De renascimento

 

Por Maria Lucia Solla

 

 

É mais fácil viver com saúde do que sem ela, sorrir e sonhar quando os que amamos estão bem, caminhar sob sol ameno, em terreno plano e arborizado, do que subir uma lomba escorregadia de terra batida quando chove canivete aberto, de sandália de dedo.

 

Não que essa tenha sido minha mais incrível descoberta, mas é como se fosse. Sempre é. Toda vez que o céu da minha vida clareia, as pedras rareiam e as flores campeiam, tenho esta reação revolucionária que sacode a caixinha onde vivo e muda tudo de lugar. Novo tudo. Dentro e fora. Não sei dizer quantas vezes a primavera na minha vida coincidiu com a primavera do planeta, mas desta vez percebo a coincidência e me animo. Deixo a alma liderar e viro menina outra vez.

 

Receita? Impossível. Dicas, talvez. Meu ‘De bem com a vida, mesmo que doa’ hoje poderia se chamar ‘Preparado para o inverno’ ou ‘Se chover, um par de galochas’, ou ainda ‘Como enfrentar o inverno na tua vida’, e ainda assim não poderia oferecer receita, mas dica do tipo ‘Para-mim-deu-certo-não-custa-experimentar’. O título já tenho; falta o livro.

 

Agora, não adiantam as receitas quando tem ano em que a primavera não vem nem com convite protocolado. Ignora você. Passa batida. Tem tempo que engripa no nublado, e você vai encolhendo e diminuindo o contato com o mundo, como árvore, frondosa ou mirrada. Meus ciclos são assim.

 

Acredito que não é castigo de Deus quando as ondas encrespam, não é olho gordo de invejoso, trabalho feito nem encosto, e nem você rezou demais ou de menos. É o ritmo da vida! Só isso.

 

Nos invernos da vida, esquecemos de lembrar que as raízes continuam lá, invisíveis, mas vivas, enterradas, alimentando-se da terra e bombeando energia para o tronco, mesmo quando a flor virou fruto, a folha caiu e um ou outro galho secou e quebrou. Vida fervilha, se reorganizando como em dia de faxina. Fica tudo de pernas para o ar, mas a gente enfrenta o balde, o rodo e a vassoura, acreditando, sem vacilar na fé, que tudo vai voltar, cada coisa para o seu lugar. Muda um abajur de lugar, mexe daqui e retoca dali, mas continua sendo a tua casa. Renovada. Mais limpa e cheirosa.

 

Nós é que temos dificuldade de perceber o milagre do renascimento em cada ciclo. Em cada faxina. Tic tac, e mais um pedacinho de vida passou. Se transformou, e plantou transformação.

 

página em branco
caderno novo
fase

 

caneta
macia
colegas
vida

 

sapato
lustrado
primavera
vocabulário

 

ânimo
aprendizado
recuperação

 

Você percebe? Não? Então perceba, ou não, e até a semana que vem.

 

Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung

8 comentários sobre “De renascimento

  1. Oi, Maria. A dança da vida não é fácil. A gente quase sempre perde o passo. Mas quando acerta o ritmo e compreende o compasso, a valsa flui leve, solta. Melhor ainda quando acontece na primavera! Enfeitaste meu domingo. De novo. Bjim goiano.

  2. Elizabeth,

    sempre aconselho dança de salão, porque quem respeita o ritmo, percebe a cadência e não pisa no pé do outro, é sempre um melhor cidadão e é capaz de ouvir melhor, e acompanhar, o ritmo na Natureza.

    Feliz Primavera pra você, goiana querida

    Beijo e excelente semana

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