Por Samuel de Leonardo
Ouvinte CBN

Chegamos na cidade em 1957, vindos de Inúbia Paulista. Meus pais, eu ainda bebê, meu irmão mais velho e meus avós paternos. Por muitos anos moramos em um local que não tinha ruas asfaltadas, saneamento básico, sequer energia elétrica: no bairro de São Domingos, no Butantã. Em meados de 1961, finalmente chegou a energia elétrica instalada pela Light. Daquele momento em diante tudo mudou. Até então não tínhamos sequer um radinho de pilha.
Com a instalação da energia elétrica, meu pai compra um extraordinário rádio, da marca Semp, em móvel de madeira envernizada, com 4 faixas de ondas, via carnê na Mesbla da Rua Butantã, em Pinheiros. Assim começamos a ouvir rádio pela manhã, ao longo do dia, até a hora de dormir. Vale frisar que os aparelhos transmissores à época tinham válvulas, ao acionar o botão “on” demorava alguns segundos para esquentar e ligar o aparelho de fato.
Meu avô não perdia nenhuma edição do “Primeira Hora” e de “O trabuco” com o Vicente Leporace, ambos na Rádio Bandeirantes. Já o meu pai gostava de ouvir, na Rádio Piratininga, o jornalístico “Rotativa no Ar” e o “Grande Jornal Falado Tupi”, na rádio Tupi, com os comentários de Corifeu de Azevedo Marques.
Desde então, o rádio faz parte do meu universo. Aquele aparelho sonoro, tal qual uma caixinha mágica, exerceu um encantamento sem igual, extrapolando a imaginação do menino de apenas seis anos.
Ao som de locutores extraordinários, grandes jornadas esportivas, eu acompanhei a alegria contagiante na conquista do bicampeonato na Copa do Mundo de 1962, no Chile, e as lágrimas pelo fracasso na derrota do Brasil contra Portugal, em 1966, na Copa da Inglaterra.
Ao som do rádio, o garoto cresceu. Virou hábito acompanhar as jornadas esportivas, alternando no dial, entre uma emissora e outra para comparar a precisão do narradores, sempre vibrando ou sofrendo com o tricolor. Acostumara, de madrugada, sintonizar emissoras de outras localidades, navegando nas quatro ondas, que o aparelho oferecia, como fazemos hoje navegando na internet. Mamãe também tinha seus momentos, novelas e mais novelas na Rádio São Paulo.
Chegara a adolescência, e com ela o prazer de ouvir músicas que atendiam o público jovem e, bem antes da disseminação das emissoras em FM, tenho boas lembranças da Excelsior — A maquina do som, com Antonio Celso, e da Difusora com o “Disco de ouro”, na voz de Darcio Arruda.
Aos quinze anos consegui emprego em uma empresa do setor agropecuário, com sede em Santo André, com escritórios em Pinheiros. No período em que lá permaneci, conheci um grande apresentador de rádio daqueles tempos, Rubens de Moraes Sarmento, cujo programa na Rádio Tupi tinha o patrocínio da empresa. Eu cuidava do envio dos spots em disco vinil, no formato de um compacto, em 78 rotações, para a veiculação no seu programa, fazia a checagem das inserções comerciais e, pessoalmente, do pagamento do seu cachê. Isso, e mais a minha infância toda ouvindo rádio, exerceram forte influência na minha escolha profissional.
Hoje, publicitário aposentado, continuo sem dispensar a companhia do Rádio, quer seja no carro, na cozinha, no quarto, no celular, no computador, na rua, na chuva, na fazenda, ou numa casinha de sapé.
Samuel de Leonardo é personagem do Conte Sua História de São Paulo, especial 100 anos de rádio. A sonorização é do Cláudio Antonio.