Diego Felix Miguel

Nos últimos tempos, uma frase específica tem circulado nas redes sociais, sempre acompanhada de vídeos leves e irônicos de homens gays realizando tarefas cotidianas: “É claro que me viro sozinho, sou o filho gay”. À primeira vista, o tom humorístico parece inofensivo, mas para muitos da minha geração, essa frase carrega um peso histórico e emocional que não pode ser ignorado.
Para as novas gerações, talvez essa expressão de autossuficiência tenha ganhado um novo significado, marcado por maior aceitação e liberdade para construir identidades dissidentes. No entanto, para aqueles que cresceram antes dos anos 2.000, a realidade foi – e ainda é – muito mais complexa. Longe de querer generalizar, é claro que existem diferentes configurações familiares e sociais que podem ter permitido uma vivência mais leve e acolhedora para algumas pessoas LGBT. Mas a verdade é que, para a maioria, a jornada foi (e é) marcada por iniquidades, exclusão e desafios que não são facilmente superados.
Dizer que “me viro sozinho” pode soar como um motivo de orgulho para quem observa de fora, e talvez até para aqueles que internalizaram a resiliência como forma de sobrevivência. Mas a verdade é que, por trás dessa aparente força, existe um preço alto a ser pago. Um preço que envolve a solidão, a ausência de redes de apoio e o constante esforço para se adequar a padrões normativos que oferecem apenas uma falsa sensação de segurança.
Parece fácil, quando visto da poltrona do privilégio.
Para quem nunca precisou se esconder, suprimir quem realmente é, ou lutar por aceitação dentro de sua própria família, talvez seja difícil entender a profundidade desse sofrimento. Construir uma identidade que se alinhe às expectativas sociais pode até proporcionar algum conforto temporário, mas a que custo? Para muitos de nós, a vida foi uma constante batalha para manter distância da violência, da discriminação e das estruturas que perpetuam a desigualdade.
A consequência disso é evidente nos alarmantes índices de depressão, ansiedade e até suicídio entre a população LGBT, especialmente entre aqueles que não encontram acolhimento e suporte social adequados. A falta de políticas públicas específicas, somada à incapacidade de muitos profissionais de saúde e assistência social em lidar com a diversidade sexual e de gênero, agrava ainda mais essa realidade. Mesmo que esses números sejam subnotificados, eles revelam uma ferida social que precisa ser urgentemente tratada.
Resistência e resiliência: até que ficamos bons nisso!
Mas será mesmo?
Envelhecer sob a constante necessidade de resistência e autossuficiência é desgastante e, no fim, doentio. Essa autocobrança para ser independente o tempo todo, para manter-se distante da violência e alcançar alguma forma de aceitação familiar ou social, pode se estender por toda uma vida. E a quem recorrer, se até a família sanguínea muitas vezes se torna uma ameaça?
Que tipo de velhice estamos construindo quando percorremos um caminho marcado por iniquidade, violência e solidão?
Não pretendo generalizar, caro leitor e cara leitora, mas ao observar a população idosa LGBT, especialmente as pessoas mais pobres, percebo como elas estão sendo empurradas para as margens das políticas públicas. Aqueles que, ao longo da vida, tiveram menos acesso à educação e ao trabalho formal em condições seguras e acolhedoras, agora enfrentam uma velhice ainda mais vulnerável e invisibilizada, com agravos na saúde, sem garantia de aposentadoria, sem um lar confortável e uma rede de suporte social fragilizada.
E para essas pessoas, espera-se que continuem carregando o peso da frase que nomeia este texto: “É claro que esperam que eu me vire sozinho, sou o velho gay”.
Diego Felix Miguel é especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e presidente do Depto. de Gerontologia da SBGG-SP, mestre em Filosofia e doutorando em Saúde Pública pela USP. Escreve este artigo a convite do Blog do Mílton Jung.
Complicado a gente achar que sempre estamos aborrecendo, sendo demais, que não temos o direito de reclamara afeto… por vezes vê o nosso afeto, as nossas necessidades negligenciadas e isso se transforma em uma personalidade que reluta em pedir ajuda, pequenos favores, longe de nós causar o mínimo “aborrecimento”. Por mais que para alguns pareça “foda”, que nos vejam com uma certa “admiração” para nós é muito sofrível. 😦
Fernando, muito obrigado por seu comentário. Sem dúvidas, os exemplos que mencionou só reforça o quanto a homofobia (ou LGBTfobia) está muito mais presente em nossas vidas, onde grande parte das pessoas nem imaginam, sendo naturalizada e invisibilizada por quem não vivencia essa realidade. Abraço.