Por Neusa Kihara
Ouvinte-internauta da CBN
A linha de trólebus Machado de Assis/Cardoso de Almeida era bem tranquila. Perfeita, pra mim que morava na Aclimação, trabalhava na Vila Buarque e estudava em Perdizes, ponto final do trajeto.O percurso começava na Vila Mariana e incluía também Liberdade, Centro velho e Pacaembu. Gostava de admirar os lugares pela janela….
Como não havia trânsito, também não havia atraso, assim, em todas as viagens era possível encontrar sempre o mesmo motorista e quase sempre os mesmos passageiros.
No trólebus da tarde, o moço bonito sempre estava lá… às vezes, sentado bem próximo à porta, de modo que quem entrava tinha que, forçosamente, encarar seu olhar… às vezes, estava de pé, conversando com um colega que descia logo no ponto seguinte, dizendo a ele: “até amanhã!”.
Com o tempo fui tomando coragem pra ficar mais perto, e o moço, que também era gentil, se oferecia para segurar minha pasta de livros e cadernos da faculdade.
Éramos ambos do interior, tentando a sorte em São Paulo: ele, já formado, trabalhava num banco da Rua Boa Vista; e eu estava começando meu curso superior. Aos poucos estendemos nossa amizade para passeios nos fins de semana: visitávamos a praça da Sé, a praça da República, a Liberdade, o Parque da Aclimação … sempre de trólebus.
Tudo era mais tranquilo do que hoje e os lugares seguros a ponto de permitir passeios de mãos dadas, com a paixão nos tornando alheios aos possíveis perigos.
O tempo passou, a cidade mudou, o banco transferiu o moço bonito para outra cidade; eu mudei de bairro, de trabalho e terminei meu curso. Passei a andar de metrô, sem paisagens para admirar pela janela…
Ainda lembro-me do moço simpático, cada vez que vejo o trólebus, agora reformado, sem as antigas cores amarela e laranja, mas que mantém seu trajeto entre as zonas Sul e Oeste da cidade…
Vieram novos amores, vieram novas paixões. Ficou São Paulo.
Neusa Kihara é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio e narração de Mílton Jung.