Por Airton Gontow
Jornalista e gremista
Nunca tive qualquer empatia por esses super-heróis dos desenhos – fortes, destemidos e invencíveis. Ao contrário, lembro-me de que desde a minha infância minha mente e meu coração só tinham espaço para os personagens reais que habitam ou não o cotidiano da gente.
Herói era meu pai. Juntos fomos a todos os jogos do Grêmio no Rio Grande do Sul durante sete anos. Quando a gente voltava pela estrada, ia em uma espécie de comboio, com vários carros de torcedores e, no meio de nós, o ônibus dos jogadores e o ônibus da TV Gaúcha trazendo o vídeo-taipe do jogo, já que naquele tempo o “via-satélite” mal existia!!!! Fazia geralmente muito frio e quando entrávamos na cidade, o ônibus da Gaúcha seguia em direção ao morro Santa Tereza e nosso carro percorria a neblina porto-alegrense até o porto seguro de nosso apartamento lá na av. Protásio Alves. E aí eu ficava assistindo ao jogo do Grêmio que a TV Gaúcha (Canal 12) estava começando a exibir….aquele mesmo que eu havia visto quatro horas antes.
Meu pai ia até meu quarto, fazia minha cama e depois se deitava, com aquele corpo grande de pai da gente, e derrotava a frieza dos lençóis e, depois, eu o via surgindo, cada vez maior, até que me pegava no colo e me conduzia pelo corredor até o meu quarto e me deitava naquela cama mágica e já aquecida pelo calor do pai. Talvez por isso, mesmo quando meu pai fez um monte de bobagens na vida e a vida fez graça de mau humorista com a gente, eu não consegui nunca deixar meu coração amargurado e a alma sem esperanças, porque eu sabia que ele era meu herói e os heróis não são necessariamente vencedores, mas são aqueles que sempre acalentam a alma da gente!!!!
Heróis, Heróis, Heróis; sim, tenho meus heróis! Alguns da vida cotidiana. Outros como Eurico Lara, grande nome da história do Grêmio! De Eurico Lara, eu aprendi a história ao lado de seu túmulo, no cemitério São Miguel e Almas, em Porto Alegre, segurando na mão de meu pai, como acontece com muitos e muitos gremistas. Era um goleiro fantástico e gremista apaixonado (como todos os gremistas devem ser). É o único jogador da centenária história gremista citado por Lupicínio Rodrigues. Sim, o autor de “Nervos de Aço” e “Felicidade foi se embora” fez o belo o hino do Grêmio – “Até a pé nós iremos, para o que der e vier, mas o certo é que nós estaremos com o Grêmio onde o Grêmio estiver”.
Mas eu falava sobre Eurico Lara, que era apaixonado e gremista e, veja só, estava no quarto de um hospital, com turberculose e doente do coração, no dia da final do campeonato gaúcho, contra o inimigo Internacional, no chamado clássico Gre-Nal. Lara fugiu do hospital para assistir ao jogo. Um empate daria o título ao Grêmio, que estava com um ponto a mais na competição. Mas, faltando três minutos, o juiz marcou um pênalti para o Inter. A torcida gremista, em grande maioria, ficou em silêncio, com medo da catástrofe próxima. Foi neste momento que Lara disse para o homem que cuidava do portão junto ao gramado: “abre”. E quando entrou em campo foi tirando a camisa, as calças…estava de uniforme por baixo e, pasme, de chuteiras. O estádio explodiu de espanto e alegria, mas logo depois, aconteceu um silêncio absoluto, que até hoje impressiona a todos os que assistiram à cena. Era como se não houvesse vozes, pássaros…vento no mundo
O atacante do Inter ajeitou a bola. Parecia um touro, enquanto se preparava para iniciar a curta corrida em direção à bola. O chute saiu forte, alto, no canto esquerdo. Mas Lara, meu herói Eurico Lara (cantado por Lupicínio como “o craque imortal”) saltou como um gato e encaixou a bola no peito e com ela continuou agarrado quando caiu no chão. A torcida entrou em delírio. Os jogadores se aproximaram para reverenciar aquela lenda do futebol.
No estádio, uma chuva de chapéus, como nunca mais foi vista, nem mesmo nas comemorações pela vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial. Lara continuava agarrado com a bola no chão. Sim, era sua, não queria soltá-la. Os jogadores foram se afastando. A torcida de pé, em silêncio, compreendeu o que acabara de acontecer. Lara estava morto. Com a bola grudada naquele imenso peito gremista. No gramado, milhares e milhares de chapéus eram como flores homenageando aquele deus do futebol.
Na verdade, a primeira história, sobre meu pai, é verídica, mas esta segunda não aconteceu exatamente assim. No dia 22 de setembro de 1935, contrariando as recomendações médicas para que não atuasse mais, Lara entrou em campo para o jogo decisivo – um Gre-Nal! – do campeonato da cidade, naquele ano chamado de “Campeonato Farroupilha”, por ser o período das comemorações do centenário da Revolução Farroupilha. O Grêmio precisa vencer para conquistar o título. Foi uma das maiores atuações de sua vida, decisiva para a vitória gremista por 2 a 0. Nunca mais atuou. Faleceu em 6 de novembro, 45 dias após o Gre-Nal – e dizem os médicos que a morte foi apressada pelos meses em que, mesmo doente, jogou pelo Grêmio.
Mas vou contar ao meu filho exatamente como o meu pai me contou: segurando em sua mãozinha de gremista, ao lado do túmulo do inesquecível Eurico Lara, aquele que morreu defendendo um pênalti, com tuberculose e doente do coração, dando o título de campeão ao Grêmio….
Ah!, Airton “quem não te conhece que te compre”… já dizia minha querida sogra… um belo texto e de uma sensibilidade “Gremial”.
Comentario de aplaudir de peh…….sensacional!
é facil falar de gontow,monstro em seus pensamentos e textos show de bola airton .
Que texto lindo, rapaz. Emocionante. Enchi os olhos de lágrimas. Parabéns, Airton!
O texto de Gontow me fez lembrar do grande Armando Nogueira. Ah,os heróis! Tenho saudade do tempo em que eles viveram.
Airton, amado.
Esta história eu já conhecia de há muito tempo, mas relendo agora, me emocionei. Esta tua paixão pelo Grêmio … (herança de teu avô – meu pai) e teu amor infinito por teu pai (meu irmão) … são de fazer qualquer um parar e pensar no verdadeiro significado do amor!!!! Te amamos MUUUUUUUUIIIITOOOOO. beijos
Belo texto, Airton. O herói que se sacrifica pelo bem coletivo. Lembrei do saudoso Lourenço Diaféria e sua crônica censurada sobre o bombeiro que deu a vida para salva o garoto das ariranhas de Brasília. O problema, como dizia, é que o herói só nasce no túmulo. Enquanto o cara tá vivo e lutando ninguém reconhece. Mania nossa.