Gremista, radialista e demitido

 

Por Milton Ferretti Jung

 

Minha semana não foi das mais tranquilas,tipo,por exemplo,das que passei usufruindo,na cidade balnearia de Tramandaí, merecidas férias(jamais ouvi alguém confessar não ter merecido os tradicionais trinta dias de descanso). Já desconfiava,porém,que seriam as minhas últimas férias como profissional de rádio, carreira que durou sessenta anos e durante a qual trabalhei somente em duas emissoras: Canoas – que deveria ter sido instalada na cidade da Grande Porto Alegre com este nome – e Guaíba. Fiquei quatro anos na primeira e cinquenta e seis na segunda. Atuei ao mesmo tempo em três agências de propaganda:a Standard-Ogilvy & Mather,levado pelo saudoso Pedro Carneiro Pereira,um dos melhores narradores de futebol que conheci; na Publivar e na Idéia (então com acento no é,uma das tantas estúpidas mudanças feitas em nossa língua – portuguesa do Brasil – com a intenção de padronizá-la com a falada em Portugal e em suas ex-colônias,algo puramente utópico). Além disso, tive durante bom tempo colunas tratando de futebol no Correio do Povo dominical,em que escrevia sobre o Grêmio e o Ibsen Pinheiro,ao meu lado,fazia o contraponto com o Inter. Também ocupei um espaço na Folha da Tarde sobre o mesmo tema:futebol. Se ainda tenho alguém me acompanhando nesta reminiscências,como vou recuar ainda mais nos anos logo a seguir,deixem-me contar para quem não acompanhou nas redes sociais como terminou a minha carreira no rádio:fui demitido. Aqui em casa já está uma placa,em que,abaixo do meu nome se lê:”Nosso reconhecimento aos relevantes serviços prestados à Rádio Guaíba. A emissora,que nasceu sob o signo de uma tradição,será sempre uma voz a serviço do Rio Grande”

 

O Mílton, que dispensa apresentações, tanto dos ouvintes do Jornal da CBN quanto dos leitores deste e de outros blogs,surpreendeu-me perguntando em um e-mail,como eu me tornei gremista. Em Porto Alegre, torcemos pelo Grêmio ou pelo Inter. Os pais,normalmente,tentam, desde cedo, influir os seus filhos(as) a torcer por um deles. Acho que ainda nenhum instituto fez pesquisa para se saber quantas crianças, às vezes por obra de parentes,padrinhos ou por birra, quando não querem ser forçados a torcer pelo time do pai,acabam adotando o rival. Na minha casa que,segundo o Mílton, tinha no Olímpico a extensão do nosso pátio,todos se tornaram gremistas por influência paterna. Hoje,os meus netos,embora dois morem em São Paulo – o Greg e o Lorenzo – mais o Fernando e a Vivi,ambos de Porto Alegre,são gremistões. Até aqui não respondi à pergunta do Mílton. Faço-o agora. Meu pai,na juventude,jogou num time da drogaria da qual era gerente. Ainda vou recuperar o álbum em que há uma foto dele ao lado dos companheiros da equipe. Não lembro dele,porém,como torcedor gremista ou colorado. Recordo que,um dia,me levou ao Estádio do Passo da Areia,para ver o São José jogar.Quando se é criança ou até algo mais do que isso,sempre temos amigos mais chegados,com os quais nos entendemos melhor. Eu tive dois desse tipo: o Valmor e o Vilmar. Quase todas as tardes brincávamos de fazer guerra com soldadinhos de chumbo. Em uma área na frente da casa dele dos meus dois amigos do peito,escondíamos esses soldadinhos atrás de barreiras montadas com toquinhos quadrados e,usando bolinha de gude,”bombardeávamos” mutuamente as nossas fileiras:bolinhas pra cá,bolinhas pra lá (quem imaginaria que os nossos filhos e netos jogariam vídeo game em computadores de última geração). Quebrei um pouco a minha velha cabeça,entretanto,para responder à pergunta do Mílton. Foi o Vilmar,mais perto da minha idade (10 anos,acho),quem me fez gremista.Nunca me arrependi da escolha. Quando o meu pai me internou no Colégio São Jacó,em Farroupilha,ouvi em um radiozinho de algum colega,que o Grêmio aposentara Júlio Petersen,seu goleiro titular,subsituindo-o por Sérgio Moacir Torres Nunes. Fiquei preocupado:era fã do veterano Júlio e não sabia ainda se “Sérgio daria no couro”. No internato,vivia correndo atrás de quem tivesse rádio de pilha para não perder a narração dos jogos do Grêmio.

 


Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista e meu pai. Às quintas-feiras, escreve no Blog do Mílton Jung (o filho dele)

8 comentários sobre “Gremista, radialista e demitido

  1. lámentavel essa situação sempre admirei o Milton pai e sou ouvinte assíduo do Milton filho, no Sul meu rádio estava sempre sintonizado na Guiba e aqui em SP estou sempre na CBN única diferença é que sou colorado mas admirador desta dupla que fez e esta fazendo muito pelo rádio

    Julinê

  2. A radiofonia de Porto Alegre ficara sem uma de suas das suas mais claras e poderosasas vozes e os comentarios sem um dos mais lucidos gremista. Sentirei falta, mas pelo mesnos sei que esta saudável entre nos . Um abarço e parabens ao GRANDE Milton Pai.

  3. Saúde e forças é o que podemos desejar a Voz do Rio Grande.
    Se esta voz está silenciando na Guaíba, certamente a própria emissora daqui a pouco estará silenciada. As duas coisas são e serão lacunas na rádio brasileira.
    Esperamos que ao menos a história que está gravada fique em algum lugar para que possamos sempre lembrar com saudades daquela que foi um dia um exemplo de emissora de rádio.

  4. Grande Mílton Pai,

    os teus ouvintes estão literalmente mordidos, mas eu ouvi o vento, que veio do mar, dizer que você está muito bem, obrigado.

    Ah, como concordo com você sobre os abusos que a nossa língua sofreu e continua sofrendo, mas fazer o quê?

    Delícia de texto.
    Parabéns e aproveita.

  5. Prezado Sr. Milton :
    Acompanho com atenção seus comentários no blog do Milton Filho, não com a frequência que gostaria, pois o exercício diário do dever é imperativo no dia a dia do profissional. Lendo suas reminiscências, pude entender que o senhor desenvolveu uma vida muito atuante, rica em trabalho, experiências, vivências que só um profissional com sua bagagem poderia apresentar. Se me permite a ousadia, o senhor deve sentir-se honrado com sua trajetória cheia de exitos, um caminho de sucessos e, tenho certeza, tão logo seu período de merecido descanso termine, o senhor encontrará um ” jeitinho” de encontrar algo prazeiroso que preencha seus dias, pois seu perfil não é de alguém que ficará ajustado a um comportamento pacato, estou certa? Ou será que era isso mesmo que o senhor estava buscando, uma aposentadoria…? Quanto ao fato de ser gremista, nada tenho a acrescentar, pois sou corinthiana por parte de pai e de mãe e, creia, entendo um pouco de tudo, alegrias e tristezas, bons e maus momentos, que fazem parte de nossa vida, não é mesmo? Em breve, o senhor encontrará sua bela diretriz… Grande e forte abraço!

  6. Caro Miltom pai. Não tive o privilégio de te ouvir, mas soube da sua importância há muito tempo, através do meu sogro, queridíssimo parceiro de bons momentos, talentoso jornalista e jurista Luiz Otavio, seu admirador antigo em Goiás. Por quase quarenta anos ele foi editor da coluna jurídica do Jornal Do Grupo Jaime Câmara O Popular (Globo).Há alguns anos com a “renovação” da empresa foi demitido com uma carta de três linhas. Lhe fora dedicada mais ou menos uma linha para cada dez anos de trabalho.Foi sofrido demais. Mas naquela ocasião eu disse a ele o que te digo agora: quem não te merece, não te merece. A sua a família está sendo presenteada com a sua presença mais constante. A pedra deve aos golpes do machado a dignidade que a faz utilmente edificar. Hora de se alegrar. Abraço goiano.

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