assumirmos, cada um, o seu latifúndio de responsabilidade, criaremos filhos apenas para que ajudem a suportar, nas costas, a custo das próprias vidas, até o último segundo, os pilares da Terra.

Não custa lembrar que, hoje e sempre, não é dado apenas a um ou a poucos, entender e traduzir a magnitude da Vida. É preciso que haja quorum, que estejamos juntos, todos, porque só o todo pode compreender O Todo.

Pense nisso, ou não, e até a semana que vem.

Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira e realiza curso de comunicação e expressão. Aos domingos, escreve no Blog do Mílton Jung

12 comentários sobre “De estrada

  1. Oi amiga , parabéns pelo Paulinho ! Adorei também a estréia do Baú , obrigada pela confiança ! Quanto ao texto de hoje ,
    excelente , como sempre , bjs Maryur

  2. Malu,

    a chave, como eu entendo, é a educação.
    A educação que dá meios de ser diferente, que prepara cada um para ser o melhor na sua diferença. Que faz encontrar nos demais o pedaço de nós que faltou. E que faz saber: dividir, também aumenta e fortalece.
    Caminhar calçado nela pela estrada, pode não evitar um atalho errado, mas dá sentido na volta a tempo de se estar em tempo consigo e com os demais.

  3. Lúcia.

    O que me intriga é ouvir: “Nossa, que planeta deixaremos para os nossos filhos ???”

    Só que isso é uma contradição, visto que o certo seria:

    “Que filhos nós deixaremos para o nosso planeta ???”

    A educação cabe desde pequeno em todos os sentidos. O que se enxerga por ai é totalmente o contrário. Falamos, obvio em educação espiritual.

  4. Olá Malú,

    O nosso planeta pede SOCORRO e muita gente não se dá conta disso! Existe 2 tipos de ser humano:

    -aquele que degrada conscientemente e não faz nada para mudar;
    -aquele que degrada conscientemente não se importando como final dessa ação!

    As respostas para isso nós sabemos mas como disse você: temos que vestir nossa carapuça e assumir nossas responsabilidades com o meio que vivemos onde cada um deve fazer sua parte sem esperar pelo outro.

    Ao mesmo tempo eu indico praticar a cidadania e a solidariedade que não fazem mal à ninguém!

    Beijos

  5. sérgio,

    concordo com a educação, mas não essa que está a, como você bem disse.
    Educação deve levar à evolução e ao despertar da consciência e não à conformação com o estado vigente.
    Educação vem formar e não enformar!

    beijo,
    ml

  6. Ezequiel,

    Também sou pela educação global, integrativa. Sou psicanalista integrativa. Não que a denominação seja importante, mas dá para entender, né?
    Odeio quando vou ao oftalmologista e ele me vê como um grande olho.

    Que filhos deixaremos para o planeta!
    Tô contigo.

    beijo,
    ml

  7. Cláudio,

    viver conscientemente já é um bom começo para a cidadania, não é? E então, ninguém precisaria controlar ninguém.Todos teriam a mesma intenção. Remaríamos todos na mesma direção. A direção do todo!
    Já estamos de corpo e alma na Era de Aquário, que é a Era da coletividade, e não a do indivíduo. Essa, a Era de Peixes, deixamos lá atrás, ou foi ela quem nos deixou; não importa.
    Já estava com saudade de você aqui.

    beijo,
    ml

  8. Maluzinha,

    Você conseguiu traduzir (e vc faz isto tão bem nao é?) a angústia que vem nos consumindo.
    A busca das respostas externas… que nunca serão encontradas, pois estão bem aqui, dentro de nós.

    obrigada por tudo, sempre.
    bjs
    Li

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