Por Milton Ferretti Jung
‘’Estou com o seu texto editado. Amanhã publico. Espero que sempre lhe falte assunto para a coluna. Assim você encontrará espaço para estas boas histórias de rádio”.
Este foi o teor do e-mail que o Mílton me enviou na última quarta-feira. Na verdade, quando sentei diante do computador para redigir o texto de quinta-feira estava em dúvida: trataria de um crime praticado com requintes de crueldade num município vizinho de Porto Alegre ou escreveria uma história de rádio. Elegi – e quem me leu sabe disso – escrever acerca de uma experiência vivida por mim na época em que a Seleção Brasileira se preparava para a Copa do Mundo de 1966. Creio que não tratar, nesta coluna, de um assunto escabroso, ultimamente muito explorado por todos os veículos midiáticos, valeu a pena. E tem mais: sugestão de filho, principalmente quando este é o responsável pelo blog, o pai aceita de muito bom grado. Sei que o Mílton, pelo menos,vai gostar. Então, vamos à história.
O comentarista Ruy Carlos Ostermann, este seu criado e o Celso Costa, técnico de áudio e, hoje, o mais antigo funcionário da Guaíba, uma vez que começou a trabalhar nela antes mesmo da sua inauguração, fomos escalados para fazer a cobertura de uma partida de futebol, em Minas Gerais, no Estádio Raimundo Sampaio, mais conhecido como Independência. Acompanharíamos o Grêmio que enfrentaria o Atlético Mineiro. Nossa viagem começou numa terça-feira em Porto Alegre, havia uma escala no Rio de Janeiro e trocaríamos de avião, no Aeroporto do Galeão, antes de seguir para Belo Horizonte. Tivemos,entretanto, que mudar de plano. A Cidade Maravilhosa estava coberta por névoa seca e nenhum avião decolaria naquele dia. O que fazer? Escolhemos pegar o Vera Cruz, magnífico trem que saía à noite do Rio e nos levaria numa viagem agradável até a capital mineira. Viajei muito de trem, na minha infância, entre Porto Alegre e Caxias, mas sempre durante o dia. Dormir numa cabina do Vera Cruz foi uma nova experiência, que eu gostaria de repetir. Isso, porém, é impossível. O trem com esse nome e as ferrovias são coisas do passado. Lamentavelmente.
Chegamos a Belo Horizonte na manhã do jogo. No fim da tarde, fomos para o Independência. Na época, a operadora que nos daria (?) condições de transmitir Atlético Mineiro x Grêmio era a RADIONAL. A EMBRATEL viria bem depois. A primeira providência que a gente toma ao chegar a um estádio é instalar a aparelhagem e, isso feito, entrar em contato com a rádio. A operadora, todavia, não conseguiu estabelecer a conexão. Tentamos utilizar a onda curta de 25 metros. Começamos a temer pelo insucesso da nossa cobertura. Os times entraram em campo. Não ouvíamos a Guaíba nos nossos fones. Em tais circunstâncias costumamos ligar o microfone e, na esperança de que estejam nos ouvindo na central técnica, avisamos que, após contar até dez, abriremos a transmissão. E foi o que fizemos. Realizamos a abertura habitual, anunciando as escalações das equipes, etc. A partida começou, o primeiro tempo terminou, começou o segundo e nada de ouvir-se o retorno nos fones do que se falava no microfone. Em voo cego narrei a partida até que, quando faltavam cinco minutos para o seu encerramento eis que uma voz, ouvida pela onda curta antes silenciosa, chegou aos nossos ouvidos. Não era, porém, a minha ou a do Ruy e sim a do colega Marcos Aurélio, em plena leitura do Jornal da Noite. O nosso voo não tinha apenas sido cego, mas mudo também.
Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista e meu pai. Às quintas-feiras, escreve no Blog do Mílton Jung (o filho dele)
N.B: Quer ler outra boa história do rádio contada pelo Milton Ferretti Jung, clique aqui