Por Ivani Dantas
Ouvinte da CBN
Em tempos de obediência a ousadia já marcava território
Eu ainda era aquela pequena de cabelos loirinhos, sempre enfeitados com um laço enorme, sorriso doce e roupinha impecável. Naquele tempo os caprichos de minha mãe impunham o cuidado de não sujar a roupa nem se descabelar nas brincadeiras. Menos ainda crescer e tomar conta do meu próprio nariz…
Arrebitado por sinal, qualificado por meu pai – sempre brincalhão – como “nariz de cheirar pum”… Pode parecer grosseiro, mas era assim que ele me provocava, orgulhoso, lá no fundo, por ter uma filha tão comportada quanto espevitada aos olhos do mundo. Obediente, mas não menos argumentativa. Comportada? Sei lá!
Sentada no portão da rua, com autorização expressa e a supervisão global de minha mãe, eu respeitava o limite da liberdade concedida. “Mãe, posso ir até o portão??” e a resposta se repetia: “Pode, mas não saia de lá”… E ficava eu apreciando a vida, sem amarrotar um nada do vestido bem cuidado para a admiração da vizinhança.
Com os valores já fincados pela autoridade familiar, eu conhecia os limites e sabia que não deveria “responder” aos adultos de forma malcriada e não poderia me comportar com falta de educação. O preço poderia ser um big de um castigo, com direito a sermão e a ficar por algum tempo sem apreciar o vai e vem da vida na calçada.
Com passos firmes e elegantes as mães das crianças eventualmente passavam em revista a molecada e recolhiam os pirralhos para o almoço ou os deveres de casa.
Mas como manter o padrão “menina comportada” diante, por exemplo, daquela senhora corpulenta, corada e sorridente, de origem alemã, como bem os traços denunciavam? Com roupas em geral escuras e a gargalhada pronta, ela passava em frente ao portão e invariavelmente me provocava: “- Bom dia menininha!!” Como vai??? Era este o mote para eu me enfurecer!!
Com a indignação espirrando por todos os poros e o coração em pânico, acelerado pelo medo das conseqüências caso o fato chegasse aos ouvidos da família, eu respondia trêmula, mas cheia de coragem: “Eu não sou menininha!! Meu nome é Ivani”…
Essa senhora, Dona Francisca, mãe de um filho único já adulto, passava sempre e me desafiava. Divertia-se, certamente, com a graça e o atrevimento de uma pessoinha tão miúda quanto brava. Não desconfio o porquê da tolerância, mas nunca fui chamada à atenção por esse “deslize” apesar de tê-lo cometido tantas vezes. Talvez pela corajosa e inesperada atitude.
Penso que apesar de tão criança, meu senso de justiça já gritava bem alto e me cobrava a ousadia de contestar um adulto, e daquele tamanho!!! Afinal eu me achava no direito de usar ao menos as palavras em minha própria defesa…
Por essas e outras acabei ganhando o apelido que repercutiu em toda a minha vida, e que é lembrado em meio a muitas risadas: “Língua de trapo”. Mas aí já é outra história, para outra ocasião…
Ivani Dantas é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. A narração de Mílton Jung. Conte você também a sua história, envie seu texto para milton@cbn.com.br
Oi Ivani!Identifiquei me contigo!Roupinha impecável! C omportada!
Também ousada!Enfrentei um padre que todos temiam.Fizeste me lembrar do passado!Abr.
Então eu não fui a única atrevida!!!! que legal, mas, então conte a sua história… Fiquei curiosa, enfrentar o padre… uau!! ousadia em dobro!!
Obrigada pelo comentário, é muito bom ter feedback