De vivendo a vida

 

Por Maria Lucia Solla

 

Olá,

 

às vezes sinto que desperto de sono profundo, e vejo as coisas à minha volta com uma clareza difícil de descrever. Não sei dizer se é arte da mente ou do coração, mas é magia pura.

 

Hoje eu estava arranjando a mesa da sala para comemorar a vinda do meu filho Paulo, – o aniversário dele é na segunda-feira – e resolvi dar um jeito nos enfeites de Natal que ainda estavam em cima do aparador, esperando carona para ir para a sua caixa, descansar por mais um ano.

 

Peguei e curti um por um – bolinha, pinha com toque de dourado, laço vermelho, laço dourado, bengala do bom velhinho, o próprio, rechonchudo, sorridente, e toda a galera do presépio, presente do Marcos, para levá-los de volta para o tanto que lhes cabe neste latifúndio. Eles moram no meu quarto, num baú que pretendo mandar armazenar, desde o dia em que cheguei neste apartamento, para fazer lugar para uma cadeira de leitura. Daquelas de sonho, sabe? Costas bem acomodadas, coluna quase feliz, pernas posicionadas confortável e saudavelmente; uma cadeira perfeita. Uma lâmpada de leitura, aérea para não ocupar espaço, estrategicamente posicionada, e um aparador na parede, para os livros do momento – e só esses -, e uma ou duas xícaras de café ou chá, conforme a situação.

 

Então por um segundo pensei um pensamento rançoso, condicionado, envolvido em teia de aranha: cadeira de leitura? pra quê? pra quê perder tempo e jogar dinheiro fora, se vou deixar este apartamento quando vender? e se a cadeira não tiver espaço no outro apartamento ou casa onde vou morar? E a engrenagem pirou: pra quê pendurar quadros, se não vou ficar? pra quê isso, pra quê aquilo? E no quê dentro de mim disparava um programa novo, como um balão de surpresas que estoura e te enche de mimos, me dei conta de que, sim, um dia eu também vou deixar este corpo, e não é por isso que vou deixar de cuidar dele, que não vou viver a vida com fome e com sede, até me fartar dela. Então olhei para o lado e resolvi armazenar os amigos natalinos numa gaveta do armário ao lado da mesa, ou seja, foi como se o móvel tivesse me cutucado o ombro e dito: ei, ml, olha pra mim. Você não quer a tua cadeira? Esvazia o baú. Eu guardo isso pra você.

 

Sei que não é nenhum ovo de Colombo, mas em mim teve um efeito daqueles. Pelo que não posso ter, não quero mais chorar, mas vou atrás de tudo que achar possível. Não vou me escravizar por nada, mas não vou desistir também. Vou tentar fazer o que sempre prego: saborear o minuto como se fosse meu primeiro e último. Vou atrás de cada sonho possível, aceitar o que me faz sorrir e guardar feito tesouro, os bons momentos. Um toque, uma palavra, um olhar, um desejo.

 

E você? Pense nisso, ou não, e até a semana que vem.

 


Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung

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